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É utópico uma sociedade sem racismo?

O movimento Black Lives Matter ganhou força após o assassinato de George Floyd. (FOTO  |Freepik).

Adiei por uma semana escrever esse texto porque o assassinato de Genivaldo me deixou impactada de tal forma, que eu precisei de um tempo para elaborar e colocar em palavras de forma analítica. Mesmo depois dessa uma semana, continuo não tendo muito sucesso em ser analítica sobre o assunto, assim como nunca conseguirei ser fria com qualquer caso de corpos pretos assassinados pelo Estado.

A necropolítica (política de morte) não assassina “só” a vítima dessa ação programada, mas também todo um grupo que possui características alvo para ser morto. Quando um preto morre, todos morremos um pouco. Morremos enquanto sociedade. E, por isso, é preciso expor essa dor que sentimos a cada vida tirada, a cada ataque sofrido, porque é essa dor que nos torna conscientes e tomar consciência é o que nos impulsiona a buscar mudanças.

De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança, de um total de 6.416 brasileiros mortos por intervenção policial em 2020, 78,9% eram negros. A taxa de letalidade em operações policiais é 2,8 vezes maior entre negros do que entre brancos. Esses dados são alarmantes!! Quem não se preocupa está no auge do seu privilégio e bolha branca, sem o menor risco de ser morto na primeira esquina. Esses dados são reflexos de um país estruturado no racismo. Por tanto, parece que nenhum tipo de ação seria útil para mudar esse cenário e, a curto prazo, infelizmente, não será útil.

A sociedade se desmorona quando a sua base é retirada e, nesse caso, é preciso que de fato desmorone. Que se reconstrua em cima de uma base mais justa e isso leva muito tempo. É cansativo ter que ficar levantando essa mesma pauta a todo momento, mas a repetição ainda é necessária. É ser antirracista na sua família, na sua roda de amigos, na sua profissão. É passar um olhar antirracista para as futuras gerações, ter políticas públicas e um sistema judiciário com esse mesmo olhar.  Sei que às vezes parece utópico demais lutar por um mundo sem racismo, mas ficarmos calados é uma opção menos produtiva ainda.

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Por Marina Lopes, publicado originalmente no Notícia Preta.

É preciso recolocar a utopia, por Jurema Werneck


Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil,
no evento “Mulheres Notáveis do Brasil”, em São Paulo.
(Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress)

Tenho lido a conta-gotas o livro “No Enxame – Perspectivas do Digital”, do filósofo Byung-Chul Han, um crítico mordaz da sociedade de consumo. A obra afirma que vivemos tempos de “indivíduos empoderados”.

Mas afinal, para que serve a Utopia?, Por Eduardo Galeano


Imagem capturada do vídeo.
Nada mais coerente do que homenagear o escritor uruguaio Eduardo Galeano que não mais está entre nós desde a última segunda-feira, 13, vítima de câncer de pulmão, do que relembrar suas ideias, suas convicções sócio-políticas e culturais.

No vídeo abaixo Galeano explica o conceito de Utopia quando esteve ministrando palestra em Cartagena das Índias. 

                              

Do Esperança Crítica: A Utopia que defendo


O "topia" vem do grego "τόπος" e significa "lugar". Utopia, não-lugar, lugar que não existe. A utopia é aquilo que não existe, e não necessariamente aquilo que não pode existir. As conquistas reais da humanidade foram, cada uma delas, utopias. Cada uma dessas conquistas foi idealizada antes de ser concretizada, e sendo assim, utopias são ideais, realidades idealizadas. Essas idealizações podem ser delirantes e impossíveis, ou podem ser realistas e viáveis. A utopia lúcida e concreta é vivida e praticada. Trata-se do exercício da transformação da realidade, e como disse Galeano, uma das condições para se transformar a realidade é conhecê-la. Essa transformação se dá pela organização da sociedade que é a política: o trabalho realizado na tensão entre a vontade e as possibilidades. Devemos nos perguntar o que queremos e, depois, como iremos consegui-lo.

Arte urbana de Bansky
Na minha utopia os direitos humanos são respeitados. Isso quer dizer: para TODOS os seres humanos. Nela, problemas sociais são resolvidos como problemas sociais, não como problemas morais. Nela, toda forma de tortura será banida. Na declaração universal dos direitos humanos consta: Todo indivíduo terá direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal; Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Este é, em suma, a finalidade da utopia que defendo. Ela tem a felicidade como fim. E este fim tem um meio.

Como a utopia que defendo pretende ser mais que um devaneio, é preciso garantir condições em que tais direitos sejam respeitados, e pra isso colocar o cidadão como sujeito participante das decisões políticas, e não somente uma massa passiva sem poder real. Por isso esta utopia humanista tem uma forma de governo: a democracia. A democracia é, por si só, uma utopia. Ela nunca existiu de verdade (senão como um processo). A palavra democracia, do grego, significa “poder do povo”. Nela o povo que detém o poder porque é ele quem, coletivamente, organiza sua forma de viver, sendo autor das leis e do todo o processo político. Em outra palavras, o poder pertenceria a toda sociedade. As democracias que tivemos até aqui, no entanto, não fizeram jus, verdadeiramente, à este conceito, apesar dos avanços que trouxeram. Tanto a democracia grega quanto a moderna foram formas de dominação de classe, na primeira dos senhores de escravos, e nesta, da minoria que detém do poder econômico, sendo a participação do povo reduzida à meras formalidades, sem poder realmente decidir sobre seu próprio destino e à merce da miséria e de outras formas de violência. Em suma, da violação de seus direitos básicos.

