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Pandemia de Covid causou uma crise de direitos humanos no Brasil

 

Cena de caminhão com ossos e restos de carne em disputa no Rio de Janeiro é um dos retratos da fome no Brasil (Foto: Domingos Peixoto 28.set.2021/Agência O Globo).

O que há para se comemorar no Dia Internacional dos Direitos Humanos em 2021? Hoje, 10 de dezembro, é a data que remete à oficialização da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU (Organização das Nações Unidas). No Brasil e no mundo, enfrentamos uma crise sanitária, que é também uma crise de direitos humanos, sem precedentes.

Aqui, chegamos a mais da metade da população brasileira com o esquema vacinal completo. Não dá para comemorar: as desigualdades internas ainda são marcantes e poucos estados atingiram patamares de vacinação que dão proteção à população. Mais de 615 mil vidas de brasileiras e brasileiros foram perdidas para a Covid-19. Os que aqui estamos, somos sobreviventes.

Milhões de famintos estão na luta por ossos e lixo; o desemprego atinge recordes; há os que estão doentes nas filas do SUS sem previsão de cuidado; há milhões de crianças e adolescentes privados da escola ou sem condições adequadas para retornar ao estudo presencial; a população indígena, as comunidades quilombolas e as comunidades das águas e das florestas estão sendo atacadas; e ainda falta coragem e compromisso a alguns políticos em dar nome às desgraças —eles tentam se esquivar das suas responsabilidades constitucionais de agir em defesa dos direitos de todas e todos.

Os direitos humanos foram negligenciados no Brasil desde o início da pandemia da Covid-19. E essa triste situação de 2020 permanece —inerte e nefasta— nessa retrospectiva que fazemos de 2021. A Anistia Internacional Brasil denuncia a má gestão da pandemia e as negligências do Estado em relação à garantia de direitos, à redução das desigualdades sociais e à formulação e implementação de políticas públicas efetivas para atender a população, especialmente os grupos sociais sistematicamente vulnerabilizados.

Esta população teve os seus direitos violados em diversas áreas, inevitavelmente conectadas entre si —emprego e renda, educação, acesso a medicamentos e equipamentos de saúde, alimentação, moradia, segurança, entre muitas outras. O Estado continua falhando em seu dever constitucional de zelar pelos direitos econômicos, sociais e culturais e solucionar ou mitigar os efeitos de suas violações, que impactam sobremaneira uma parcela expressiva da população, historicamente marginalizada e discriminada.

Estamos falando de desigualdades que, arraigadas no racismo e em outras iniquidades estruturais, tiveram influência sobre as mortes por Covid-19 e sobre todo tipo de sofrimento que atravessa a vida das pessoas no Brasil atual. Por exemplo, falamos das mulheres negras, que já representavam a maior parcela da população pobre do país antes da crise sanitária, e que, durante a pandemia, foram as mais impactadas —38% delas passaram a viver em situação de pobreza.

Não podemos esquecer do desemprego, da evasão escolar, das condições inadequadas de moradia, da violência policial, e de outras mazelas que afetam desproporcionalmente população negra, moradores e moradoras de favelas e periferias, pessoas em privação de liberdade, incluindo jovens do sistema socioeducativo, pessoas em situação de rua, pessoas com condições inadequadas de moradia, mulheres cis e trans, quilombolas, povos indígenas e outras populações tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras autônomas, população LGBTQIA+, crianças, adolescentes e idosos.

É por essas pessoas, que precisam viver com dignidade e ter de volta seus direitos, que a Anistia Internacional Brasil lança, hoje, o relatório “Covid-19 e direitos humanos no Brasil: caminhos e desafios para uma recuperação justa”. O estudo reúne múltiplos dados alarmantes referentes à violação de direitos humanos no contexto da pandemia.

