Canudos, a cidade do fim do mundo, por Antonio Jiménez Barca


Depois de renascer de suas cinzas, Canudos foi afogada por uma represa. Esta é sua memória.

Maria Antônia Butão, de 77 anos, junto a uma pequena capela próxima a sua casa. Seus avós lutaram na guerra.
Foto: Victor Moryma.
O trovão soa na colina não muito distante do sítio, e Julio Redondo (camisa suja de terra, facão pendurado no cinto) levanta a cabeça espantado dentro de casa. Diz só uma palavra:
– Chuva.
Do Brasil.El País

Fala com emoção e alívio. Com a entonação feliz de quem espera há muito por alguém que enfim aparece.

Yamilson Mendes, um guia turístico de 35 anos (boné de ciclista, óculos de sol, bermuda), olha para o velho pastor de 85, é contagiado com seu otimismo e acrescenta duas palavras para confirmar a boa notícia:

– Chuva, sim.

Saem de casa sem falar, aproximam-se do cercado das cabras e ficam olhando em silêncio o borbotão de nuvens cinzentas e negras que avança envolto num rumor surdo de Canudos encharcando tudo. Está chovendo em dezembro no sertão brasileiro. Isso prenuncia uma temporada de chuvas para esta terra condenada à seca eterna. Mas nenhum dos dois, nem o temeroso velho sabe-tudo nem o jovem estudioso da história de seu povo, se atreve a assegurar isso. Pode ser que chova até fevereiro. Ou pode ser que não chova além desta tarde. Quem sabe? Isso, dizem os dois, só sabe Deus, que esconde as cartas.

A cidade de Canudos fica no interior vazio do Nordeste do Brasil, no meio desta região arisca e dura, o sertão, de uma vegetação única e singularmente bonita, a caatinga, que aguenta por 11 meses a mordida de um sol incandescente. Mas Canudos é famosa por outra coisa: em 1896, um batalhão de milhares de camponeses miseráveis, assolados por esta mesma seca, ajudados por grupos de bandoleiros e capatazes bravos de gado acostumados a lutar e a matar, ergueram-se em armas e enfrentaram a jovem república brasileira de então nesta cidade fora de todos os mapas. Liderados por Antônio Conselheiro, para alguns um fanático paranoico e retrógrado, para outros um santo milagreiro iluminado pela graça divina. O Conselheiro peregrinou durante anos por estradinhas sob esse mesmo sol torturante, de povoado em povoado, consertando igrejas e muros de cemitérios, antes de se negar a obedecer a qualquer autoridade, proibir o dinheiro, fundar a nova Canudos e arrastar para a morte a maioria de seus seguidores, que acreditaram cegamente nele até o último dia. Canudos rechaçou inacreditavelmente três expedições militares e só sucumbiu em outubro de 1897 à quarta, composta por um exército de mais de 4.000 homens, com canhões e metralhadoras, vindos de todos os Estados do Brasil. Tudo isso é contado num português primoroso por Euclides da Cunha, que viajou com essa quarta expedição, em Os Sertões, obra essencial da literatura brasileira. E é narrado magistralmente por Mario Vargas Llosa em A Guerra do Fim do Mundo.

Também o recordam, por meio das histórias de seus avós, os descendentes dos poucos que conseguiram fugir antes que o último cerco militar atingisse a cidade ou que sobreviveram à última batalha. Muitos deles – não todos – continuam a idolatrar o Conselheiro, como fizeram seus tataravós há mais de um século, transformando o tempo e a modernidade numa miragem.

Meu tio, Chiquinho, lutou ao lado de Antônio Conselheiro. Quando eu era criança, enquanto balançávamos na rede, me cantava canções da Canudos velha, do tempo dos soldados. Eu lhe perguntava: ‘Matou muitos com o facão?’. E ele me respondia: ‘Uns poucos’. Mas não sei se era verdade. E me falava do Conselheiro, de como era bom, que fazia milagres e penitências, que as pessoas estavam contentes ao seu lado”. Maria Antônia Butão, Dona Maria, agora tem 77 anos e olha também, com um sorriso ausente, as nuvens que redemoinham em volta da sua casa nesta tarde estranha de vento e chuva. Vive numa chácara minúscula com cabras e um poço quase seco muito perto do campo de batalha de Canudos, das primeiras trincheiras, onde não é raro até hoje encontrar pentes de balas, botões de fardas e até esqueletos de soldados. Ao redor da casa se estende o mato baixo, salpicado de cactos como arame e de árvores peladas, cinzentas e esqueléticas da caatinga. Olhando para as nuvens também, sentado no chão, apoiado na parede da casa, há um homem de 45 anos. É filho de Dona Maria. Uma paralisia lhe vem inutilizando aos poucos as pernas há anos, sem que nenhum médico da região atine com a doença. Simplesmente as coisas são assim. Agora se arrasta ou a mãe o leva num piscar de olhos de fora para dentro da casa, de dentro para fora.

