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Estátua de João Cândido, o Almirante Negro, ganha novo lugar com maior destaque no Rio

 

Prefeitura do Rio reinaugura estátua de João Cândido em destaque na Praça Marechal Âncora - Reprodução/Imagem retirada do site O Globo.


A estátua de João Cândido, que entrou para a História como o “Almirante Negro”, liderança na Revolta da Chibata, foi reposicionada nesta terça-feira na Praça Marechal Âncora, no Centro do Rio, de frente para o mar. A peça, que ficava escondida atrás da estação do VLT no final na Praça Quinze, foi restaurada pela Secretaria Municipal de Conservação para ganhar mais visibilidade e passou a ocupar um espaço 300 metros adiante de onde estava.

O secretário de Governo e Integridade Pública, Tony Chalita, afirmou que as adaptações foram feitas para dar um local de protagonismo ao monumento, que merece esse espaço.

É um compromisso dar Prefeitura do Rio fazer esta reparação, ouvir a sociedade civil e dar visibilidade a personagens tão importantes na história da cidade e do país. Fizemos as adaptações do espaço para dar um local de protagonismo para esse herói nacional que foi João Cândido – disse.

Nascido em 1880, João Cândido Felisberto era filho de escravizados que vieram para o Brasil. Quando jovem, aos 14 anos, entrou para a Marinha. O apelido de Almirante Negro veio após ter liderado o primeiro levante da Revolta da Chibata em uma das embarcações militares atracadas na Baía de Guanabara, a Minas Gerais.

A Revolta da Chibata aconteceu em novembro de 1910 e foi uma rebelião contra os maus-tratos sofridos pelos marinheiros brasileiros. O movimento queria o fim dos castigos físicos aplicados por comandantes, em sua maioria, brancos, a marujos considerados indisciplinados. As posições mais baixas da corporação eram ocupadas por negros e pobres, aqueles que sofriam os castigos.

Os manifestantes afirmavam que caso as punições físicas não chegassem ao fim, a cidade do Rio de Janeiro seria bombardeada. O governo brasileiro aceitou as condições dos marinheiros, mas após o fim da revolta começou a perseguir aqueles que manifestaram contra as medidas autoritárias dos comandantes.

Um dos perseguidos foi João Cândido, que foi expulso das Forças Armadas, preso e chegou a ficar internado em um hospício. O Almirante terminou seus dias como pescador e morreu em 1969.

A homenagem emocionou o filho do Almirante Negro, Adalberto Cândido, mais conhecido como Seu Candinho, que tem 84 anos e lembrou dos tempos difíceis passados por seu pai.

A estátua ficou escondida depois que foi construído o terminal do VLT na Praça Quinze e já estava até sem a placa de identificação. Agora, está num espaço mais bem localizado. O meu pai foi muito perseguido pela Marinha e agora esse reconhecimento deixa a todos nós, da família, muito orgulhosos – comentou Cândido.

A imagem já passou por outros lugares antes de ficar sem protagonismo na atrás da estação do VLT da Praça Quinze. Até 2008, esteve no Museu da República, no Catete, também sem o destaque que merece.

Realizada pela Gerência de Monumentos e Chafarizes, da Secretaria de Conservação, a revitalização aconteceu em duas etapas. Depois de transferido para a Praça Marechal Âncora, o pedestal ganhou revestimento em granito e uma placa informativa. Além disso, a figura em bronze de tamanho natural, assinada pelo artista Valter Brito, passou por limpeza e aplicação de resina protetiva.

A iniciativa faz parte do projeto de revitalização dos monumentos da Praça Quinze, feito pela Prefeitura para celebrar o Bicentenário da Independência. Foram restauradas também as estátuas de D. João VI e General Osório, o chafariz do Mestre Valentim e o Marco à Fotografia, que estavam no local.

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Por Leonardo Nogueira, no O Globo e reproduzido no Geledés.

Nome de João Cândido é aprovado em comissão no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria

 

O almirante João Cândido (FOTO/ Reprodução / Prefeitura de São João de Meriti).