São informações relacionadas aos direitos ao trabalho, à educação, à moradia, à saúde, à alimentação, à segurança, ao território e a outros temas. Elas foram coletadas de organismos públicos —como o Ministério da Saúde, a Fiocruz, a Secretaria Especial de Saúde Indígena, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada)— e de monitoramentos feito por coalizões e organizações de sociedade civil —como o grupo do Alerta, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) e a Conaq ​(Coordenação de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). O estudo traz, também, conteúdos produzidos por universidades e instituições de desenvolvimento científico e tecnológico. Além, claro, das informações do consórcio dos veículos de imprensa.

Nós, da Anistia Internacional Brasil, apresentamos um conjunto de recomendações para uma recuperação justa, que só será possível quando as medidas para a superação desta crise de saúde pública e seus impactos sobre a população, especialmente sobre os grupos mais vulnerabilizados, privilegiem o cumprimento dos direitos humanos de todas e todos. O Brasil, como Estado-parte de diversos tratados internacionais de direitos humanos, possui obrigações imediatas relacionadas à pandemia e a temas a ela relacionados ou por ela agravados.

São incontáveis os direitos que foram desrespeitados até aqui. Chegamos ao fim de 2021 devastados e devastadas, mas com a força que precisamos ter para identificar os desafios que persistem no nosso horizonte. Com a campanha Omissão Não é Política Pública, ao longo de 2021, a Anistia Internacional Brasil e outras 19 organizações da sociedade civil exigiram responsabilização pelas mortes evitáveis —e ainda aguardamos que as denúncias apresentadas no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 sejam apuradas pelo Ministério Público Federal. Mas precisamos ir além.

É urgente interromper e reparar as incontáveis violações de direitos humanos causadas por ação e inação do Estado brasileiro. O tempo está passando e é urgente que as autoridades entrem em ação e cumpram suas responsabilidades e deveres. Precisamos de justiça e de uma recuperação justa: abrangente, efetiva e urgente.

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Por Jurema Werneck, na Folha de S. Paulo e reproduzido no Geledés.

'Ou ia pra aula ou comia': como insegurança alimentar está prejudicando universitários brasileiros

 

Estudante de fonoaudiologia, Franciele Rodrigues diz que tem dificuldade para comer desde que entrou na universidade, em 2013 — mas situação piorou na pandemia. (FOTO/ Tiago Coelho/ BBC).

Ao sair com sua bicicleta para fazer entregas de comida a serviço de um aplicativo, a universitária Franciele Rodrigues, 29 anos, "reza" para receber algum pagamento em dinheiro — e, com isso, ter ela mesma alguma quantia em mãos para garantir sua alimentação para os próximos dias.

Ela concilia a graduação em fonoaudiologia na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) com bicos de entregadora na capital gaúcha porque, desde que deixou de viver com sua família na periferia de Porto Alegre e se tornou universitária, "o bicho pegou" na tentativa de atender sozinha suas demandas de estudo, moradia e sustento.

Tudo isso se reflete em uma situação que ela conta já durar anos: ela vem comendo pouco e mal, o que já gerou consequências para sua saúde.

"Entrar na faculdade representou deixar de trabalhar e deixar de ter cuidado com minha saúde. Quando saí da casa dos meus pais e entrei na universidade, foi a primeira vez que precisei racionar comida para ter por mais tempo e diminuir a qualidade da minha dieta para ter o que comer no dia seguinte", contou Franciele por telefone à BBC News Brasil, dizendo já ter passado alguns dias sem comer nada nessa trajetória, além de ter tido anemia.

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As informações são da BBC News Brasil. Clique aqui e leia a íntegra do artigo.

É tempo de resistência e solidariedade. Porque a fome dói

 

(FOTO/ Pixabay).

Caminhando pelas ruas da cidade, deparei com uma pessoa segurando um pedaço de papelão escrito: a fome dói. Um recente estudo intitulado Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil apontou que 59,3% dos brasileiros ou 125,6 milhões de pessoas apresentaram algum grau de insegurança alimentar entre os meses de agosto e dezembro de 2020. O que significa dizer que essas pessoas não se alimentaram em quantidade e qualidade ideais, com base em perguntas direcionadas para maiores de idade da Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar) (1). Tratei deste tema em nota técnica da 17ª Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).