Dona Durú, cujo os avós foram
combatentes. Foto: Victor Moryama.
O fotógrafo fica com Dona Maria para a foto um pouco mais tarde. Enquanto isso, ela sugere, seria bom falar com uma amiga sua do povoado: Dona Durú. De 81 anos, Júlia Maria dos Santos, Dona Durú, foi professora leiga (sem diploma) durante metade da vida, ensinando as crianças e ler e escrever. Seu avô paterno também conheceu Antônio Conselheiro. E o pai desse avô. E duas bisavós. Ela se lembra bem das histórias da família: “Um dia, meu avô e meu bisavô saíram de Canudos para conseguir comida. Mas quando tentaram voltar a entrar, o cerco tinha se completado. Minhas bisavós ficaram dentro. E quando tudo acabou, os soldados as levaram para a Bahia. Uma puseram para cuidar dos filhos de uns senhores. A outra, para trabalhar no jardim. Mas poucos meses depois lhes perguntaram se queriam voltar para Canudos, mesmo estando destruída e queimada. Responderam que sim, porque sabiam que seus maridos estavam por aqui. E os encontraram.” Dona Durú se levanta para buscar numa cômoda uma foto de sua bisavó. Reclama. Não pode ficar de pé muito tempo. O vírus chikungunya, um dos transmitidos pelo mosquito responsável também pela zika e pela dengue, rói-lhe faz tempo as articulações dos joelhos. “Estas pernas já estão gastas”, resume. Depois acrescenta: “Ali, em Canudos, com o Conselheiro, a vida era boa, tudo era união, todo mundo era feliz, não havia brigas, não havia prostituição”. Dona Durú reproduz em 2017 em uma frase apenas o mesmo relato idealizado do paraíso já feito com estupefação por Euclides da Cunha em seu tempo, descrito por Vargas Llosa em seu romance; a mesma ideia quase mística que levou tantas pessoas dos quatro cantos do sertão a se encerrar em Canudos para defender o Conselheiro e seu mundo.

Da velha Canudos não resta nada. Foi reduzida a cinzas depois da guerra. Os sobreviventes – os avós de Dona Maria, de Dona Durú e outros tantos – regressaram meses depois e ergueram uma nova cidade sobre os alicerces da anterior. Mas no início dos anos 50 o Governo brasileiro construiu uma represa que a cobriu por inteiro. A nova Canudos foi edificada de novo, a vários quilômetros de distância, à margem do lago. Hoje é uma cidade de mais de 15.000 habitantes, com casas de alvenaria habitadas por pessoas amáveis, com uma avenida asfaltada, uma feira às sextas, uma minipraia com quiosque, ruas de terra e um banco sem dinheiro depois que os encarregados, fartos, decidiram retirar os fundos há um ano e meio, depois de sofrer quatro ataques quase seguidos de quadrilhas de ladrões vindas de fora. Yamilson Mendes, o guia turístico, bisneto de uma sobrevivente da guerra, está convencido de que o Governo construiu a represa sem pedir permissão à população para, entre outras coisas, afundar a cidade velha e sua memória nas águas do lago. “Nem o fogo nem a água conseguiram apagar nossa história. Minha bisavó, que visitou o cemitério pouco antes de ficar submerso para sempre, dizia que seus mortos iam morrer duas vezes.”

Mas a represa trouxe água abundante o ano inteiro para uma parte da população. Só uma parte: vários milhares de pessoas, como Dona Maria e Julio Redondo, o pastor de cabras, vivem em chácaras isoladas que dependem de poços artesanais quase sempre agônicos e, desde que foi instaurado o sistema no Governo Lula, dos carros-pipa mantidos pelo Exército, que passam uma vez por mês e que, apesar de tudo, são insuficientes. Também veio com a represa  –junto com a estrada que chegou há uma dezena de anos – uma plantação rentável e organizada de bananeiras, que constitui a principal fonte de riqueza da comarca, junto com a tradicional venda de carne de cabra. Há pizzarias no centro da cidade. Mas há também mulheres que gastam o domingo de manhã caminhando pelo acostamento da estrada por vários quilômetros para recolher (e carregar na cabeça na volta) as mangas maduras que caem na área das bananeiras e são necessárias em casa.

