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Movimento Negro Unificado: 45 anos não são 45 dias

 

Imagem mostra protesto do Movimento Negro Unificado na época de sua fundação.. (FOTO |  Reprodução / Alma Preta).

No dia 18 de junho o Movimento Negro Unificado (MNU) completou 45 anos de uma história de luta contra o racismo, de pioneirismo no enfrentamento a discriminação racial e todas as formas de opressão.

Ao longo dessas mais de quatro décadas, o MNU foi pioneiro na discussão do feminismo negro. Lélia Gonzalez, Neuza Maria Pereira, Vera Mara Teixeira e depois Luiza de Bairros, Angela Gomes e tantas outras colocaram em discussão as especificidades da vida das mulheres negras elaborando sobre a tríplice exploração que sofriam como trabalhadora, mulher e negra. Num tempo que a voz do feminismo era completamente branca.

Ainda no começo da caminhada as lideranças paulistas do Movimento Negro Unificado se juntaram aos componentes do Jornal Lampião e ao Grupo Somos para numa passeata enfrentar o caráter homofóbico e racista das incursões policiais sob o comando do delegado Wilson Richetti na boca do lixo, zona boemia de São Paulo à época.

O MNU também deu origem a várias outras organizações negras nos anos 1980, levou a discussão racial para os partidos de esquerda, lutou pela criação nos diferentes governos estaduais e municipais pela criação das secretarias de combate ao racismo e promoção deaigualdade racial. Levou aos sindicatos pelo Brasil afora, como petroleiros na Bahia e no Rio de Janeiro, metroviários em São Paulo e no Rio de Janeiro, professores em várias regiões do Brasil e outras, a discussão racial.

O MNU, ainda em 1978, soltou um manifesto, no dia 4 de novembro, propondo que o 20 de novembro, que até então era comemorado desde 1971 no Rio Grande do Sul, pelo grupo Palmares, por sugestão do poeta Oliveira Silveira como um dia em memória de Zumbi, se transformasse no Dia Nacional da Consciência Negra. O que só vai virar lei em 2003 com a Lei 10639/03, que também colocou na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) a obrigatoriedade do ensino da História da África e dos afro brasileiros, que também era uma luta do Movimento Negro Unificado desde sua fundação.

No Movimento Negro Unificado nasceu a discussão da necessidade da conjugação das lutas raciais, as lutas da classe trabalhadora, surgiu também a discussão da necessidade de estudo sobre os territórios negros. E também nos idos dos anos 1990 num congresso em Salvador, na Bahia, surgiram discussões sobre o racismo como estruturante do capitalismo.

Foi no MNU também que apareceu, com a enfermeira Margarida Barbosa em Campinas (SP), as primeiras discussões sobre anemia falciforme e as particularidades da saúde da população negra, afetada pelo racismo e as condições de vida delegadas a esta população.

Mas na sua história o MNU não se restringiu só as lutas do negro brasileiro e capitaneou no Brasil as lutas contra o apartheid na África do Sul, a solidariedade ao povo Palestino e pela libertação de Mumia Abu Jamal, ex-liderança dos Panteras Negras e preso político nos EUA.

Esteve na luta pelo ressurgimento do movimento sindical e estudantil brasileiro no pós-ditadura. Lutou e luta contra o encarceramento em massa, contra a tortura e não se furtou e não se furta a nenhuma das lutas necessárias à busca de um Brasil e um mundo menos desigual e mais justo.

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*Texto de Regina Lúcia dos Santos, originalmente no Terra. Regina é coordenadora estadual do Movimento Negro Unificado, em São Paulo.

Afro Memória: 40 anos da candidatura de Milton Barbosa, a primeira do MNU.

Movimentos negro e indígena defendem demarcação de terras e luta contra o racismo na COP-27

 

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas e a Coalizão Negra por Direitos estão na COP-27 (Foto: Reprodução).

A Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27), iniciada neste domingo (6) no Egito, vai contar com a participação de diversos militantes brasileiros. Entre eles estão delegações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Coalizão Negra por Direitos e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).

A COP também contará com a presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que aceitou os convites de governadores da Amazônia Legal e da presidência egípcia para participar do evento.

A Apib tem como pauta central a demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. A associação afirma que as TIs “são as áreas com maior biodiversidade e com vegetação mais preservadas, visto que são territórios protegidos e manejados pelos povos originários”.

