(FOTO | Reprodução / Pixabay). |
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A empreendedora Andreia Barbosa, de 49 anos, percebia que a palavra “negra” tinha conotação negativa durante sua adolescência. Era quase uma desvantagem. Por isso, ela se dizia “moreninha”. Com a advogada Karina Barbosa, de 25 anos, eram os amigos que diziam que ela era morena. Para não realçar seus traços negros, a analista de diversidade e inclusão Karina Reis, de 32 anos, fugia do sol para não escurecer a pele – até as maquiagens eram mais “clarinhas” – até assumir sua identidade racial aos 25 anos.
Essas trajetórias de pessoas negras ajudam a entender a alienação racial, processo social e psicológico de desconexão das pessoas com a própria raça. Pretos e pretas não se reconhecem como tal, consciente ou inconscientemente, para evitar preconceitos e discriminação racial. É uma maneira de tentar se adequar a um padrão social para não sofrer, o que gera outros danos emocionais que nem sempre são identificados e tratados.
Os sofrimentos da população preta motivaram as pesquisadoras Bárbara Borges e Francinai Gomes, que estudam a saúde mental de pessoas negras na Universidade Federal da Bahia, a escrever o livro Saber de Mim. “A população negra é tão atravessada pelas questões do cotidiano, como o racismo, a pobreza e a violência, que sobra pouco espaço para olhar para nós mesmos”, diz Francinai.
O autoconhecimento possui uma clara dimensão estética, ligada à maneira como a pessoa se vê no espelho. Quando começou a ascender em um grande banco privado, Andreia ouvia que aquele não era “cabelo de gerente”, nos dias em que usava a textura natural e crespa. Karina Reis alisava os cabelos. Isso não afeta só as mulheres. Homens raspam o cabelo, total ou parcialmente.
O cabeleireiro e ativista negro Juninho Loes, criador do movimento “Nunca Foi Só Cabelo”, afirma que o resgate do crespo significa empoderamento, descontrução dos padrões estéticos e autoaceitação. “A transição capilar é dura, mas libertadora. Ela reconstitui o lugar de pertencimento. A pessoa não precisa mais ser outra para ser alguém”, afirma. Francinai concorda. “Para muitas pessoas, assumir o cabelo natural é o início do processo de se tornar negra”.
Embora as pessoas nasçam negras, essa condição é efetivada ao longo da vida. É um sentimento que vai ser determinante para desenvolver a identidade racial ou se afastar das questões raciais para minimizar a dor que o racismo causa. Já foi bastante comum que negros se afastassem de situações étnico-raciais. Hoje é diferente. “Assumir a identidade permite entender melhor nossos problemas e reivindicar nossos direitos”, diz Karina.
Bárbara explica que a alienação racial tem relação direta com o mito da democracia racial no País, a crença de que a miscigenação trouxe a união, a mistura e a igualdade para as três raças, sem os conflitos e questões latentes que permanecem ainda hoje.
O processo afeta, portanto, negros, brancos e indígenas, mas de maneiras distintas. Enquanto os negros se desconectam; os brancos reafirmam sua identidade. Por isso, na visão da autora, “eles se escolhem” no mercado corporativo, nas relações profissionais e até nos relacionamentos amorosos.
As escritoras baianas, criadoras dos projetos Pra Preto Ler e Pra Preto Psi, plataformas nas redes sociais que estimulam o autoconhecimento da população negra, também discutem outros sofrimentos psicoemocionais. Um deles é o de pretos e pretas que ocupam espaços majoritariamente brancos. É o “negro único”, aquele que ascende, mas perde as referências com os seus pares. A situação gera mal-estar social, desamparo e frustração.
“Essas vivências de exclusão e violência são raciais, mas não são nomeadas. Isso vai impedir a compreensão, o que aprofunda o sofrimento”, afirma Bárbara.
Uma das respostas para esses problemas é o autoconhecimento. Aqui, elas defendem uma clínica psicológica multirracializada, ou seja, o preparo dos profissionais de psicoterapia para compreender a importância da raça dentro do consultório.