Yamilson, o guia, leitor de Vargas Llosa, não se convence totalmente sobre a localização da represa. Nesta tarde, enquanto chove, contempla o lago – e imagina a cidade submersa nele – de um mirante situado numa colina na periferia da cidade, perto de uma grande estátua do Conselheiro erguida há anos e com vista para todo o vale. Não é a única homenagem nesta terra ao personagem que Euclides da Cunha, entre muitos outros, tachou de lunático. O homem que no Rio e na Bahia foi injuriado e descrito como um inimigo declarado do Brasil é enaltecido na terra em que morreu. A guerra de Canudos é resumida muitas vezes como o confronto entre a religiosidade cega em busca de milagres, personificada por este santarrão, de quem vivia com a desgraça nas costas e os que quiseram impor o progresso e a racionalidade do novo século à base dos tiros de canhão.

Júlio Redondo, pastor de cabras. Foto; Victor Moryama.

Na área há escolas batizadas com o nome de Antônio Conselheiro. E romarias anuais realizadas em sua memória. No museu local dedicado à guerra de Canudos existe outra estátua dele, e a seu pé há uma placa que lista e chama de heróis os principais defensores da cidade frente ao Exército regular da República, incluindo os bandoleiros e criminosos que decidiram pôr suas armas e sua destreza assassina a serviço de seu caudilho, louco ou não. Não muito longe dali, uma antiga capela conserva o crucifixo restaurado de madeira, de mais de três metros de altura, que o Conselheiro mandou erguer em 1896 e que até a tomada da cidade esteve na frente da principal igreja de Canudos. Ao lado da cruz alguém deixou pés esculpidos na madeira: o ex-voto de uma promessa cumprida por um santo a que esse alguém pediu que lhe curasse uma doença na perna.

Em outra chácara afastada, Solange, a rezadeira, de 75 anos, se dedica a aliviar no jardim os males de seus pacientes à base de calma, orações e toques das mãos. Nesta tarde atende a uma mulher de cerca de 30 anos cujos olhos doem. Num quarto guarda as estatuetas dos santos católicos herdadas de sua mãe e de sua avó, também rezadeiras. Num armário com chave do dormitório coleciona duas centenas de livros sobre espiritismo.

– Canudos é triste e há por aqui muitas pessoas mortas atuando. Às vezes incomodam, mas é preciso saber tratar com elas. Eu poderia ser milionária, mas não sou materialista. Gosto de viver aqui, mas se um dia me disserem para ir embora, irei, sem olhar para trás, como a tartaruga.

Depois, como tantas outras pessoas desta cidade, especialmente mulheres, conta a desgraça que a aflige:

– Não sei por que meu filho se suicidou. Por que foi para São Paulo e se matou lá. Ainda me pergunto.

Dona Maria se aprontou para sua foto. Prevê, enquanto sorri, que se chover um pouco mais em poucos dias o deserto imenso avistado da colina de sua casa florescerá. A selva baixa e metalizada, os galhos espinhentos dos arbustos e as árvores anãs que compõem a caatinga parecem mortos, torrados por um sol de mais de 300 dias. Mas chegando perto e partindo um ramo qualquer se descobre que estão só dormindo. Pode servir como metáfora desta terra e desta gente. Bastará, como na previsão de Dona Maria, que siga caindo esta chuva que todos comentam nesta tarde para que tudo reverdeje, para que a natureza escondida exploda.

Câmara de Altaneira altera horário de sessões para ser veiculada na Rádio


O plenário do Poder Legislativo de Altaneira aprovou na noite da última quarta-feira, 1º de fevereiro, Projeto de Resolução sob a numeração 006/2017 alterando pela segunda vez esse ano o horário de realização das sessões ordinárias.

De autoria do parlamentar Cier Bastos (PDT), o dia de realização permanece na quarta-feira, mas o horário foi alterado das 19:00h (dezenove horas) para às 18:00h (dezoito horas) e argumentou que isso se fez necessário para que os munícipes pudessem acompanhar os trabalhos via Rádio Comunitária Altaneira FM. O vereador justificou ainda que com o horário outrora estabelecido a transmissão pelo veículo radiofônico não era possível, visto que é obrigatório a veiculação do programa “A Voz do Brasil”, dizendo não ter conhecimento daquela obrigatoriedade.

Sem muitas badalações, a resolução que tinha recebido parecer de admissibilidade da Comissão Permanente da Casa foi aprovada por maioria, já que o vereador professor Adeilton (PSD), líder da oposição no parlamento, se absteve de votar.