Se a gente fala de justiça climática, a gente não pode esquecer dos povos indígenas e da justiça social. Nós, povos indígenas, temos responsabilidade nessa proteção”, afirma Wal Munduruku, umas das participantes da cúpula.

Para ela, a presença de Lula no evento é uma oportunidade. “A gente precisa fazer urgentemente com que ele [Lula] assuma esse compromisso de demarcação de terras e de não liberação de mineração em territórios indígenas”, defende.

A importância da manutenção dos territórios já existentes e da demarcação de novas terras indídenas pode ser demonstrada com dados. Um cruzamento de informações realizado pela APIB em 2022, em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental do Amazonas (Ipam), com dados do MapBiomas, aponta que no Brasil 29% do território ao redor das TIs está desmatado, enquanto dentro das mesmas o desmatamento é de apenas 2%.

Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB, vai participar do painel “Transição governamental e política socioambiental brasileira” no dia 9 de novembro.

Movimento negro

A comitiva da Coalizão Negra por Direitos leva à COP-27 a denúncia sobre o racismo ambiental que existe no Brasil. Entre os principais pontos da pauta do grupo estão a redução das desigualdades para que o país alcance a justiça ambiental, implantação de metas ambientais que levem em conta as ameaças à população negra, a valorização dos territórios quilombolas e a escuta das pautas do Sul Global.

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Com informações do Geledés.

O projeto de país do movimento negro na constituinte

 

(FOTO/ Reprodução/ Instituto Búzios).

Você sabia que a Constituição Federal do Brasil completou 33 anos no último 5 de outubro? A Constituição é o documento mais importante do Brasil, considerada a lei máxima e obrigatória entre todos os cidadãos, serve como garantia dos seus direitos e deveres.

Muitas vezes nomeada como Constituição Cidadã, a carta magna de 1988 foi um dos primeiros processos em que a sociedade brasileira realmente participou. Isso se deu logo após a redemocratização e fim da Ditadura Civil-Militar no país.

Para os movimentos progressistas do período, não existia a menor condição de transitar para uma nova sociedade com um documento dos tempos ditatoriais. Esta é a primeira constituição do Brasil a reconhecer o racismo como crime, por exemplo.

Antes dela, as leis eram criadas sem ouvir a população. O processo constituinte que levou até a promulgação da Constituição de 1988 contou com uma participação massiva das pessoas. Durante 583 dias, pelo menos 10 mil pessoas passaram diariamente pelo parlamento. Estima-se que 9 milhões passaram pelo Congresso Nacional, sem contar as caravanas, cartas e demais sugestões que foram enviadas.

Para entender melhor a história da Constituição pelo olhar dos militantes negros e quão importante foi essa participação para a garantia de direitos básicos, o Nós, mulheres da periferia ouviu a pesquisadora Natália Neris, mestra em Direito pela FGV e doutoranda em Direitos Humanos. Em 2018, Natalia lançou o livro “A voz e a palavra do movimento negro na Constituinte de 1988”, pela editora Letramento.

Segundo a pesquisadora, é nítido que os militantes negros tinham um projeto de país mais democrático para todos e todas. “Fico pensando que havia um projeto de país desse movimento de um jeito muito profundo, e que foi pensado e idealizado por homens e mulheres negros nesses movimentos de base mesmo”.

Para Natália Neris, se a tarefa daquela geração foi desmontar a ideia de uma democracia racial, a atual geração tem como papel honrar a memória de quem lutou para ter os direitos garantidos. “A gente consegue ver com clareza que a tarefa da geração anterior à nossa era desmantelar o ideário de democracia racial, e falar claramente sobre desigualdades raciais”.

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Com informações do Instituto Búzios. Confira a entrevista na íntegra aqui.

Douglas Belchior se filia ao PT, que se compromete em fortalecer candidatos do movimento negro

 

Douglas Belchior disputará uma cadeira na Cãmara dos Deputados em 2022. (FOTO/Elineudo Meira).

O Teatro Oficina, um dos mais tradicionais pontos culturais de São Paulo (SP), foi palco de uma importante movimentação na política brasileira, na noite da última segunda-feira (6). O ato de filiação do educador Douglas Belchior ao Partido dos Trabalhadores (PT), que significou uma reaproximação do partido com o movimento negro.

No palco, a presidenta do PT, Gleisi Hoffman, e o ex-prefeito da capital paulista Fernando Haddad, postulante do partido ao governo de São Paulo em 2022, ouviram por duas horas algumas das principais lideranças do movimento negro. No final, Blechior falou sobre a filiação.

