Por
Robert Greene II ( tradução : Gleice Barros)
Publicado
na Jacobin Magazine –
https://www.jacobinmag.com/2016/10/black-panther-party-fifty-year-anniversary-founding/
Legenda
da Foto: Charles Bursey oferece um prato de comida a uma criança durante
programa social de café da manhã gratuito dos Panteras Negras.
Cinquenta
anos após sua fundação, a visão anti racista e anticapitalista dos Panteras
Negras continua muito relevante hoje.
Este
ano marca o quinquagésimo aniversário da famosa frase de Stokely Carmichael
“Poder Negro” (“Black Power”) e da formação do Partido dos Panteras Negras (” Black Panthers Party” ou BPP).
Criação
dos ativistas radicais Huey Newton e Bobby Seale em Oakland, os Panteras Negras
logo se transformaram na maior e mais promissora manifestação da ideologia do
“Poder Negro” a partir de sua fundação em outubro de 1966. Apesar disso, muito
sobre os Panteras permanece esquecido ou distorcida pela referência de
pistoleiros, o que impede uma compreensão mais profunda de seus objetivos.
Com
o intenção de fazer um registro mais exato, o que se segue é uma apresentação
do Partido dos Panteras Negras – grupo que meio século depois de sua fundação,
continua a nos ensinar muito sobre organização, ideologia e os riscos de construir a revolução socialista nos
Estados Unidos.
Origem e objetivos
Os
Panteras Negras seguiram os passos de outros grupos de negros esquerdistas como
a Irmandade de Sangue Africano e o Congresso Nacional Negro. Como seus
antecedentes, os Panteras incorporaram tanto o nacionalismo negro quanto o
socialismo. Seale e Newton defendiam a construção de uma organização que
pudesse defender a comunidade negra da brutalidade policial, ao mesmo tempo que
oferecesse uma audaz visão anticapitalista.
Diferente
da maioria das organizações do Movimento Dos Direitos Civis, os Panteras viram
a sua base ideológica de “Lumpemproletariado Negro e Urbano”, no panfleto
intitulado “Sobre a ideologia do Partido
dos Panteras Negros” escrito por Eldridge Cleaver, um dos primeiros líderes
do grupo.
Para
Cleaver e outros líderes, o lumpemproletariado negro era formado por aqueles em
permanente reserva – afro-americanos em Oakland ou qualquer outro lugar que
eram incapazes de encontrar emprego ou obter o conhecimento necessário para
competir no moderno mercado de trabalho. Eles olhavam para este segmento da
população – ao invés do tradicional agente da revolução, a classe operária
organizada – para fortalecer sua luta contra a supremacia branca, o
imperialismo e o capitalismo.
Nascido
em Oakland, uma cidade com longa história do radicalismo e luta pelos direitos
civis, o BPP formou células por todo o país – de Nova Iorque a Chicago e no
Sul, em lugares tão diferentes como Winston-Salem
na Carolina do Norte e New Haven em
Connecticut. No auge, o BPP agrupou mais de cinco mil membros
nacionalmente. E atingiram muito mais através da publicação, O Pantera Negra, com circulação de 250
mil exemplares.
O
que dava coesão a várias células não era necessariamente um grande líder, mas
sim o caráter do Poder Negro, a organização da comunidade e o socialismo, que
canalizou a energia de jovens afro-americanos revoltados com a hipocrisia da
grande sociedade liberal e a insensibilidade do conservadorismo da Nova
Direita. Jovens e talentosos líderes floresceram a nível local, o mais notável
deles, Fred Hampton em Chicago.
Em
resistência a brutalidade policial de Oakland, os panteras adotaram a
autodefesa armada, uma tática aplicada
por muitos afro-americanos por todo o Sul dos Estados Unidos. A conexão
geográfica não era exatamente uma coincidência. Fundada por dois sulistas
(Seale do Texas e Newton de Louisiana), o BPP compartilhou de símbolos icônicos
como a Organização de Libertação do
Condado de Lowndes do Alabama (organizado por Carmichael). Ambos os grupos
desafiavam diretamente as bases da supremacia branca.
Mas
para os Panteras, a luta contra o racismo era incompleta sem a luta contra o
capitalismo. O programa de 1966 com dez
pontos, a mais clara expressão programática da política do grupo, lançou
uma análise crítica sobre a supremacia branca e o capitalismo na América. Entre
suas demandas tinha o “pleno emprego”, “moradia decente” e um “plebiscito
supervisionado pelas Nações Unidas” para determinar se os afro-americanos
queriam se separar dos Estados Unidos e formar sua própria nação.
Cada
um destes objetivos, somados a outros descritos neste programa de dez pontos,
apontou para uma organização que já vinculava várias vertentes do pensamento de
esquerda predominantes no final dos anos 1960.
As atividades do Partido dos Panteras
Negras
Junto
às mais importantes atividades dos Panteras estavam os serviços sociais ou
“programas de sobrevivência“. O mais famoso era o programa de café da manhã
gratuito, que fornecia alimentação para vários jovens afro-americanos pobres em
Oakland. Outro foi o programa local de educação em saúde, que auxiliou afro-americanos sem acesso a
assistência médica de qualidade.