A Comissão de Educação (CE) aprovou nesta quinta-feira (28) projeto que inscreve o nome de João Cândido Felisberto no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O PLS 340/2018, do ex-senador Lindebergh Farias, teve parecer favorável do senador Paulo Paim (PT-RS) e segue agora para análise da Câmara dos Deputados, se não houver solicitação para análise em Plenário.

Nascido no Rio Grande do Sul em 1880, filho de ex-escravizados, João Cândido trabalhou por mais de 15 anos na Marinha de Guerra do Brasil, tendo sido instrutor de aprendizes de marinheiro. Ele foi o marinheiro que liderou a Revolta da Chibata, ocorrida em 1910 em navios atracados na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, e entrou para a história como o Almirante Negro.

Em reunião anterior o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) pediu vista “para melhor conhecimento da matéria”. Nesta quinta-feira o parlamentar votou favoravelmente ao projeto, mas leu para o colegiado nota de posição da Marinha, em que a instituição considera que o movimento ocorrido em novembro de 1910 não pode ser considerado como “ato de bravura” ou de “caráter humanitário”.

De acordo com a nota técnica, “a revolta dos marinheiros de 1910 foi, de fato, um acontecimento triste na história do país. Todos os envolvidos, dentre eles a Marinha, setores do governo, os revoltosos e outras instituições tiveram culpas e omissões. Mas, reconhecer erros não justifica avalizar outros e, por conseguinte, exaltar as ações dos revoltosos”.

Emocionado, Paim enfatizou que respeita a Marinha e que não a vê como um polo racista no Brasil.

—O nosso próprio homenageado, o Almirante Negro, que num movimento para a sociedade já é um herói, escreveu a sua história dentro da Marinha, mas a Marinha, no documento, reconhece que ela discordou também da chibata.

Paim destacou o apoio de diversas personalidades e instituições, entre elas a Defensoria Pública da União, a Coordenadoria de Assuntos Raciais, a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as, a Coalizão Negra por Direitos, a Associação Brasileira de História, a Frente Nacional Antirracista. Ele lembrou ainda homenagens feitas a João Cândido, entre elas as realizadas pelo governo e pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, além da Fundação Palmares.

— Em 24 de julho de 2008, 39 nove anos depois da morte de João Cândido Felisberto, publicou-se, como a própria Marinha reconhece, no Diário Oficial da União, anistia total e irrestrita àqueles que lideraram a Revolta da Chibata. Em 7 de maio de 2010 — olhe bem —, a Transpetro, a pedido do Presidente da República, batizou com o nome de João Cândido o primeiro navio do Promef (Programa de Modernização e Expansão da Frota).

Segundo o senador, “João Cândido é, na verdade, um agente social, que lutou e deu sua vida em defesa da dignidade e da justiça, uma personagem da história brasileira”.

— À época dos acontecimentos, ele já era tratado como herói, tornando-se então figura lendária. É cantado em verso e prosa até os dias de hoje. Por muitos e muitos anos, o assunto não veio ao debate, mas as raízes, que são profundas e verdadeiras, jamais morrem. Elas não morrem, elas ficarão sempre vivas. Eu sempre digo que as causas são indomáveis e ninguém consegue vencer as causas onde elas são justas. Elas se eternizam, elas tornam-se povo. Isso também faz a história de um povo e de um país.

O senador Flávio Arns (Podemos-PR) ratificou seu apoio a Paim.

— Esse é um fato que aconteceu naquela época. Já me manifestei que o comportamento mais adequado da Marinha seria pedir perdão para a sociedade para os fatos ocorridos, da mesma forma como o Brasil deveria pedir perdão pela escravidão que ocorreu no nosso país. Isso não pode se repetir e temos de reparar aquilo que cometemos — afirmou.

Líder da bancada do PT no Senado, o senador Paulo Rocha (PT-PA) disse que foi procurado pelo comando da Marinha.