O que está acontecendo aqui não é a minha filiação ao PT, é um convite do movimento negro ao PT para que ele corresponda às expectativas da maior parte da população brasileira. Nós estamos fazendo esse convite para vocês”, afirmou o educador, que prevê, para 2022, a eleição de uma bancada do movimento negro.

Por fim, Belchior, que foi filiado ao PT entre 1997 e 2005, deixou um recado aos partido. “Se eu estiver em alguma enrascada, eu estarei no maior partido da América Latina, mas será aqui que serei dirigido. Antes de ser um petista, porque volto a ser um petista de carteirinha e estrelinha, o meu partido é o movimento negro.”

Douglas Belchior chega ao PT após uma série de reuniões com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Haddad e outras lideranças do partido. As negociações para a filiação duraram seis meses. Em 2022, o educador disputará uma vaga na Câmara dos Deputados em Brasília. Antes, ele concorreu às eleições de 2014 (deputado federal), 2016 (vereador em São Paulo) e 2018 (deputado federal). Todas, pelo PSOL.

No evento, Hoffmann saudou a chegada do líder do movimento negro ao partido. “É uma alegria você estar retornando ao Partido dos Trabalhadores”, começou a presidenta do PT. “O Brasil é um país que tem uma dívida imensurável com esse povo. A luta de classe só tem sentido no Brasil se for antirracista, se ela for estruturante do debate. A maioria do povo é preto, pobre e mulher. É um desafio, incorporar essa luta no dia a dia do partido.”

Haddad se comprometeu com o novo filiado. “A massa crítica está crescendo, é um bolo fermentando. Agora, você vai liderar, porque você estará no parlamento, estará nos nossos governos, você terá poder e vai liderar, de dentro, um processo de transformação para passos mais ambiciosos.”

“A tua eleição tem um significado muito importante para nós. Nós temos que assumir um compromisso de público, viemos para cá, eu e Gleisi. Isso será traduzido em políticas públicas e em caminhos para nossos irmãos, pretos e brancos, e enxergar representatividade”, finalizou Haddad.

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Com informações do Brasil de Fato.

O movimento negro brasileiro e a circulação de referenciais para a luta antirracista

 

(FOTO/ Reprodução).

Ainda é muito comum no Brasil, em diversos meios de comunicação e até mesmo na universidade, a afirmação de que o movimento negro brasileiro na contemporaneidade seria uma cópia, em menores proporções, do movimento negro pelos direitos civis dos Estados Unidos, que mobilizou a atenção de populações negras mundo afora nas décadas de 1950 e 1960. Não há dúvidas de que o que hoje chamamos de “movimento negro contemporâneo”, constituído no Brasil a partir da década de 1970, recebeu, interpretou e utilizou informações, ideias e referenciais produzidos na diáspora africana de uma maneira geral, especialmente nas lutas pelos direitos civis em território estadunidense e nas lutas por libertação nos países africanos na segunda metade do século XX, sobretudo aqueles sob o regime colonial de Portugal.

Entretanto, esse adensamento político que contribuiu e ainda contribui para a luta antirracista no mundo nunca foi uma “via de mão-única”. Pelo contrário, podemos verificar nitidamente até os dias de hoje a circulação de repertórios críticos e pessoas pelo “Atlântico negro”. Aliás, não podemos esquecer que o racismo, um elemento estruturante das desigualdades com as quais convivemos historicamente no Brasil, é uma das faces da “modernidade” que se consolida em meio ao imperialismo europeu no século XIX. Esse racismo não respeita limites territoriais. Da mesma forma, a luta antirracista precisa ser entendida a partir de uma perspectiva transnacional, que deve contemplar as diferentes contribuições produzidas na luta política em diferentes contextos nacionais. O que pouca gente sabe é que o movimento negro brasileiro, especialmente durante a década de 1930, também contribuiu consideravelmente para a circulação de referenciais para a luta antirracista, servindo inclusive como fonte de inspiração para a dinâmica de transformações nas lutas das populações negras na diáspora africana.

Ainda durante o início do século XX, já era possível notar a importância da circulação de ideias e perspectivas de construção das lutas por melhores condições de vida para as populações negras em perspectiva global. A dinâmica das transformações, tanto nas formulações políticas quanto nas estratégias adotadas nas diferentes lutas por emancipação das populações negras, é sempre muito complexa. A partir dos anos de 1920 e 1930, a circulação de informações na diáspora negra se ampliou muito. Podemos objetivamente verificar essa circulação na imprensa negra do Brasil e dos Estados Unidos na primeira metade do século XX, onde ocorreram até mesmo intercâmbios entre jornais dos dois países.

