"Estamos aqui para recontar essa história e resgatar as nossas falas" | Foto: Dindara Paz/Alma Preta Jornalismo. |
No
mês das mulheres, mestras de capoeira da Bahia buscam transformar os debates
dentro da prática histórica que, ao longo do tempo, foi predominantemente
ocupada por homens. Com o avanço das pautas de gênero e a inclusão de
lideranças femininas, a história da capoeira tem sido reestruturada por
mulheres negras que pretendem resgastar a identidade ancestral e também lutam
pela valorização de grupos vulnerabilizados, como a população LGBTQIA+.
Apesar
dos avanços, dados ainda apontam a urgência em discutir estratégias para
combater a desigualdade de gênero na capoeira. No Brasil, estima-se que 35% dos
praticantes de capoeira são mulheres, no entanto, a ocupação do público feminino
na condição de mestra ainda é reduzido quando se considera a capoeira de
angola, tipo mais tradicional.
Quando
se busca pela representatividade das mulheres negras nesta tradição, poucas são
as pesquisas e dados que demonstram a representatividade feminina,
especialmente das lideranças negras, segundo aponta a capoeirista Viviane
Santos, mais conhecida como contramestra Princesa.
Em
busca de romper com o epistemicídio atribuído aos saberes ancestrais da
população negra, mestras tem buscado criar movimentos de resgate identitário
alinhado com a luta das mulheres e a importância do debate da diversidade na
capoeira como forma de denunciar práticas machistas, sexistas e LGBTfóbicas.
"As mulheres não estão na capoeira só agora.
Elas estão há muito tempo. Só que a presença das mulheres foi invisibilizada
pela história. Então, estamos aqui para recontar essa história e resgatar as
nossas falas", diz a contramestra Princesa, capoeirista há quase 30
anos e integrante do Movimento Karapaça e do coletivo Mestras e Contramestras.
A
capoeirista e historiadora Mestra Janja destaca o papel fundamental das
mulheres negras na história da capoeira e aponta a necessidade de reconhecer as
assimetrias de gênero dentro do movimento, a exemplo dos privilégios das
mulheres brancas em detrimento das mulheres negras.
"A partir do momento em que a capoeira se
evidencia como um fenômeno cultural internacional, isso possibilitou que
algumas famílias rompessem seus próprios preconceitos em deixar que suas filhas
entrassem para a capoeira. Com isso, elas vão acabar ocupando muitos espaços
porque, obviamente, tem mais privilégios assegurados do que as mulheres negras,
ou seja, elas têm mais tempo para treinar, tem mais condição para se deslocar,
não precisa inserir a capoeira como uma atividade quádrupla ou de quíntupla
jornada", explica a historiadora.
Mestra Janja, que pratica há 40 anos, atua do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA), também aponta que o reconhecimento dessas pautas tem ampliado o debate feminista dentro da capoeira.
"Esse espaço é desigual e evidencia muito as
assimetrias intragênero e isso vem sendo provocado por muitas de nós como um
dos maiores focos das nossas atenções", completa Mestra Janja.
'Respeita as Mina na Capoeira'
Por
meio de oficinas e rodas de conversa, mestras, contramestras e capoeiristas da
Bahia e do Brasil lançaram a campanha 'Respeita as Mina na Capoeira', como
forma de realizar atividades e alertas contra práticas machistas, sexistas e
LGBTfóbicas dentro do movimento.
Dentre
as discussões, representantes e mestras veem a importância de colocar as
mulheres negras como protagonistas na história da capoeira, tidas como
fundamentais para o mantimento da prática.
"É um movimento de colocar essas mulheres à
frente, reconhecendo seus papéis, seus saberes, e o que elas trazem enquanto
desafios para a história recente da capoeira, entre elas a violência no
interior da capoeira", diz Mestra Janja.
O
lançamento da campanha fez parte do 1º Festival de Capoeira: Ancestralidade e
Resistência, idealizado pelo Capoeira em Movimento Bahia, que teve como
objetivo o fortalecimento da capoeira em suas diversas expressões e vertentes,
dando visibilidade à prática e reconhecendo o papel de homens e mulheres que
fazem parte da história do movimento, considerado patrimônio cultural
brasileiro.
Para
a contramestra Princesa, a expectativa é que a campanha possa servir de
instrumento para o fortalecimento das lutas interseccionais que também
perpassam pelo movimento.
"A gente está na expectativa que isso aqui
gere outras ações, que ligue um alerta para a galera que ainda não entendeu que
precisam se engajar. A capoeira são lutas diversas, porque a gente é
resistência também", afirma a contramestra.
Mestra
Janja também aponta quais os caminhos que ainda precisam ser feitos para que a
capoeira possa ser uma aliada no combate às opressões contra as mulheres,
sobretudo as mulheres negras.
"A capoeira não perde nada quando as mulheres
assumem lugares de liderança e de poder, que, ao contrário, elas são
extremamente responsáveis por todo esse processo de internacionalização da
capoeira e o que a gente quer é falar por nós", finaliza.
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Com informações da Alma Preta.