Somados,
mais de sessenta programas de
sobrevivência permitiram aos Panteras Negras dar suporte a muitos lutadores
da classe trabalhadora afro-americana, melhorando imediatamente o nivel de vida
dos residentes enquanto semeavam o futuro socialista.
Os
Panteras também ficaram conhecidos por patrulhar a policia de Oakland em
batidas. Armados com espingardas e livros com as leis da Califórnia, viajavam
pela cidade monitorando as paradas policiais, buscando inibir a violência. Por
empunhar suas armas, a Assembleia Legislativa da Califórnia aprovou, e o então
governador, Ronald Reagan, votou o ato Mulford de 1967, que proibia o
transporte público de armas carregadas.
A
policia não viu com bons olhos a supervisão armada dos Panteras. No mesmo ano
que o ato Mulford foi aprovado, uma batida policial se transformou em um
tiroteio entre Newton e o policial de Oakland, John Frey, que morreu no local. O subsequente julgamento de Newton se
tornou a principal causa para a esquerda americana, com o “Liberdade para Huey”
assumido como um grito de guerra contra a opressão, a brutalidade policial e a
supremacia branca da sociedade americana.
A
inquietação se acumulava nas fileiras do governo sobre a ameaça que os Panteras
representavam para a segurança nacional do país. Além dos ataques e emboscadas
organizados pela polícia, o FBI, sob o crivo do impopular COINTELPRO (Programa de Contrainteligência), entrou em guerra
contra os Panteras. A agência tinha um interesse especial nas células de
Oakland e Chicago, incutindo desconfiança entre os membros do BPP e muitas
vezes, deixando os membros inseguros sobre quem exatamente poderiam confiar.
O
assassinato de Frey Hampton e, do
também líder dos Panteras Negras, Mark Clark, durante batida da policia de
Chicago no apartamento de Hampton, em 4 de dezembro de 1969, mostrou até onde
iriam as autoridades locais e nacionais para suprimir o Partido dos Panteras
Negras. Até mesmo os grupos do programa de café da manhã gratuito – reconhecido
como potencializadores do radicalismos das novas gerações de afro-americanos –
foram alvo do FBI e das forças policiais locais.
Sobre
a pressão da forte repressão estatal, discussões ultimatistas explodiram o
grupo em diferentes atividades. No início da década de 1970, os Panteras Negras
tinham se dividido em linhas ideológicas e táticas diferentes.
Huey
Newton queria focar a atenção do BPP no ativismo local, educação e programas de
serviços comunitários. Eldridge Cleaver – naquele momento ministro de
informações do BPP, mas que tinha partido para Cuba e então Argélia, depois de
uma emboscada da polícia de Oakland – pressionou o partido a se preparar para
realizar uma insurreição armada nos Estados Unidos. A cisão se tornou pública
em 1971, quando Newton criticou abertamente Cleaver nas páginas do periódico
Pantera Negra.
Quando
Elaine Brown se tornou a presidente do partido em 1973 – substituindo Newton,
que se exilou em Cuba –, mudou-se decisivamente a orientação basilar do
partido. Brown priorizou o serviço comunitário, administrando a Escola Comunitária de Oakland durante a
década de 1970 e, no processo, educando centenas de crianças afro-americanas em
Oakland.
Durante
seu mandato, o BPP se transformou em jogador do poder político em Oakland e
Califórnia. Bobby Seale concorreu,com uma forte campanha, a prefeitura de
Oakland em 1973 (terminando em segundo lugar em uma corrida com nove pessoas
antes de perder em segundo turno), e Brown concorreu a câmara municipal em 1973
e 1975 (chegando perto nas duas vezes). Brown também apoiou a bem-sucedida
campanha do democrata Jerry Brown a governador em 1974 (embora tenha dado pouco
resultado para o eleitorado do BPP).
No
final, a visão de Newton para o BPP ganhou grande espaço. Mas seu retorno do
exílio em 1976 desencadeou outra luta de poder que acabou destruindo o BPP.
Relações com a esquerda
Os
Panteras Negras não se isolaram do resto da esquerda. Sua célula de Chicago,
por exemplo, estabeleceu relações com os Jovens
Patriotas, uma organização que reunia principalmente os filhos e filhas dos
migrantes brancos “Appalachian “. Em 1969, o BPP convidou os Jovens Patriotas e
outras organizações de esquerda a irem a Oakland para participar da Conferência da Frente Unidos contra o
Fascismo.
A
liderança de Hampton foi essencial para estabelecer estes contatos. Como cabeça
dinâmica do BPP em Chicago, Hampton apelou aos brancos pobres como parte do seu
esforço para criar uma aliança de desprovidos que fosse antiracista e
anticapitalista. Como ele mesmo explicou “não podemos lutar contra o racismo
com racismo, mas sim, vamos lutar com solidariedade. Vamos lutar com o
socialismo”. Seu assassinato em 1969
foi devastador para os Panteras Negras e arrancou do movimento um dos seus
jovens líderes mais promissores.