— Uma homenagem a João Cândido não significa uma posição de aversão à Marinha. Nós consideramos a Marinha uma das forças armadas mais próximas da situação de nosso povo. Eu quero demonstrar com isso o sentimento que nós temos em relação à Marinha, para poder não colocar essa questão que o companheiro Paulo Paim colocou na defesa e na homenagem a esse grande brasileiro chamado João Cândido (…) Porque ele não atuou só como marinheiro; ele foi um personagem muito importante na luta dos negros, dos povos daquela época.

Esperidião Amin (PP-SC) considerou o assunto muito sério e complexo.

— A nota técnica na Marinha deve constar por inteiro nos anais dessa sessão. Porque uma coisa é homenagear uma pessoa, outra coisa é interpretar um movimento — no caso, um movimento que não foi de um dia. (…) O personagem merece, sim, o meu voto favorável porque, de alguma forma, contribuiu para uma evolução.

Revolta

O principal motivo da revolta foi a insatisfação dos soldados da Marinha com os castigos físicos, os maus-tratos e as más condições de trabalho. Os castigos cruéis eram proibidos na Marinha desde 1889. Mesmo assim, eram impostos pelos oficiais aos soldados, negros em sua maioria. Várias tentativas de negociação fracassaram, entre elas a que contou com a participação do então presidente da República Nilo Peçanha.

O estopim para a revolta foram as 250 chibatadas destinadas ao marinheiro Marcelino Menezes, acusado de agredir um oficial. A punição incluiu a proibição de que ele recebesse atendimento médico.

Por quatro dias, quatro encouraçados apontaram seus canhões para a Baía da Guanabara. A tensão terminou com o compromisso do governo, em acordo aprovado pelo Senado e assinado pelo presidente Hermes da Fonseca, sucessor de Nilo Peçanha, de dar fim ao uso da chibata e anistiar os envolvidos na revolta.

A anistia prometida, contudo, não ocorreu. João Cândido foi expulso da Marinha e preso por dois anos na Ilha das Cobras. Mesmo inocentado das acusações, foi banido, sendo perseguido até mesmo ao buscar trabalho na Marinha Mercante.

Paim afirma que Cândido morreu em 1969 sem o devido reconhecimento de suas contribuições, sem patente e na miséria. Em 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 11.756, que concedeu anistia póstuma a João Cândido Felisberto e aos demais participantes da Revolta da Chibata.

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Com informações do Geledés.

50 anos da morte de João Cândido: O Almirante negro, por Fátima Teles


João Cândido, o Almirante Negro. (FOTO/ Reprodução).


No dia 06 de dezembro de 1969 partiu para as esferas mais altas o ex marinheiro João Cândido, que liderou nos primeiros anos do Século XX, a revolta da chibata e por isso mesmo ficou conhecido como o Almirante negro e o porta voz dos Direitos Humanos no Brasil.

Há 106 anos ocorria a Revolta da Chibata. João Cândido, o Almirante Negro, está presente



O Brasil era uma das maiores potências navais do mundo, destacando-se a sua Esquadra Branca formada pelos encouraçados Minas Gerais e São Paulo, pelos cruzadores Rio Grande do Sul e Bahia e por mais 18 navios. O Governo gastara uma fortuna para modernizar sua esquadra, mas o código disciplinar da Marinha era o mesmo do tempo da monarquia, assim como os arbitrários processos de recrutamento. Criminosos e marginais, produtos de uma sociedade que lhes negava maior sorte, eram colocados lado a lado com homens simples do interior para cumprir serviço obrigatório durante 10 a 15 anos! As desobediências ao regulamento eram punidas com chibatadas. Por isso, as revoltas ocorriam antes mesmo do ingresso na corporação.

Publicado originalmente em DNA

O decreto nº 3, de 16 de novembro de 1889, um dia após a Proclamação da República, extinguiu os castigos corporais na Armada, mas em novembro do ano seguinte o marechal Deodoro, contraditoriamente, tornou a legalizá-los: "para as faltas leves prisão e ferro na solitária, a pão e água; faltas leves repetidas, idem por seis dias; faltas graves, 25 chibatadas".