A clínica racializada é necessária para atender qualquer sujeito, de qualquer raça, não é só sobre negros procurando psicoterapeutas iguais. “A academia não pode mais transmitir aos futuros profissionais que ‘sofrimento não escolhe raça’ ou que “inconsciente não tem cor”, diz trecho do livro.
Outra estratégia importante para os pretos é o fortalecimento do senso de comunidade. Aqui, as autoras defendem que os negros devem sim continuar ocupando os espaços reservados aos brancos, rompendo o legado colonial brasileiro e contribuindo com uma representatividade crescente. Por outro lado, é fundamental se manter conectado às suas comunidades.
Negro é diferente de moreno
A filósofa Djamila Ribeiro escreve em seu “Pequeno Manual Antirracista”: “Não tenha medo das palavras ‘branco’, ‘negro’ e ‘racista’”. Se um homem é negro, você pode se referir a ele desta forma. Claro, de maneira respeitosa. Dizer que um negro é moreno é um erro, pois descaracteriza sua identidade racial. “Quando uma pessoa branca se refere a um negro como moreno, pode ser por interesse para que se mantenham as relações do mundo colonial ou por falta de informação”, diz Franciani.
Cuidado com a forma de se comunicar
As pessoas usam a palavra “negão” com naturalidade, mas pode ter conotação pejorativa – da mesma forma que “alemão” para loiros. Muitas vezes, nós reproduzimos termos racistas ou que reforçam estereótipos. Evite expressões como “a coisa está preta”, “cabelo ruim”, “lista negra”.
Pergunte para você mesmo: o que tenho feito na luta antirracista?
O que você faz ao ouvir uma piada racista? Entender a importância do que você faz, questionar e duvidar do que parece natural são atitudes importantes para evitar a reprodução do racismo. “O antirracismo não é estático. É ação e movimento”, diz a escritora Barbara Borges.
Você tem amigos pretos?
Você tem amigos e amigas pretas na faculdade, no trabalho ou no condomínio? Das blogueiras que você segue, quantas são parecidas com você? Dos casais que você admira, em quantos as trocas amorosas têm pessoas negras? Se for possível, converse com eles sobre as diferenças na forma em que brancos e pretos são tratados. Isso vale também para seus filhos e os amigos dele. A tentativa é de se colocar no lugar do outro e procurar ouvi-lo.
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Com informações do Instituto Búzios.
Sueli Carneiro. (FOTO | Reprodução). |
Vários
veículos de imprensa publicaram com destaque fotos dos candidatos selecionados
que vão concorrer às vagas para negros da Universidade de Brasília (UnB).
Veículos que vêm se posicionando contra essa política percebem, no largo
espectro cromático desses alunos, mais uma oportunidade para desqualificar o
critério racial que a orienta.
Uma
das características do racismo é a maneira pela qual ele aprisiona o outro em
imagens fixas e estereotipadas, enquanto reserva para os racialmente
hegemônicos o privilégio de serem representados em sua diversidade. Assim, para
os publicitários, por exemplo, basta enfiar um negro no meio de uma multidão de
brancos em um comercial para assegurar suposto respeito e valorização da
diversidade étnica e racial e livrar-se de possíveis acusações de exclusão
racial das minorias. Um negro ou japonês solitários em uma propaganda povoada
de brancos representam o conjunto de suas coletividades. Afinal, negro e japonês
são todos iguais, não é?
Brancos
não. São individualidades, são múltiplos, complexos e assim devem ser
representados. Isso é demarcado também no nível fenotípico em que é valorizada
a diversidade da branquitude: morenos de cabelos castanhos ou pretos, loiros,
ruivos, são diferentes matizes da branquitude que estão perfeitamente incluídos
no interior da racialidade branca, mesmo quando apresentam alto grau de
morenice, como ocorre com alguns descendentes de espanhóis, italianos ou
portugueses que, nem por isso, deixam de ser considerados ou de se sentirem
brancos. A branquitude é, portanto, diversa e multicromática. No entanto, a
negritude padece de toda sorte de indagações.
