Uma
jovem cordelista recupera biografias de grandes mulheres negras desconhecida
dos brasileiros. Uma renomada historiadora e antropóloga investiga a trajetória
de um dos mais importantes (e desprezados) escritores negros do País.
Do
CEERT - Um africanista de 75 anos
mergulha nos fatos e personagens que construíram o continente que está na base
da formação do Brasil. Um famoso astro da TV revisa o curso de sua vida tomando
como ponto de partida a identidade negra.
Para
encerrar, um negro africano escravizado em Pernambuco narra os horrores que
sofreu antes de fugir para os EUA.
Cinco
livros que abordam de forma singular o significado de ser uma pessoa negra no
Brasil - no passado e no presente - chegaram (ou chegam este mês) às livrarias.
A
historiadora e antropóloga Lilia Moritz Schwarcz passou mais de dez anos
debruçada sobre obra e a vida de Afonso Henriques de Lima Barreto, escritor
negro e marginal responsável por, pelo menos, duas obras singulares na
literatura brasileira: Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) e Clara dos
Anjos (1922). O resultado dessa empreitada chega às livrarias no mês de junho
sob forma de uma ousada biografia.
Catatau
de mais de 600 páginas, Lima Barreto: Triste Visionário explora a trajetória do
escritor carioca a partir da questão racial. "Ele achava que os negros só poderiam ser socialmente integrados através
da luta e do constante incômodo. Por isso, denunciava que a escravidão não
acabou com a abolição, mas ficou enraizada nos menores costumes mais simples",
disse a autora à Revista Cult.
Com
escritos que criticavam o racismo, a corrupção e o feminismo vigente que,
segundo a o escritor, excluías as mulheres negras, Barreto teve ainda uma
dolorosa experiência uma dolorosa experiência manicomial, que também foi
registrada em livro, Cemitério dos Vivos, publicado postumamente. "É um autor de muito alento para essa nossa
agenda contemporânea neste momento em que a República vive uma crise tão forte,
e que os nossos valores democráticos e direitos de cidadãos estão sendo
colocados tão em questão", afirma Lilia.
Filha
e neta de cordelistas do Ceará, a escritora Jardi Arraes pesquisou durante 4
anos a trajetórias de mulheres negras que defenderam seus direitos e batalharam
por seus espaços em solo brasileiro. Até então estavam às margens da História
oficial, quinze desses enredos de vida foram adaptados para a literatura de
cordel - tipo de poesia popular escrita em folhetos geralmente na forma rimada.
Na
lista de grandes mulheres negras estão princesas e rainhas africanas como
Aqualtune, Zacimba Gaba e Na Agontimé, sequestradas como escravas para o
Brasil, mas que por por aqui lideraram revoltas e mantiveram quilombos fortes e
hoje são inspirações para a população negra invariavelmente oprimida do País.
"São mulheres de épocas diferentes, de
estados diferentes e que lutaram batalhas diferentes. Entre escritoras,
ativistas, líderes quilombolas e de revoltas contra a escravidão, escolhemos 15
heroínas negras que marcaram nossa história e nos deixaram um legado
importantíssimo", explicou a autora de 26 anos ao HuffPost Brasil.
Além
dos perfis em cordéis, a edição traz todas as histórias também em formato de
prosa. O projeto gráfico e as ilustrações de Heroínas Negras Brasileiras em 15
Cordéis são assinados pela designer e ilustradora negra Gabriela Pires.
Aos
38 anos de idade, Lázaro Ramos é hoje um dos artistas mais populares na defesa
de uma maior representatividade negra na mídia. Além de atuar na televisão,
teatro e cinema e escrever livros infantis, o astro soteropolitano também
comanda o programa Espelho, na TV Brasil, que traz entrevistas com
personalidades da cena cultural brasileira – abordando em geral assuntos
ligados à questão racial no Brasil.
Em
junho, o ator lançará pela editora editora Objetiva (do Grupo Companhia das
Letras) seu primeiro livro destinado ao público adulto, Na Minha Pele. A obra
não é uma autobiografia.