Os
Panteras também se envolveram nos movimentos anti guerra, vendo que sua luta
pela libertação negra e autodeterminação estava vinculada a luta de resistência
dos movimentos no Vietnã, Argélia e outros lugares. E até mesmo, abriram uma
célula em Argélia em 1969. Quando se engajaram no movimento antiguerra (“uma
das primeiras coalizões de trabalhadores que estivemos”, Seale destacou), os
panteras deixaram claro que os abusos sofridos pelos afro-americanos nos
Estados Unidos nas mãos da polícia refletiam a repressão que os vietnamitas e
outros grupos experimentavam com o exército americano.
Os
escritos de Newton sobre a ideologia do Partido dos Panteras Negras no final
dos anos 1960 refletia uma tendência mais ampla entre os afro-americanos
radicais – de Martin Luther King Jr a Stokely Carmichael – que lincava o
racismos dentro dos EUA ao imperialismo internacional. Newton, por exemplo,
expressou apoio à Palestina diversas
vezes em seus ensaios amplamente lidos.
No
anos 1970, como membros da ampla esquerda do Poder Negro, os Panteras se
engajaram em debates sobre o melhor plano de ação para os afro americanos em
decorrência do declínio do Movimento dos direitos Civis. Abnegados ao movimento
do poder negro, como Amiri Baraka (LeRoy Jones antes de seu giro para o
nacionalismo negro no final dos anos 1960), se tornaram marxistas declarados e
evitaram a retórica nacionalista.
Os
Panteras, menos nacionalistas negros do que a imaginação popular supunha, nunca
abandonaram a marca do poder negro. Mas gastaram um tempo considerável pensando
a melhor maneira de convergir o nacionalismo negro ao socialismo – e
demonstravam na prática outros grupos de esquerda no processo.
O legado dos Panteras
O
trabalho dos Panteras Negras se mantém muito importante por diversos motivos.
Primeiro, eles nos relembram o problema da brutalidade policial existente há
muito tempo (Martin Luther King Jr até mencionou em seu tão citado, mas
frequentemente mal interpretado,
discurso “Eu tenho um sonho”). Certamente, os protestos que se seguiram a morte
de Denzil Dowell no norte de Richmond, comunidade próxima a Oakland, em abril
de 1967, cumpriram um grande papel no crescimento do BPP de uma pequena
estrutura para uma grande força política e social.
Segundo,
o BPP ofereceu um bom modelo de ativismo e ideologias principistas em prática.
Enquanto o grupo explodia devido aos conflitos entre Newton e Cleaver nos anos
1970, os Panteras continuaram a fazer importantes trabalhos em Oakland. Seu
“programa de sobrevivência” ajudou os afro-americanos que viviam na pobreza e
que não podiam depender do governo local para ter qualquer assistência. E o
essencial, eles aliaram os programas de café da manhã e educação a um amplo
projeto político. Uma engenhosa combinação de prática e visão, o trabalho
comunitário do BPP foi o trabalho mais revolucionário que realizaram.
O
Partido dos Panteras Negras também se provou um importante treino para as
ativistas afro-americanas, como Kathleen
Cleaver e Elaine Brown. Assim
como no movimento dos direitos civis, as mulheres do partido fizeram grandes
coisas no partido, mesmo que iniciais.
Isto
não quer dizer que o BPP foi um modelo de direito das mulheres. Enquanto Seale
e Newton formavam o grupo, eles direcionaram seus apelos aos irmãos do bloco.
(Em outros tempos, a retórica deles era muito progressiva: em Agosto de 1970,
Newton se tornou um dos primeiros lideres afroamericanos de qualquer tipo de
ideologia a expressar solidariedade
a gays e lésbicas americanos). Até mesmo durante a presidência de Brown, a
liderança do grupo permaneceu majoritariamente masculina e a mulher Pantera era
submetida a abusos físicos e verbais.
Mesmo
assim, Brown e outras mulheres Panteras Negras abriram espaço e contribuíram
poderosamente a organização.
Finalmente,
o legado do Partido dos Panteras Negras pode ser visto no atual movimento
“Vidas Negras Importam”. As demandas
no movimento Vidas Negras por justiça econômica, poder às comunidades e
reparação remonta a plataforma de dez pontos dos Panteras Negras. E, como os
movimentos do poder negro e direitos civis, teve que lidar repetidamente com a
cobertura mediática negativa e com uma crítica “leve” de muitos liberais
americanos.
Hoje,
cinqüenta anos após sua fundação, os panteras devem ser lembrados por mais do
que suas beretas e espingardas negras. Apesar de suas falhas, eles
transformaram o imediato e transformativo em uma potente visão política,
reivindicando uma aliança multirracial contra o racismo, o capitalismo e o
imperialismo, e entregou ganhos tangíveis aos mais explorados. Esta visão é
agitada até hoje.