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Para historiador, ameaças constantes de golpe são busca de salvo-conduto para escapar de prisão

 

Para pesquisador, presidente mantém padrão 'morde e assopra', mostrando violência como forma de autodefesa. (FOTO/ Marcelo Camargo/Agência Brasil).

Na visão do cientista político e historiador do Direito Christian Lynch, as constantes ameaças de golpe do presidente da República, Jair Bolsonaro, representam mais uma tentativa de sair ileso depois de deixar o poder. “É uma espécie de salvo-conduto que ele vai levar para tentar garantir impunidade”, avalia, em webinar promovida pelo escritório Crivelli de advocacia na noite de ontem (19). Nesse sentido, é como se o chefe do Executivo ameaçasse promover “arruaças” caso tentem prendê-lo.

Na conversa, intermediada pelo advogado Ericsson Crivelli e pelo também cientista político Fabiano Santos, o historiador sustenta que Jair Bolsonaro adotou uma “adaptação bastante servil” da cartilha trumpista, referência ao ex-presidente americano Donald Trump. Assim como o admirado colega era apresentador de programas de auditório, o presidente brasileiro é em certa medida um personagem. Como se fosse um apresentador de programa policial, apologista da ditadura, que entretém uma plateia entediada da rotina política e descrente de instituições.

Escracho e hostilidade

Assim, ele apresenta “um espetáculo permanente de escracho, um show permanente de hostilidade em relação às instituições”. Mas até nisso mostra racionalidade política, observa Lynch, que também é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj).

Ontem mesmo, em rede social Lynch definiu o padrão bolsonarista como “passivo-agressivo, que vende sua violência como autodefesa”. Para ele, o presidente não tem “perfil de verdadeiro golpista, mas de parasita preocupado só com o show do Gado”. Um comportamento padrão de “morde e assopra”: “Sua luta contra o sistema é puro telecatch”. A expressão remete à chamada luta livre com uma dose de encenação.

Sob a perspectiva histórica, que periodicamente desestabiliza a política brasileira, ele aponta a Operação Lava Jato como um “catalisador de destruição institucional”. O estrago, que atingiu Executivo e Legislativo, teria aberto caminho nas eleições de 2018 para alguém que inspirasse “força” ou “espírito autocrático”. Ainda assim, o analista imaginava Bolsonaro como a última dessas opções.

Populismo reacionário

O que ele chama de “populismo reacionário” do atual presidente tem como fonte, por exemplo, a crença em um regime militar como modelo de bom governo, em visão até diferente da direita do período da ditadura. Além da “espetacularização” no poder, da qual Bolsonaro dá demonstrações rotineiras com ameaças de golpe, e o já abordado “trumpismo”. Lynch não faz a crítica ao populismo em si, que pode existir em nível moderado e aceitável no exercício da democracia, sem necessariamente confrontá-la.

Dessa forma, o país tem hoje um governo formado não por critérios de gestão, mais interessado em destruir, em campanha eleitoral permanente. Assim, a “propaganda populista reacionária” é o epicentro do governo. O presidente, diz o pesquisador, não tem um “plano congruente de chegar em algum lugar”, o governo é simplesmente um instrumento para se manter. Como o atual governo não tem o que pôr no lugar das instituições, precisa “tensionar” o tempo todo com ameaças de golpe. Mas, a essa altura, ele aponta a comparação com um parasita: não pode matar o hospedeiro, porque morre junto.

Ao mesmo tempo, a atual coalizão conservadora pode ser encurtada pelo atual “desgoverno”. Como lenha que queima muito rápido, compara o historiador. Há também os desafios impostos pela economia real. “Não tem fake news que consiga substituir arroz e feijão no prato da população”.

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Com informações da RBA.

Brasil: o fundo do poço ou poço sem fundo?


(Foto: Twitter/Reprodução).


Tenho revisto as cenas da sequência do filme Cabaret (1972), dirigido por Bob Fosse, com Liza Minelli e grande elenco, conhecida como "Tomorrow belongs to me" (O amanhã pertence a mim).

Nela dois dos personagens, o inglês Brian Roberts (Michael York) e o aristocrata alemão Maximilian von Huene (Helmut Greim) vão a um "Bier Garten" (bar/café ao ar livre) próximo da casa de campo deste último, na Alemanha.

Ali se desenrola uma cena que começa idílica e se transforma em sinistra. A câmera foco o rosto bonito de um jovem louro, que entoa, com sua voz de tenor, quase de tenorino, uma canção que reúne alguns lugares comuns (expressão que não é necessariamente pejorativa) do romantismo germânico (embora composta por dois norte-americanos, John Kander e Fred Ebb). Ela fala de um veado que corre livre na floresta, do sol que aquece o prado, do bebê que adormece no berço, da tempestade de verão que se aproxima… reunindo tudo sob o refrão-título: "o amanhã pertence a mim", isto é, ao vigor da juventude.