Insisto
em contar a forma pela qual foi assegurada, no registro de nascimento de minha
filha Luanda, a sua identidade negra. O pai, branco, vai ao cartório, o
escrivão preenche o registro e, no campo destinado à cor, escreve: branca. O
pai diz ao escrivão que a cor está errada, porque a mãe da criança é negra. O
escrivão, resistente, corrige o erro e planta a nova cor: parda. O pai
novamente reage e diz que sua filha não é parda. O escrivão irritado pergunta,
“Então qual a cor de sua filha”. O pai responde, “Negra”. O escrivão retruca,
“Mas ela não puxou nem um pouquinho ao senhor? É assim que se vão clareando as
pessoas no Brasil e o Brasil. Esse pai, brasileiro naturalizado e de fenótipo
ariano, não tem, como branco que de fato é, as dúvidas metafísicas que
assombram a racialidade no Brasil, um país percebido por ele e pela maioria de
estrangeiros brancos como de maioria negra. Não fosse a providência e
insistência paterna, minha filha pagaria eternamente o mico de, com sua vasta
carapinha, ter o registro de branca, como ocorre com filhos de um famoso
jogador de futebol negro.
Porém,
independentemente da miscigenação de primeiro grau decorrente de casamentos
inter-raciais, as famílias negras apresentam grande variedade cromática em seu
interior, herança de miscigenações passadas que têm sido historicamente
utilizadas para enfraquecer a identidade racial dos negros. Faz-se isso pelo
deslocamento da negritude, que oferece aos negros de pele clara as múltiplas
classificações de cor que por aqui circulam e que, neste momento, prestam-se à
desqualificação da política de cotas.
Segundo
essa lógica, devemos instituir divisões raciais no interior da maioria das
famílias negras com todas as implicações conflituosas que decorrem dessa
partição do pertencimento racial. Assim teríamos, por exemplo, em uma situação
esdrúxula, a família Pitanga, em que Camila Pitanga (negra de pele clara como
sua mãe), e Rocco Pitanga (um dos atores da novela “Da cor do pecado”), embora
irmãos e filhos dos mesmos pais seriam, ela e a mãe brancas, e ele e o pai
negros. Não é gratuito, pois, que a consciência racial da família Pitanga
sempre fez com que Camila recusasse as constantes tentativas de expropriá-la de
sua identidade racial e familiar negra.
De
igual maneira, importantes lideranças do Movimento Negro Brasileiro, negros de
pele clara, através do franco engajamento na questão racial, vêm demarcando a
resistência que historicamente tem sido empreendida por parcela desse segmento
de nossa gente aos acenos de traição à negritude, que são sempre oferecidos aos
mais claros.
Há
quase duas décadas, parcela significativa de jovens negros inseridos no
Movimento Hip Hop politicamente cunhou para si a autodefinição de pretos e o
slogan PPP (Poder para o Povo Preto) em oposição a essas classificações
cromáticas que instituem diferenças no interior da negritude, sendo esses
jovens, em sua maioria, negros de pele clara como um dos seus principais ídolos
e líderes, Mano Brown, dos Racionais MCs. O que esses jovens sabem pela
experiência cotidiana é que o policial nunca se engana, sejam eles mais claros
ou escuros.
No
entanto, as redefinições da identidade racial, que vêm sendo empreendidas pelo
avanço da consciência negra e que já são perceptíveis em levantamentos
estatísticos, tendem a ser atribuídas apenas a um suposto ou real oportunismo
promovido pelas políticas de cotas, fenômeno recente que não explica a totalidade
do processo em curso.
A
fuga da negritude tem sido a medida da consciência de sua rejeição social e o
desembarque dela sempre foi incentivado e visto com bons olhos pelo conjunto da
sociedade. Cada negro claro ou escuro que celebra sua mestiçagem ou suposta
morenidade contra a sua identidade negra tem aceitação garantida. O mesmo
ocorre com aquele que afirma que o problema é somente de classe e não de raça.