Como os reclamos dos marujos não foram ouvidos, eles passaram a conspirar. Uma primeira advertência foi feita durante a ida de uma divisão da Marinha às comemorações da Independência chilena, em que ocorreram 911 faltas disciplinares, a maioria punida com açoites: "Venho por meio destas linhas pedir para não maltratar a guarnição deste navio, que tanto se esforça por trazê-lo limpo. Aqui ninguém é salteador nem ladrão", dizia um aviso ao comandante de um dos navios, assinado por um marinheiro conhecido como Mão Negra.

Na madrugada de 16 de Novembro a Guanabara estava repleta de navios estrangeiros que aportaram para a posse do marechal Hermes da Fonseca na presidência da República. Ao raiar do dia, toda a tripulação do navio Minas Gerais foi chamada ao convés para assistir aos castigos corporais a que seria submetido o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes. Na noite anterior ele ferira a navalhadas o cabo Valdemar, que o havia denunciado por introduzir duas garrafas de cachaça no navio. Sua pena: 250 chibatadas e não mais 25 como vinha acontecendo.

Junto à tripulação do navio havia também oito carrascos oficiais. Depois de examinado pelo médico de bordo e considerado em perfeitas condições físicas, Marcelino foi amarrado pelas mãos e pés e submetido ao castigo. Durante o castigo, Marcelino desmaiou de dor, mas a surra continuou. Ao fim das 250 chibatadas, suas costas estavam banhadas em sangue, lanhadas de cima para baixo. Desacordado, ele foi desamarrado, embrulhado num lençol e levado aos porões. Lá jogaram iodo em suas costas e o deixaram estrebuchando no chão.

A Campanha Civilista de Rui Barbosa à presidência da República, as revoltas populares ocorridas no Rio de Janeiro na primeira década do século XX e o descontentamento de diversos setores da sociedade com o tipo de República liberal que foi instaurada no país, foram fatores que fizeram parte do contexto no qual se insere a Revolta da Chibata, deixando à mostra o grande descontentamento social presente no Brasil na época anterior a I Grande Guerra. Expondo assim a inserção dos marinheiros na vida social da capital federal.

Tendo que se adicionar ainda a esse painel a falta crônica de mão-de-obra para a Marinha de Guerra, além do alistamento militar feito de maneira brutal, engajando criminosos (muitas vezes capoeiras), separando famílias e engajando homens e adolescentes por vinte anos, tempo que muitos deles não resistiam. Apesar de já existirem as primeiras Casas de Aprendiz de Marinheiros, locais destinados a órfãos e meninos pobres que eram educados para vida como praças da Marinha de Guerra, eram homens mestiços ou negros, em sua maioria, que serviam ao projeto de país e ao projeto civilizatório das massas perigosas, na visão das elites. Todavia, tais homens entrando em contato não somente com o duro labor, mas, também com populações do país inteiro sem esquecer das missões internacionais, possivelmente proporcionaram uma maior compreensão da realidade deles. Tornando cada vez mais latente e insustentável sua situação, a ponto de após a renovação de parte da esquadra de guerra, com a aquisição de encouraçados britânicos, deixou mais claro a falta de qualificação e o arcaísmo das codificações da Marinha de Guerra. Para tanto os marinheiros sublevados filtraram dos discursos políticos existentes algumas idéias para fundamentar suas revindicações como revela uma carta enviada por um marinheiro sublevado para o jornal Correio da Manhã de 25/11/1910:

Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1910 – Ilustrado sr. redator do Correio da Manhã – É doloroso o fato que ora se passa na nossa marinha de guerra, mas, sr. redator, quem os culpados? Justamente os superiores da referida Armada, estes que deviam encarar os seus subordinados como homens servidores da pátria; pelo contrario, eles são tratados como desprezíveis e sujeitos, á simples falta, nos castigos mais rigorosos possíveis. Têm hoje como símbolo do martírio desses infelizes a palmatória, as algemas, e o chicote, e tudo isso, ilustre sr. redator, na marinha que, conforme os plano do sr. ex-ministro dizia civilizar-se. A escravidão terminou-se a 13 de maio de 1888, com a áurea lei da liberdade, e os oficiais da nossa marinha de guerra, conquanto as leis militares tivessem abolido castigos, não ligaram importância às leis militares e à disciplina, castigando os seus subordinados com ódio com que os senhores castigavam os mãos escravos. Sr. redator, é doloroso sim, ver-se a nossa marinha de hoje passar fome e todas as privações, pelo descaso dos comandantes de navios da Armada. Com um pessoal resumido e sofredor, eles querem o serviço feito a tempo e hora, sem encarar o cansaço, isto quando em viagens longas, como se deu nestas vindas das nossas unidades da Europa para aqui.

Os nossos pobres marinheiros e foguistas vieram como verdadeiros escravos, passando fome e sendo constantemente castigados com os ferros, a chibata e o bolo; em um dos últimos navios chegados, o comandante, durante a viagem, em alto mar, mandava amarrar o pobre marinheiro e fazia com este fosse lavar e pintar o costado do navio. Foguistas, estes coitados, faziam 6 horas de quarto e não tinham o direito ao descanso que, pela lei, lhes toca, porque eram logo chamados para outros serviços. O verdadeiro navio negreiro. É necessário, sr. redator, que publiqueis estas mal escritas palavras, afim de que, chegando elas ao conhecimento das autoridades competentes, possam sanar o mal, e o fato igual não mais se reproduza na nossa marinha de guerra. É necessário que os oficiais da Armada compreendam que estamos no século da luz. Abaixo a chibata, as algemas e a palmatória – Um marinheiro.”

O uso do açoite, como visto, continuou sendo aplicado nos marinheiros como medida disciplinar, como no tempo em que existia o pelourinho. Todos os marinheiros, na sua esmagadora maioria negros, continuavam a ser açoitados às vistas dos companheiros, por determinação da oficialidade branca.

Os demais marujos eram obrigados a assistir à cena infamante no convéns das belonaves. Com isto, criaram-se condições de revolta no seio dos marujos. Os seus membros não aceitavam mais passivamente esse tipo de castigo. Chefiados por Francisco Dias, João Cândido e outros tripulantes do Minas Gerais, navio capitânia da esquadra, organizaram-se contra a situação humilhante de que eram vítimas. Nos outros navios a marujada também se organizava: o cabo Gregório conspirava no São Paulo, e no Deodoro havia o cabo André Avelino.

Num golpe rápido, apoderaram-se dos principais navios da Marinha de Guerra brasileira e se aproximaram do Rio de Janeiro. Em seguida mandaram mensagem ao presidente da República e ao ministro da Marinha exigindo a extinção do uso da chibata.

O governo ficou estarrecido. Acharam tratar-se de um golpe político das forças inimigas. O pânico apoderou-se de grande parte da população da cidade. Muitas pessoas fugiram. Somente em um dia correram 12 composições especiais para Petrópolis, levando 3 000 pessoas. Todos os navios amotinados hastearam bandeiras vermelhas. Alguns navios fiéis ao governo ainda tentaram duelar com os revoltosos, mas foram logo silenciados. Com isto os marujos criaram um impasse institucional. De um lado a Marinha, que queria a punição dos amotinados, em conseqüência da morte de alguns oficiais da armada. Do outro lado, o governo e os políticos, que sabiam não ter forças para satisfazer essa exigência. Mesmo porque os marinheiros estavam militarmente muito mais fortes do que a Marinha de Guerra, pois comandavam, praticamente, a armada e tinham os canhões das belonaves apontados para a capital da República.

Depois de muitas reuniões políticas, nas quais entrou, entre outros, Rui Barbosa, que condenou os “abusos com os quais, na gloriosa época do abolicionismo, levantamos a indignação dos nossos compatriotas”, foi aprovado um projeto de anistia para os amotinados. Com isto, os marinheiros desceram as bandeiras vermelhas dos mastros dos seus navios. A revolta havia durado cinco dias e terminava vitoriosa. Desaparecia, assim, o uso da chibata como norma de punição disciplinar na Marinha de Guerra do Brasil.