Na sexta-feira, 03, circulou no Diário Oficial dos Municípios do Estado do Ceará, a matéria relacionada a sanção das alterações dos arts. 25 e 68, do Regimento Interno. Este último passa a vigorar com a seguinte redação:

As reuniões da Comissão Permanente realizar-se-ão semanalmente nos dias de quartas feiras, as nove horas e em caráter extraordinário sempre que se fizer necessário, sendo, neste caso, o horário determinado por seu presidente, ouvido obrigatoriamente, os demais membros da comissão”.

A última mudança ocorrida no dia e horário de realização das sessões ordinária do legislativo municipal ocorreu em 13 de janeiro deste ano, de autoria do presidente, o vereador Antonio Leite (PDT).

O vereador Cier Bastos (esq). Fotomontagem: Nicolau Neto.

Insatisfeito com falta de atenção do (des) governo Temer, deputado diz que se sente como filha de empregada que só serve pra comer


O universo virtual e privado pode revelar muito do caráter de algumas pessoas, que sentem-se protegidas para expressar maneiras não muito éticas de pensar. É o ambiente em que o deputado federal Celso Jacob (PMDB-RJ) sentiu-se à vontade para expressar todo o seu preconceito.

De acordo com a coluna de Lauro Jardim, do jornal O Globo, que teria conseguido acesso a um grupo de Whatsapp fechado de parlamentares do PMDB, Jacob teria dito que “filha de empregada só serve para comer”. A frase teria sido enviada em meio a uma discussão entre deputados peemedebista sobre as novas nomeações de Michel Temer para a Esplanada dos Ministérios.

Jacob, pela conversa, sentiu que recebe pouca atenção dos ministros de Temer, e que por isso sente-se como a “filha da empregada”.

Às vezes me sinto a filha da empregada pobre, mas gostosa. Só serve pra comer e depois nem fala”.





“O objetivo da reforma da Previdência é privatizar”, afirma Denise Lobato Gentil a Carta Capital



CartaCapital: Por que a alegação do governo de que a Previdência Social é deficitária não se sustenta?

Denise Lobato Gentil: De acordo com os artigos 194 e 195 da Constituição Federal, a Previdência tem receitas que o governo não contabiliza, entre elas a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, a contribuição para o financiamento da Seguridade Social, o PIS-Pasep, as receitas de loterias. O governo não leva em consideração essas receitas e ao mesmo tempo superestima os gastos.

CC: Que motivos levaram o governo a propor esta reforma da Previdência?

DLG: O motivo real é a privatização. É fazer com que os brasileiros, desanimados com o tempo de contribuição dez anos mais elevado, e com a idade de 65 anos para obter apenas 76% do benefício, desistam da Previdência pública e se encaminhem para um plano privado.

CC: É possível a definição de uma idade mínima para todos em um país com desigualdades regionais e sociais tão profundas?

DLG: Uma idade única para um território tão diverso e complexo como o Brasil não passa de crueldade. Pretender estabelecer uma idade de 65 anos para a aposentadoria de um trabalhador rural do Maranhão, que tem uma expectativa de vida de 65 anos, significa dizer que ele não vai viver o suficiente para ter uma aposentadoria. Só vai contribuir, nunca usufruir do benefício.

CC: Qual o impacto nos pequenos municípios?

DLG: Nos 70% dos municípios mais pobres, a receita da Previdência Rural representa, em média, 17% do PIB. Eles têm as suas economias dinamizadas com essas receitas. O próprio Orçamento público municipal depende da Previdência.

A retirada dos benefícios da população rural vai significar a desorganização da produção agrícola familiar. E, provavelmente, vai atingir o abastecimento de alimentos nas cidades, o que pode resultar em elevação de preços.

CC: A PEC 287 é recessiva?

DLG: Sim, é recessiva. Ela vai reduzir a renda, o gasto do governo com aposentadorias e pensões, o que vai diminuir o consumo das famílias, provocar uma queda do PIB e, portanto, menor arrecadação. O corte dos gastos implica mais desajuste fiscal.

CC: O que devem fazer os cidadãos, os trabalhadores?

DLG: Resistir é a única saída. Eles vão passar por um processo de depressão da renda tão violento que não têm escolha. Ou resistem ou vão passar por um processo, principalmente os idosos, de extermínio.


 
"Uma ideia única de aposentadoria em um território tão diverso e complexo não passa de crueldade". Foto: Sérgio Amaral.