A câmera, descendo lentamente, revela que o jovem veste a camisa parda dos SA nazistas, com a braçadeira expondo a suástica. A canção idílica vai se transformando num hino belicoso, na medida em que quase toda a plateia, de todas as idades, canta com o jovem. Ao fim, os dois amigos se retiram, assustados, e Brian pergunta a Max: "você ainda acha que pode controla-los?", numa referência a crença deste de que os nazistas serviriam para neutralizar a esquerda e depois poderiam ser contidos pelas forças políticas dos conservadores tradicionais.

A cena serve muito bem para encararmos o que se passa no Brasil de hoje. Escrevo estas apressadas linhas às sete da manhã (hora de Brasília), meio dia em Berlim. Não sei qual será a decisão do STF sobre a prisão ou não do ex-presidente Lula. Mas sei que, seja ela qual for (prisão, liberdade, postergação) ela levará os golpistas remanescentes à histeria, seja ela festiva ou enfuriada.

Em primeiro lugar, porque eles já ficaram histéricos, com a decisão anterior do STF, dando uma espécie de "salvo-conduto" a Lula até hoje, 4 de abril. Esta decisão não estava no seu script. Em segundo lugar, porque ela veio se somar a uma série de problemas que eles enfrentam, embora de momento detenham a faca, o queijo e o tabuleiro político nas mãos. E os problemas vão se transformando em impasses.

O governo Temer está nas cordas e na lona. Desmoralizado e desmoralizando o Brasil no mundo inteiro, só tem a oferecer o espetáculo vexaminoso de sua luta pela própria sobrevivência em meio a um mar de denúncias e de fracassos até mesmo em relação ao vergonhoso programa de retrocesso político, social, econômico, cultural e educacional, além de na previdência e na saúde, que vem se esforçando por impor ao país.

Os golpistas estão esfrangalhados, embora ainda os una o empenho em retirar Lula da eleição e as esquerdas da cena política. Seu poder de mobilização das parcelas reacionárias das classes médias arrefeceu, embora continuem as campanhas virulentas na mídia e nos espaços virtuais.

Atesta este impasse o fracasso das manifestações pela prisão de Lula convocadas para ontem (3), em todo o país - até com o auxílio de empresas - que se limitaram a reunir uns poucos gatos pingados de norte a sul, de leste a oeste. Gatos pingados, porém perigosos. O seu jogo está se tornando cada vez mais violento, açulados pela aura de impunidade que os protege.

O que se viu nos últimos dias mostra bem a agitação deflagrada nas suas hostes tanto pelo sucesso das caravanas de Lula e a formação de uma frente (ainda limitada às esquerdas) anti-fascista quanto pela decisão (para eles inesperada) do STF.

O que foram pedradas e chicotadas contra a caravana se transformaram em tiros contra os ônibus, com as autoridades do Paraná fazendo vista-grossa e políticos que querem aparecer como moderados condenando as vítimas pelo incidente.

Pipocaram editoriais na mídia golpista pedindo a prisão do ex-presidente. Pedindo? Ordenando. Multiplicaram-se as vozes dos economistas de vitrine pregando que o esfrangalhamento da economia do país, seu retalho entre multinacionais, o dramático desemprego, a precarização do trabalho que corrói o poder aquisitivo da população, o neo-crescimento da desigualdade, da miséria, do número de pedintes, incluindo crianças, o retorno do Brasil ao mapa da fome, tudo isso junto chama-se "recuperação" e "retorno à normalidade".

Sem falar na redução a pó de traque do prestígio brasileiro na cena internacional, que se mantinha de pé até o golpe de 2016. Para completar o conturbado quadro, vieram à tona declarações inoportunas (para os golpistas oportunas, válidas e inseridas no contexto) de próceres militares sobre combate à impunidade e falando em "missão institucional".

O maior problema enfrentado pelos golpistas é o de que o Brasil não cabe mais (e faz tempo) no tabuleiro de usas ideias anacrônicas, feitas de importações das piores quinquilharias do pensamento neo-liberal e norte-americano.

Portanto, para manter o tabuleiro e a tábua das suas ideias, tudo o que terão a oferecer será a sinistra combinação que se prefigura naquela canção do filme: um conluio de repressão violenta para manter "a ordem" e o suposto progresso, com a impunidade da baderna dos grupos para-militares, da sanha da nova "tigrada" corporativa, agora muitas vezes togada, aliada à propagação mais deslavada de "fake news" na mídia e no campo virtual. Como já mencionei, independentemente do resultado de hoje no STF. Até quando?

O diabo é o que e quanto teremos de pagar para ver. (Por Flávio Aguiar, na RBA)