As forças militares, não-conformadas com a solução política encontrada para a crise, apertaram o cerco contra os marinheiros. João Cândido, sentindo o perigo, ainda tentou reunir o Comitê Geral da revolução, inutilmente. Procuraram Rui Barbosa e Severino Vieira, que defenderam a anistia em favor deles, mas sequer foram recebidos por esses dois políticos. Uniram-se, agora, civis e militares para desafrontar os “brios da Marinha de Guerra” por eles atingidos. Finalmente veio um decreto pelo qual qualquer marinheiro podia ser sumariamente demitido. A anistia fora uma farsa para desarmá-los.

São acusados de conspiradores, espalharam boatos de que haveria uma outra sublevação. Finalmente, afirmaram que a guarnição da ilha das Cobras havia se sublevado. Pretexto para que a repressão se desencadeasse violentamente sobre os marinheiros negros. O presidente Hermes da Fonseca necessitava de um pretexto para decretar o estado de sítio, a fim de sufocar os movimentos democráticos que se organizavam. As oligarquias regionais tinham interesse em um governo forte. Os poucos sublevados daquela ilha propuseram rendição incondicional, o que não foi aceito. Seguiu-se uma verdadeira chacina. A ilha foi bombardeada até ser arrasada. Estava restaurada a honra da Marinha.

João Cândido e os seus companheiros de revolta foram presos incomunicáveis, e o governo e a Marinha resolveram exterminar fisicamente os marinheiros. Embarcaram-nos no navio Satélite rumo ao Amazonas.

Os 66 marujos que se encontravam em uma masmorra do Quartel do Exército e mais 31, que se encontravam no Quartel do 1º Regimento de Infantaria, foram embarcados junto com assassinos, ladrões e marginais para serem descarregados nas selvas amazônicas. Os marinheiros, porém, tinham destino diferente dos demais embarcados. Ao lado dos muitos nomes da lista entregue ao comandante do navio, havia uma cruz vermelha, feita a tinta, o que significava a sua sentença de morte. Esses marinheiros foram sendo parceladamente assassinados: fuzilados sumariamente e jogados ao mar.

João Cândido, embora não tenha participado do novo levante, também é preso e enviado para a prisão subterrânea da Ilha das Cobras, na noite de Natal de 1910, com mais 17 companheiros. Os 18 presos foram jogados em uma cela recém-lavada com água e cal. A cela ficava em um túnel subterrâneo, do qual era separada por um portão de ferro. Fechava-a ainda grossa porta de madeira, dotada de minúsculo respiradouro. O comandante do Batalhão Naval, capitão-de-fragata Marques da Rocha, por razões que ninguém sabe ao certo, levou consigo as chaves da cela e foi passar a noite de Natal no Clube Naval, embora residisse na ilha.

A falta de ventilação, a poeira da cal, o calor, a sede começaram a sufocar os presos, cujos gritos chamaram a atenção da guarda na madrugada de Natal. Por falta das chaves, o carcereiro não podia entrar na cela. Marques da Rocha só chegou à ilha às oito horas da manhã. Ao serem abertos os dois portões da solitária, só dois presos sobreviviam, João Cândido e o soldado naval João Avelino. O Natal dos demais fora paixão e morte.

O médico da Marinha, no entanto, diagnosticou a causa da morte como sendo "insolação". Marques da Rocha foi absolvido em Conselho de Guerra, promovido a capitão-de mar-e-guerra e recebido em jantar pelo presidente da República.

João Cândido continuou na prisão, às voltas com os fantasmas da noite de terror. O jornalista Edmar Morel registrou assim seu depoimento pessoal: "Depois da retirada dos cadáveres, comecei a ouvir gemidos dos meus companheiros mortos, quando não via os infelizes, em agonia, gritando desesperadamente, rolando pelo chão de barro úmido e envoltos em verdadeiras nuvens da cal. A cena dantesca jamais saiu dos meus olhos.