Eleição na Câmara: cinco votos brancos, quatro para Bolsonaro



Pré-candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro parece não ter no Congresso o mesmo prestígio conferido por seus ruidosos seguidores nas manifestações de rua e nas redes sociais. Capitão da reserva do Exército e expoente da chamada "Bancada da Bala", o deputado do PSC registrou na noite de ontem a sua candidatura ao comando da Câmara. Amealhou quatro votos, um deles possivelmente de sua própria lavra. Terminou em último lugar na votação secreta. Até mesmo os sufrágios em branco tiveram desempenho um pouco melhor.

Formado na Academia Militar de Agulhas Negras em 1977, Bolsonaro integrou a brigada de paraquedistas, onde conquistou a patente de capitão. Em 1986, foi preso por 15 dias, após liderar um protesto contra os baixos salários dos praças. Absolvido pelo Superior Tribunal Militar dois anos depois, decidiu abandonar a farda e ingressar na política.

Em 1988, elegeu-se vereador do Rio de Janeiro. Dois anos depois, conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados. Reeleito a cada nova legislatura, está em seu sétimo mandato como deputado federal. Um feito e tanto para um político sempre considerado irrelevante nas articulações políticas do Congresso.

Praticamente desconhecido fora de seus redutos eleitorais por duas décadas, Bolsonaro ganhou projeção nacional nos últimos tempos graças ao antipetismo e à habilidade de atrair os holofotes da mídia com seu discurso de intolerância. Aliado à Bancada da Bíblia, fez intensa campanha contra as cartilhas lançadas pelo governo Dilma Rousseff para estimular o debate nas escolas sobre questões de gênero e sexualidade. Segundo o parlamentar, tratava-se de um “Kit Gay” para fazer “apologia ao homossexualismo”.

Defensor da redução da maioridade penal para 14 anos, além de propor um plebiscito para a população decidir sobre o encarceramento a partir dos 12 anos, é a favor da pena de morte e costuma zombar das entidades que defendem direitos humanos. “Prefiro cadeia cheia de vagabundo a cemitério cheio de inocentes” é um de seus bordões, repetido à exaustão pelos seus numerosos seguidores, que carinhosamente o apelidaram de “Bolsomito”. Mantém especial desprezo pelas mulheres do Parlamento, e chegou a dizer que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela “não merece”. Em consequência do estupro, tornou-se réu no Supremo por incitação ao crime.

A cada aniversário do golpe de 1964, prepara uma homenagem aos militares que assaltaram o poder e reprimiram os dissidentes políticos. Debochado, chegou a posar para fotos no gramado do Parlamento, ao lado de uma faixa: “Parabéns, militares. Graças a vocês o Brasil não é Cuba”. No impeachment de Dilma, dedicou o voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi paulista, reconhecido pelas práticas de tortura contra opositores do regime militar.

O discurso de ódio, ora em moda, despertou a mosca azul do parlamentar. Bolsonaro trocou o PP pelo PSC, com o sonho de participar da corrida presidencial de 2018. E figura com impressionantes 9% das intenções de voto, segundo as mais recentes pesquisas. Nos maiores centros urbanos, entre eleitores da classe A, chega a registrar 25%. Ao se levar em conta a votação na Câmara, o deputado talvez não passe mesmo de um mito.

Ao se levar em conta a votação na Câmara, o deputado talvez não passe mesmo de um mito.
Foto: Thyago Marciel/Câmara dos Deputados.



Rodrigo Maia é eleito em meio a quebra regimental e a acordos por cargos


Rodrigo Maia (DEM-RJ), eleito hoje (2) presidente da Câmara para o biênio 2017-2018, assumiu pregando a harmonia dentro e fora da Casa, mas a sessão que o elegeu não teve nada de tranquilidade. A sessão durou quase cinco horas e foi marcada por recursos, denúncias de quebra de regimento e de acordos feitos na última hora em troca de cargos para a mesa diretora, que foi disputada amplamente entre os partidos. Também se destacou por atos de solidariedade e condolências à família do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela morte de sua mulher, Marisa Letícia.
Da RBA

Os 293 votos de Maia o fortaleceram, sobretudo diante da expectativa de que fosse para um segundo turno, por conta da pulverização de candidaturas. Até o início da semana, ele tinha como garantidos cerca de 200 votos – recebeu quase 100 a mais, com o apoio da equipe de Michel Temer – que, a princípio sigiloso, tornou-se explícito desde ontem.

Em troca, ele demonstrou sua gratidão logo após o resultado da eleição. Afirmou que vai instalar dentro de poucos dias a comissão para apreciar a minirreforma trabalhista enviada pelo Executivo no final de 2016 e atuar para que a tramitação da reforma da Previdência aconteça de forma célere, por considerar as duas matérias importantes para o país. 