A sociedade em que vivemos apresenta desafios para a democracia: enquanto a legislação garante uma igualdade formal, vivemos num contexto e desigualdade real: a igualdade de todos perante a lei, por si só, não desfaz as desigualdades materiais. Portanto esta utopia democrática será impraticável enquanto reinar a desigualdade. Por que há desigualdade? Em tal sociedade regida pela racionalidade técnica do mercado o político é dominado pelo econômico, e a riqueza é distribuída de maneira desigual, gerando concentração e monopólio, e os direitos são convertidos em mercadorias, acessíveis apenas àqueles que podem comprá-las. Direitos básicos tais como saúde, moradia e educação passam a não ser acessíveis a todos, ou são de maneira precária. No capitalismo estes males são crônicos e sistêmicos, e por isso essa utopia democrática também uma forma de economia: o socialismo. Você sabe o que é socialismo? Trata-se da socialização dos meio de produção. Enquanto a propriedade privada dos meios de produção permite que o trabalho de uns enriqueçam a outros, a propriedade coletiva dos meio de produção deverá permitir que o lucro seja distribuído entre os trabalhadores. Isso requer tornar terras, empresas, bancos e tudo aquilo que gerasse lucro em propriedade coletiva para ser distribuído para os trabalhadores conforme seu trabalho e sua necessidade.

Mas o leitor poderá, e com alguma razão, acreditar essa utopia não passa de um delírio, visto que as experiências socialistas, quando não fracassaram, desembocaram numa tirania desembestada, não é isso? Bem, evidentemente, como a utopia que defendo se deseja mais que um delírio, isso também é levado em consideração. Em primeiro lugar é preciso tomar muito cuidado com as informações que temos desses países socialistas. Infelizmente, com uma imprensa que serve à interesses privados, muitas vezes nos dificultam a compreensão do todo que se passa nesses países, ressaltando os aspectos negativos, omitindo os positivos ou inventando histórias, mesmo. O processo político de cada um desses países é particular e muito mais complexo do que a imprensa oficial faz parecer. Isso não significa que sejam uma maravilha ou mesmo que correspondam à utopia que defendo, nem que necessariamente levem até ela.

Existem diferentes movimentos e correntes do socialismo que divergem em diferentes pontos a respeito de princípios ou estratégias para como se socializar os meios de produção. Alguns enfatizam que o povo deve se apropriar do Estado; outros querem aboli-lo de imediato, criando zonas liberadas, autogeridas; alguns acreditam na revolução armada, outros em reformas graduais, e assim por diante. Mas como a utopia que eu defendo é mesmo uma utopia, e na prática a teoria é outra, esta utopia rejeita fórmulas prontas e modelos pré-determinados de ação ou de sociedade. O caminho se constrói ao caminhar, através da práxis cotidiana, estratégica, que muda em cada contexto e agrega novos aprendizados. Por isso cada tentativa, que se deparou com novos e velhos desafios, foram experiências únicas, que podem ter tido resultados bons e ruins; desde a União Soviética até os territórios zapatistas em Chiapas. E como tal utopia é mais do que uma quimera, podemos observar fragmentos reais desta utopia sendo construídos efetivamente, hoje em dia, inclusive, como na cidade anarquista de Cristiania, na Dinamarca, que funciona sem o governo de representantes há mais de 20 anos. Toda a manutenção da cidade é decidido e feito a partir de reunião entre os moradores. Outro exemplo é a cidade de Marinaleda, na Espanha, cidade autogerida, verdadeiramente popular, onde a terra é de quem nela trabalha, que não conhece desemprego, não há polícia e as decisões são coletivas. Estes exemplos mostram que tal utopia socialista e democrática é possível, restando para os agentes da transformação o desafio de superar os novos e velhos desafios.

Mas é preciso compreender que a utopia que defendo é só uma utopia. Se argumentarem que este mundo que sonho onde não há violações de direitos humanos não é possível, porque as sociedades humanas são contraditórias e que sempre haverão conflitos, eu lhes responderia que isso não me interessa. A utopia é um ideal, e o real nunca é ideal. Não me interessa se vamos atingir este mundo; me interessa as possibilidades reis de transformação: a função da utopia é nos dar uma referência daquilo que queremos, nos orientar, e, baseando-se nela, poderemos tornar o mundo em que vivemos melhor do que ele já é. Haverão também aqueles que pensarão se tratar de pura perda de tempo. Esses tem seus próprios objetivos que dão sentido à vida, seja ascender profissionalmente; seguir uma vocação religiosa, ser um consumidor exemplar; para outros o que dá sentido à vida é lutar por um mundo melhor, nem que seja apenas para não ter que ficar passivo diante de uma realidade excludente e opressora.


Análise de Lucas Fier, do Esperança Critica