João Cândido enlouqueceu, sendo internado no Hospital dos Alienados.

Ele e os companheiros só seriam absolvidos das acusações em 1912. Tuberculoso e na miséria, conseguiu, contudo, restabelecer-se física e psicologicamente. Perseguido constantemente, morreu como vendedor no Entreposto de Peixes da cidade do Rio de Janeiro, sem patente, sem aposentadoria e até sem nome, este herói que um dia foi chamado, com mérito, de Almirante Negro.


Os que fizeram a Revolta da Chibata morreram ou foram presos, desmoralizados e destruídos. Seu líder, como visto, terminou sem patente militar, sem aposentadoria e semi-ignorado pela História oficial. No entanto, o belíssimo samba "O Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc, composto nos anos 70, imortalizou João Cândido e a Revolta da Chibata. Como diz a música, seu monumento estará para sempre "nas pedras pisadas do cais". A mensagem de coragem e liberdade do "Almirante Negro" e seus companheiros resiste.


Marinha libera documentos de João Cândido (o Almirante Negro), depois de 98 anos


Do PCO

Pela primeira vez a Marinha brasileira torna público documentos sobre o marinheiro de 1ª classe João Cândido Felisberto (1880-1969), o almirante negro que pôs fim aos castigos corporais na Marinha após liderar a Revolta da Chibata, em 1910.

Os documentos históricos vieram à tona somente 98 anos depois devido à iniciativa de uma equipe de historiadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) a serviço do Projeto Memória da Fundação do Banco do Brasil, que iniciou uma pesquisa sobre o líder da revolta.

Coordenado por Marco Morel, a pesquisa levantou uma série de documentos do Arquivo Nacional até então jamais revelados, baseando-se na lei 11.111/05, que permite a liberação de documentos oficiais.

Nem os filhos e nem o próprio João Cândido nunca puderam ter acesso aos papéis. O almirante negro "nunca existiu na Marinha", contestou certa vez ele mesmo.


O documento mais importante é a ficha funcional do marinheiro. Tendo ingressado na Marinha em 10 de dezembro de 1895, João Cândido iniciou sua carreira militar como grumete e chegou a ser promovido a cabo, mas foi rebaixado - duas vezes - algum tempo depois. Ao todo permaneceu na Armada durante 15 anos até ser expulso em 1910 e relegado ao esquecimento. Em todo o tempo de Marinha foi punido nove vezes, variando de dois a quatro dias em uma solitária até o rebaixamento na hierarquia.

Em sua ficha de 24 páginas escritas à mão não há nenhum registro sobre espancamento, fato comum naquela época que durou mais de duas décadas.

Os castigos físicos contra os marinheiros foram extintos pela primeira vez em 1889, mas voltou a entrar em vigor com o Governo Provisório um ano depois.

O estopim para o levante liderado por João Cândido, então com 30 anos de idade, foi a punição do marinheiro Marcelino Rodrigues, condenado a 250 chibatadas. O movimento foi deflagrado no dia 22 de dezembro de 1910.
De acordo com os registros, até três meses antes da revolta João Cândido recebeu o último elogio por bom comportamento.

A revolta que acabou definitivamente com as chibatadas na Marinha causou a expulsão de João Cândido e o seu banimento da quase totalidade dos livros de história.

João Cândido liderou mais de três mil marinheiros que exigiam o fim das chibatadas e chegaram a apontar os canhões dos navios de guerra para São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sede do governo federal.

A revolta terminou com a promessa do presidente da República, Hermes da Fonseca, de acabar com os castigos e anistiar todos os revoltosos, mas isso não aconteceu. Pelo contrário, João Cândido e outros líderes da Revolta foram presos e submetidos às piores condições.

Como vendedor de peixes, morreu na completa pobreza, sem patente nem aposentadoria, no dia 6 de dezembro de 1969, no Rio de Janeiro, sendo perseguido até o fim de seus dias.