Em segundo lugar na disputa ficou o candidato do Centrão, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), com 105 votos. Em terceiro ficou André Figueiredo (PDT-CE) com 59 votos – seguido, respectivamente, por Júlio Delgado (PSB-MG), com 29 votos, Luiza Erundina (Psol-SP), com 10, e Jair Bolsonaro (PSC-RJ), com quatro. Cinco deputados votaram em branco.

Ao longo dos trabalhos, houve várias reclamações dos deputados sobre candidaturas avulsas que terminaram sendo barradas. E, principalmente, queixas por causa da ausência do vice-presidente, Waldir Maranhão (PP-MA), considerada proposital para não atrapalhar a eleição de Maia. Como o presidente eleito vinha presidindo a Casa desde o ano passado, em substituição ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) num mandato tampão, coube a Maranhão, como vice, comandar a sessão.

Mas a maior parte dos trabalhos terminou sendo presidida pelo 1º secretário, Beto Mansur (PRB-SP), porque o vice só chegou ao Congresso faltando aproximadamente 30 minutos para a realização da votação. O PT, que oficialmente se posicionou favoravelmente à candidatura oposicionista de André Figueiredo, anunciou logo cedo que ajuizou mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo foi pedir para ser respeitada a norma regimental que garante espaço proporcional dos partidos aos cargos na mesa diretora.

Informações de vários deputados são de que foram negociados mais de 10 cargos da noite de ontem até a manhã desta quarta-feira em troca do apoio a Maia. O deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), que apresentou recurso sobre o tema, denunciou do plenário, aos gritos, que um dos acordos envolveu a entrega de uma diretoria no Banco do Brasil a nome a ser indicado por Maranhão, de forma a garantir o apoio dele a Rodrigo Maia na condução dos trabalhos de hoje – ou a sua ausência.

Waldir Maranhão é conhecido pelo comportamento instável durante as votações. Foi ele quem suspendeu o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff dias depois do anúncio de abertura, aproveitando um vácuo do então presidente, Eduardo Cunha, na Casa (situação revertida logo depois). Mas o deputado não se manifestou a respeito da acusação de Sílvio Costa.

Peso da Lava Jato

Não podemos votar outra vez em alguém que tenha por intuito focar sua gestão na presidência desta Casa com atitudes que representem quebra do regimento”, afirmou Sílvio Costa, numa crítica direta a Maia.

Também foi registrado por vários parlamentares, entre eles Glauber Braga (Psol-RJ), Júlio Delgado, André Figueiredo e Chico Alencar (Psol-RJ), a preocupação manifestada por muitos políticos sobre possibilidade de nomes eleitos hoje serem substituídos dos cargos dentro de pouco tempo. Isto, caso venham a ser indiciados judicialmente, diante da expectativa de divulgação da lista dos delatores da Odebrecht, na Operação Lava Jato –uma vez que vários deles foram citados em depoimentos de delatores.

A Lava Jato está pesando como uma espada de Dâmocles sobre muitas cabeças, nesta eleição. Sabemos que a lista dos citados na delação da Odebrecht e do que vier pela frente poderá causar muito barulho no Congresso e no Executivo”, avaliou Chico Alencar.

Em sua fala, Rodrigo Maia destacou a importância de o Legislativo ser independente e fez uma crítica velada ao Judiciário e à interferência dos tribunais em assuntos legislativos, por estímulo dos próprios políticos. Em relação ao Executivo, o deputado disse que é preciso tocar as reformas que o Brasil precisa. Maia se queixou, em especial, da judicialização feita pelos adversários sobre sua participação na disputa até o último momento (com ações pedindo para ser avaliado se ele poderia ser candidato tanto na primeira instância como no STF). Lembrou que teve ganho de causa em todas as ações e prometeu atuar para que haja “independência entre os poderes”.

'Manutenção da soberania'

O deputado também afirmou que os parlamentares não podem viver na porta dos tribunais para encontrar, lá, uma solução para a política. “Nossos embates precisam ser resolvidos aqui dentro, para mostrarmos ao Judiciário e ao Executivo que a Câmara exige respeito e quer ter sua soberania garantida”, disse.

Jovair Arantes, considerado principal adversário de Rodrigo Maia, disse ainda que se fosse eleito trabalharia para que a Câmara “voltasse a conquistar o respeito do país”. Júlio Delgado afirmou que em todas as eleições para presidência da Câmara as mesmas promessas são feitas pelos candidatos e, a seu ver, o que está em jogo é a mudança na forma de atuação dos próprios deputados.