Segundo
o ator, trata-se de uma seleção de textos que propões diferentes conversas com
o leitor. "Ele tem uma seleção de
depoimentos, opiniões e dúvidas sobre diversos temas: afetividade, política
afirmativa, coragem, estética, estratégia de sobrevivência e inspirações",
explicou o artista em entrevista ao jornal O Globo.
Ao
que parece, o livro contém todos os ingredientes para reverberar e provocar
boas discussões na internet, ambiente que o ator e sua esposa, a atriz Taís
Araújo, são ativos. "As redes
sociais têm exercido um papel fundamental na difusão dessas vozes, propagando
novos valores, questionando regras tidas como estabelecidas, oferecendo novas
percepções estéticas (...) Destampou-se um número grande de desejos e vozes que
não se calam e se expressam. E nós, enquanto nação, precisamos ter capacidade
para lidar com isso", afirmou o ator.
Pesquisador,
romancista, cantor e compositor, Nei Lopes acaba de lançar seu Dicionário de
História da África - Séculos VII a XVI, pela editora Autêntica, em parceria com
José Rivair Macedo. Aos 75 anos de idade, o intelectual procura com seu novo
trabalho ressaltar que os africanos foram os protagonistas na construção de sua
própria História.
O
livro explica as diferentes etapas de formação do continente, mostrando desde a
organização social até a criação de Estados e Impérios. O leitor tem acesso
também às informações referentes aos embates entre cristianismo, o Islã e
religiões tradicionais no continente e também sobre as disputas em torno das
rotas de comércio.
Africanista
autodidata, Lopes tem formação em Direito e Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Em recente entrevista ao jornal O Globo, ele revelou
que começou a fazer pesquisas e escrever livros sobre a África "porque havia e ainda há um desconhecimento
muito grande em relação à história e à cultura africanas e afro-brasileiras".
Também
autor de outros dois livros que abordam a diversidade e a riqueza do continente
africano - Bantos, Malês e Identidade Negra (1988) e Novo Dicionário Banto do
Brasil (2003) -, o autor propõe uma visão de africanidade para além do ponto
vista da escravidão.
"Esse dicionário mostra o fundamento do
continente. A África não era uma selva só, essa visão que Hollywood ajudou a
moldar. Construir essa visão da África foi um projeto estudado. Aí nossos
filhos e netos ficam com a autoestima no pé", explicou.
Mahommah
Gardo Baquaqua nasceu em uma família muçulmana no final dos anos 1820, no reino
de Bergoo (atual Benin), na África Ocidental. Na juventude, se tornou escravo
onde vivia. Em 1845, foi traficado para o Brasil, desembarcando em Pernambuco,
onde serviu de escravo a um padeiro.
Dois
anos depois, ele escapou numa embarcação comercial. Liberto por abolicionistas
de Nova York, seguiu para o Haiti e depois para o Canadá, onde escreveu sua
autobiografia.
Lançada
em 1854 nos EUA, a Biografia de Mahommad Gardo Baquaqua estava restrita ao
círculo acadêmica até maio deste ano, quando ganhou finalmente uma versão em
português pela Editora Uirapuru. Relato da escravidão do Brasil em primeira
pessoa, a obra traz detalhes do cotidiano da época, dos ambientes sociais e
familiares e dos duros castigos que os negros escravizados sofriam no País.
Em
entrevista à revista Trip, o tradutor e organizador do livro, Lucciani Furtado,
falou sofre o destaque que Baquaqua dá à descrição da violência que sofria em
solo brasileiro: "Há uma ênfase na
violência sofrida por ele e por outras mulheres e homens escravizados. Somente
a escrita pode dar importância a esses detalhes e, mesmo assim, por muito tempo
as pessoas se recusaram a acabar com a escravidão. A brutalidade de um trauma
violento pode ser mais fácil de suportar do que a brutalidade da
insignificância", explicou.
Furtado
passou quase seis anos trabalhando no livro, que traz também retratos e
registros de documentos inéditos da época. Segundo o tradutor, Baquaqua era uma
pessoa especial que todos gostariam de ser. "Se ele sofreu foi porque teve que enfrentar contingências
sobre-humanas. E ele foi um verdadeiro herói", disse.