Esses são os discursos politicamente corretos de nossa sociedade. São os
discursos que o branco brasileiro nos ensinou, gosta de ouvir e que o negro que
tem juízo obedece e repete. Mas as coisas estão mudando…
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Texto de Sueli Carneiro, originalmente no Jornal Correio Braziliense.
Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, concede entrevista exclusiva à Agência Brasil - José Cruz/Agência Brasil. |
A
criação de um banco de currículos para profissionais negros e a indicação de
alguns desses nomes para trabalhar no governo federal tem uma motivação pessoal
para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
“Podemos mostrar para o país inteiro o quanto
as pessoas negras têm se preparado e são preparadas para adentrar em espaços
que historicamente nos negam e dizem que não devemos entrar ou não nos pertence”,
destaca.
Jornalista
de formação, ela conta que já foi excluída de algumas vagas por ser negra.
“Essa iniciativa é importante para mim,
principalmente por ser jornalista, por ter estado do outro lado e terem me
negado a possibilidade de ser âncora [apresentadora de TV], trabalhar como
jornalista, por dizerem que eu não tinha rosto [adequado] para aquilo”,
afirma a ministra em entrevista exclusiva à Agência Brasil.
Despachando
na Esplanada dos Ministérios desde o início de janeiro, Anielle tem trabalhado
para conscientizar a sociedade sobre a importância de uma educação
antirracista. Fruto da política de cotas no ensino superior, ela adiantou,
durante a entrevista, a criação de um grupo de trabalho junto com o Ministério
da Educação (MEC) para pensar em mudanças no material didático. “As crianças negras não se encontram no livro
didático, ele não tem representatividade.”
A
falta de orçamento para construção de políticas públicas de igualdade racial,
uma das consequências do abandono da temática pelo governo anterior, é outro
tema que preocupa a ministra.
“CHEGAMOS A TER UM ORÇAMENTO DE R$ 77 MILHÕES E AGORA A SECRETARIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL [SEPPIR] VAI VIRAR UM MINISTÉRIO COM ORÇAMENTO PREVISTO [AO FINAL DA GESTÃO DE JAIR BOLSONARO] DE R$ 4 MILHÕES”, DESTACA.
“Se conseguirmos atingir 50% do orçamento que
tínhamos em 2003, já estaremos dando passos importantes”, afirma Anielle.
A
violência contra a população negra também é uma das principais frentes de
trabalho da ministra, que teve sua irmã, a vereadora Marielle Franco,
brutalmente assassinada. Até hoje, o caso permanece sem punição e sem
informação sobre os mandantes do crime.
Mãe
de duas meninas, Anielle Franco é uma das fundadoras e ex-diretora-executiva do
Instituto Marielle Franco. Nascida na comunidade da Maré, na zona norte do Rio,
a ministra é formada em Inglês pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), em jornalismo pela Universidade Central da Carolina do Norte, nos
Estados Unidos, e é mestre em Relações Étnico-Raciais pelo Cefet/RJ.
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Com informações do Geledés.
A UP é a legenda que lidera na proporção de candidaturas negras e femininas. (FOTO |Divulgação | UP). |
Cristina Junqueira, cofundadora do Nubakn. (FOTO/ Reprodução). |
Em entrevista ao programa Roda Viva, na segunda-feira (19), a cofundadora do Nubank, Cristina Junqueira, afirmou que tem dificuldade de encontrar candidatos negros adequados para as exigências das vagas na empresa. Ela disse ainda que investe em programas de formação gratuitos, mas que não pode “nivelar por baixo”.
Apesar de corresponderem a maioria da população, negros ainda são minorias na graduação e principalmente na pós. (Foto: TVT/Reprodução). |
Assista a íntegra do programa Roda Viva com o professor Luiz Claudio Costa no vídeo abaixo |