André Figueiredo afirmou que sua candidatura teve o propósito de impedir que o presidente para o próximo biênio não fosse “nem um chantagista junto ao governo nem um mero carimbador dos atos do Executivo”. Foi uma menção explícita ao ex-deputado Eduardo Cunha e a Maia.

Luiza Erundina, última a falar, destacou que a eleição de hoje consiste num fato político cujo significado “extrapola a instituição Câmara dos Deputados em si”. Tanto que, segundo ela, “o que está por trás das candidaturas e as articulações sobre as disputas revelam os reais interesses dos que se reuniram em blocos para garantir os nomes de suas preferências”.

Rogério Rosso (PSD-DF), que era candidato até ontem, anunciou a retirada do seu nome da disputa depois que o STF deu aval a Maia para participar do pleito. Com o gesto, ele cumpriu promessa feita por ele à bancada do PSD de que tomaria tal atitude, caso a candidatura de Maia fosse mantida – para não constranger colegas que queriam votar no presidente reconduzido ao cargo.

E Jair Bolsonaro, que num gesto oposto ao de Rosso apresentou ontem sua candidatura, disse bem ao seu estilo que tinha se candidatado por um gesto de “patriotismo” e que o parlamento precisaria se reunir com nomes como o dele no comando. Seu discurso convenceu apenas três colegas, além dele.

Maia foi eleito em um bloco que reuniu, além de seu partido, PMDB, PSDB, PP, PR, PSD, PSB, PRB, PTN, PPS, PHS, PV e PTdoB. Passa a fazer parte da linha sucessória do país em caso de viagem ou afastamento do presidente Michel Temer, ao lado do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), eleito ontem.

A eleição para escolha dos integrantes da mesa diretora da Câmara, entretanto, continua sendo realizada.



Apoiador do impeachment, Eunício vence eleição no Senado com ampla maioria


Desde que trabalharam para destruir Dilma, Temer e Renan tiveram controle absoluto da agenda. Eunício (esq.) é aliado.
Foto: Fábio Rodriguez Pozzebon/ABR.

Eunício Oliveira (PMDB-CE), 64 anos, foi eleito na tarde de hoje (1º) para a presidência do Senado, conforme previsto, com mandato pelos dois próximos anos. Líder de seu partido, ele recebeu 61 votos, de um total de 81 parlamentares. Sem apoio de nenhum bancada, José Medeiros (PSD-MT) teve 10, e houve outros 10 em branco. O presidente do Senado é o segundo na linha sucessória de Michel Temer (PMDB), atrás do presidente da Câmara, cuja eleição será realizada amanhã.
Da RBA

Ex-deputado, ministro das Comunicações no governo Lula de janeiro de 2004 a julho de 2005 e integrante da base aliada no governo Dilma Rousseff, o eleito Eunício votou a favor do impeachment da presidenta, no ano passado. Mesmo assim, recebeu votos de parte da bancada do PT. Antes da escolha – por voto secreto, em urna eletrônica –, o senador Paulo Rocha (PA) disse que o partido quer assegurar sua presença na mesa, acrescentando que isso não interfere na postura de oposição ao governo Temer.

Além de líder do partido no Senado, Eunício responde pelas finanças do PMDB. Seu nome, sob o apelido de "Índio", é citado em delações de executivos da Odebrecht presos pela Operação Lava Jato. No discurso anterior à votação, ele disse reafirmar "compromisso pela democracia" e disse que o desafio é "reaproximar o governo e o Congresso da sociedade brasileira". Segundo ele, também é preciso ser duro quando "um poder parece se levantar contra outro".

Ele defendeu a reforma da Previdência proposta pelo governo Temer, considerando-a "inadiável". "A opinião pública vai compreender essa urgência."


Pouco antes de entregar a presidência da Casa, Renan afirmou que, em um período político turbulento, o Senado "manteve altivez e responsabilidade". E sempre recusou "anomalias políticas e institucionais". Sobre o impeachment, afirmou, a Casa "se pautou pela isenção, equilíbrio e responsabilidade". Renan também pediu quebra do sigilo nas investigações da Operação Lava Jato, "para que a população não seja manipulada".

Também antes da escolha, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Congresso, reafirmou apoio a Eunício e à indicação do atual presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), à liderança do partido – que nesta semana ganhou dois senadores: Zezé Perrella (MG) e Elmano Férrer (PI), ambos saídos do PTB.

No PSDB, Paulo Bauer (SC) passará a ser o líder da bancada. No PTB, essa função caberá a Armando Monteiro (PE). Osmar Aziz (AM) segue na liderança do PSD.

