Faz
tempo que as campanhas eleitorais são espetáculos dantescos, movidos por
baixarias sem limites. Enquanto o Tribunal Superior Eleitoral fica muitas vezes
cuidando da perfumaria, os dinossauros reinam.
Mas
há algo de novo nesta campanha.
A
começar do fato de que boa parte da perversidade de campanha seguia, antes, o
seguinte roteiro: denúncias na imprensa, primeiro em jornais e revistas, que
depois se propagavam na tevê e no rádio e, finalmente, ganhavam a rua pela ação
dos cabos eleitorais.
Agora,
o roteiro é: denúncias pela imprensa, mas divulgadas primeiro via internet;
propagação pelas redes sociais; repetição pela tevê e pelo rádio e, por último,
sua consolidação pelo colunismo e
editorialismo da imprensa tradicional.
Embora
essa imprensa ainda seja, normalmente, a dona da informação, seu impacto é cada
vez menos medido pela audiência do próprio meio - que anda em declínio em
praticamente todos os veículos tradicionais - e mais pela sua capacidade de
propagação pela internet - blogs, redes sociais e canais de vídeo,
principalmente pelo Youtube. E a versão que se propaga da notícia acaba sendo
tão ou mais importante do que a notícia em si.
Antes,
as pesquisas de opinião calibravam os rumos das campanhas. Nesta eleição, a
internet é quem tende a ditar o ritmo. As pesquisas vão servir para aferir,
tardiamente, o impacto de alguns assuntos que ganharam peso na guerrilha
virtual.
Antes,
o trabalho de amaldiçoar pra valer os adversários políticos era feito pelos
cabos eleitorais que batiam de porta em porta. Agora, os cabos eleitorais que
caçam votos perambulam pelos portais de internet, pelos canais de vídeo e
entram nos endereços dos eleitores pelas redes sociais.
Uma
outra diferença, talvez tão decisiva quanto essa, é que a direita resolveu
aparecer. Antes, o discurso da direita era de que não existia mais esse negócio
de "direita x esquerda".
A
direita, finalmente, saiu do armário e anda mais raivosa do que nunca. Em
parte, a raiva vem do medo de que, talvez, ela tenha perdido o jeito de ganhar
eleições e de influenciar os partidos.
Por
outro lado, a direita imagina que a atual campanha petista está mais vulnerável
que em outras épocas. A raiva é explicada, nesse aspecto, pelo espírito de
"é agora ou nunca".
Os
bombardeios midiáticos raivosos têm assumido feições mais pronunciadamente
ideológicas.
Ao
contrário de outras eleições, os ataques têm não só mentiras, xingamentos e
destemperos verbais de todos os tipos. Têm uma cara de pensamento de direita.
Querem
não apenas desbancar adversários. Querem demarcar um campo.
Não
é só raiva contra um partido. É ódio de classe contra tudo e contra todos os
que se beneficiam (e nem tanto quanto deveriam) de algumas das políticas
governamentais.
É
ódio contra sindicatos de trabalhadores, organizações comunitárias, movimentos
de excluídos (Sem Terra, Sem Teto), grupos em defesa de minorias e de direitos
humanos que priorizam a crítica a privilégios sociais e aos desníveis socioeconômicos
mais profundos.
A
mídia direitista tem desempenhado um papel central. Sua principal missão é
orientar os ataques para que eles tenham consequência política e ideológica no
seio da sociedade brasileira.
Como
sempre, a mídia é diretamente responsável por articular atores dispersos e
colocá-los em evidência, conforme uma pauta predeterminada.
Embora
seja uma característica recorrente, no Brasil, a mídia tradicional comportar-se
como partido de oposição, nos últimos anos ela parece seguir uma nova
estratégia.
Os
barões das grandes corporações midiáticas brasileiras, com a ajuda de seus
ideólogos, perceberam que, para haver uma oposição de direita forte, é preciso
formar uma ampla opinião pública direitista.
Antes
mesmo de cobrar que os partidos se comportem e assumam o viés de direita, é
preciso haver uma base social que os obrigue a agir enquanto tal.
A
mídia tradicional entendeu que os partidos oposicionistas são erráticos em seus
programas e na sua linha política não por falta de conservadorismo de suas
principais lideranças, mas pela ausência de apelo social em sua pregação.
Em
função disso, coisas como o Instituto Millenium se tornaram de grande
importância. O Millenium tem, entre seus mantenedores e parceiros, a Abert
(controlada pelas organizações Globo) e os grupos Abril, RBS e Estadão. O
instituto é também sustentado por outras grandes empresas, como a Gerdau, a
Suzano e o Bank of America.
O
Millenium tenta fazer o amálgama entre mídia, partidos e especialistas
conservadores para gerar um programa direitista consistente, politicamente atraente
e socialmente aderente.
O
colunismo midiático, em todas as suas frentes, é outro espaço feito sob medida
para juntar jornalistas, especialistas e lideranças partidárias dedicadas a
reforçar alguns interesses contrariados por algumas políticas públicas criadas
nos últimos 12 anos.
A
estratégia midiática de reinvenção da direita brasileira representa, no fundo,
uma tentativa desesperada e consciente dessa mesma mídia de reposicionar-se nas
relações de poder, diante da ameaça de novos canais de comunicação e de novos
atores que ganharam grande repercussão na opinião pública.
Com
seu declínio econômico e o fim da aura de fonte primordial da informação, o
veneno em seus anéis tornou-se talvez seu último trunfo no jogo político.
A
análise é de Antonio Lassance e foi publicado originalmente no Carta Maior