Depois da presidência, começa a escolha dos demais cargos da mesa diretora: duas vice-presidências, quatro secretarias e quatro suplências. Pelo critério da proporcionalidade, o PMDB, dono da maior bancada (21 senadores, 25% do total), tem direito também à 1ª vice. Com 11 representantes, o PSDB fica com a 1ª vice-presidência. Ao PT, com 10, cabe a 1ª secretaria.

O número de bancadas vem aumentando. Em 2002 eram nove e na eleição anterior, há dois anos, 15. Agora, o número de partidos com representação subiu para 17 (confira no quadro). Há um senador atualmente sem partido (José Reguffe, do Distrito Federal).

Por pressão da militância, PT anuncia apoio a candidato do PDT na Câmara


Rodrigo Maia e André Figueiredo: oficialmente, PT vai o nome do PDT.

Para não se “queimar”, segundo palavras de um deputado petista, a bancada do PT na Câmara anunciou na tarde desta terça-feira 31 que vai apoiar o candidato do PDT à Presidência da Câmara, André Figueiredo. A decisão reflete a pressão da militância do partido, que tem feito campanha contra o apoio da legenda ao atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), considerado “golpista” pela relação com o presidente Michel Temer.

Por Renan Truffi, na Carta Capital

O anúncio foi feito após reunião dos deputados do partido, no Congresso Nacional. "É uma candidatura muito importante num momento que é necessário marcar posição no País", declarou o líder do PT, Carlos Zaratti após a oficialização do apoio. "Estamos fazendo um gesto de unidade às forças de oposição na luta por uma Câmara mais democrática, que respeita a participação popular".

Apesar do discurso oficial, a bancada estava dividida quanto ao caminho que deveria seguir. Parte dos deputados do PT considera o apoio a Figueiredo um erro, pois essa postura deve implicar na perda de cargos na Mesa Diretora e em comissões importantes para a disputa política num ano em que o governo Michel Temer deve impor as reformas trabalhistas e da Previdência.

A ala de deputados que quer apoiar Rodrigo Maia resolveu, no entanto, ceder para que, oficialmente, a orientação do partido seja pelo voto em Figueiredo. De acordo com um dos parlamentares petistas, isso não significa, no entanto, que de fato todos os nomes do partido vão votar no candidato do PDT, já que a votação é secreta.

Com essa decisão, o PT passa a fazer parte de um bloco que já tem PDT e Rede Sustentabilidade, ambos em torno da candidatura de Figueiredo. Além disso, a postura do PT coloca pressão sobre o PCdoB, que cogita também compor com Rodrigo Maia e os partidos da base aliada de Michel Temer. Mas essa postura também está longe de ser um consenso.


A bancada do PCdoB está dividida, pessoas como a deputada Jandira Feghali não concordam com esse apoio do PCdoB ao Rodrigo Maia”, disse André Figueiredo ao se mostrar “esperançoso” quanto a uma possível mudança na posição do partido. “Precisamos construir uma unidade para enfrentar esses retrocessos”. André Figueiredo conta ainda com a possibilidade de apoio do PSOL, que estuda lançar candidato próprio.

Ao centro, André Figueiredo e Carlos Zarattini, líder do PT. Foto: Renan Truffi.

O racha no PT começou em janeiro, quando alguns dos nomes do partido manifestaram entendimento em estar ao lado de Rodrigo Maia. Além disso, com a presença do ex-presidente Lula, o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores aprovou, por 45 votos a 30, resolução que permitia a negociação de apoio a Rodrigo Maia e Eunicio de Oliveira (PMDB-CE), candidato à presidência do Senado.

Em resposta, o movimento “Muda PT” – que inclui dezenas de deputados e alguns senadores do partido – divulgou chamamento à militância contra o apoio aos “golpistas do parlamento”. “É hora também de mudar o PT. Essa decisão da maioria do Diretório Nacional que abre as portas para um acordo com golpistas na Câmara e no Senado mostra que o PT precisa de uma nova maioria, sem vacilação e sem conciliação”, diz o comunicado.

A pressão também fez com que o próprio presidente do PT, Rui Falcão, mudasse de posição. Durante a reunião da Executiva nacional em janeiro, ele defendeu que o partido apresentasse uma pauta de reivindicações aos candidatos como condição para o apoio, incluindo Rodrigo Maia. No último domingo, porém, Falcão publicou um artigo defendendo o contrário.

Minha opinião pessoal é que nos unamos aos parlamentares da oposição (PDT, PC do B, Rede e PSol) num bloco a ser encabeçado(a) por alguém deste campo”, defendeu em seu texto.