O mais importante jornal da imprensa negra nos EUA, o Chicago Defender, fundado em 1905 na cidade de Chicago, estabeleceu um intercâmbio com O Clarim d’Alvorada, um dos mais importantes jornais da imprensa negra brasileira, que circulou entre as décadas de 1920 e 1930, em São Paulo. O Clarim d’Alvorada publicava informações sobre a comunidade negra nos EUA em uma coluna criada especificamente para esse fim, chamada de O mundo negro – que inclusive acabou sendo escolhida para dar o título de meu livro. Da mesma forma, o Chicago Defender publicava informações sobre as lutas da população negra no Brasil. Pesquisando nos arquivos do Chicago Defender encontrei 114 matérias, entre 1914 e 1978, não somente comparando as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos, mas também exaltando as formas pelas quais os brasileiros tratavam a questão racial, principalmente na década de 1930.

Clarim d’Alvorada, 14 de julho de 1929. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Aqui preciso falar um pouco sobre a importância da imprensa negra nos EUA da primeira metade do século XX. Segundo o historiador James Meriwhether, a imprensa negra norte-americana chegou ao “seu auge de poder e influência” durante as décadas de 1930 e 1940. Já Gunnar Myrdal afirmava em 1944, em seu livro An American Dilemma, que esses jornais passavam de família para família e poderiam ser encontrados em barbearias, igrejas, lojas. Seus conteúdos eram transmitidos pelo “boca a boca” entre aqueles que não podiam ler. Para Myrdal, “a importância da imprensa negra para a formação de opinião entre os negros, para o funcionamento de todas as outras instituições negras, para as lideranças negras e para as ações geralmente conjuntas é enorme”. Já W.E.B. Du Bois (1868-1963), primeiro negro a receber o título de doutor (Ph.D. em História) na Universidade Harvard, em 1895, e uma das principais lideranças negras norte-americanas no início do século XX, em matéria publicada no dia 20 de fevereiro de 1943 no Chicago Defender dizia que “houve um tempo, mesmo antes da Reconstrução” (1865-1877), em que “só um negro aqui e outro lá lia um jornal da imprensa negra, e mesmo assim pedia desculpas por isso”. E terminava dizendo: “Hoje provavelmente é verdade que raramente há um negro nos Estados Unidos que sabe ler e escrever e que não lê a imprensa negra. Ela tornou-se uma parte vital da sua vida”. Nas palavras de Hayward Farrar, “a imprensa negra tem mostrado o mundo para a comunidade negra, a comunidade para si mesmo, e a comunidade para o mundo”.

Justamente durante o período considerado o ápice da imprensa negra nos EUA, há no arquivo do Chicago Defender 41 reportagens sobre a questão racial no Brasil entre 1934 e 1937. Um ótimo exemplo é a reportagem publicada no Chicago Defender em 26/10/1935 sobre uma manifestação realizada pela Frente Negra Brasileira (FNB) no Rio de Janeiro e que, segundo o jornal, teria mobilizado dez mil pessoas: “Esta organização, composta exclusivamente por brasileiros negros, tem direcionado suas energias contra a invasão dos direitos civis e constitucionais. Batendo na tecla da solidariedade nacional, ela tem conseguido eminentemente derrotar as forças do preconceito que, por pouco, ameaçaram minar o tradicional espírito de jogo limpo e igualdade pelo qual o Brasil foi conhecido antes do advento da insidiosa propaganda norte-americana”.

Reportagem sobre a Frente Negra Brasileira. The Chicago Defender, 26 de outubro de 1935. 

É interessante perceber a referência à luta por “direitos civis” levada a cabo pela FNB no Brasil. Segundo o jornal, lutava-se no Brasil pela manutenção de direitos civis e constitucionais, direitos ainda negados à população negra nos EUA. O texto seguia apresentando a FNB para o leitor negro norte-americano: “A Frente Negra é hoje a organização mais poderosa em todo o Brasil, exercendo uma influência política que mantém afastados todos aqueles que poderiam negar as garantias específicas da Constituição nacional”. Somente entre 1935 e 1937 a Frente Negra Brasileira esteve presente em nada menos do que 20 reportagens do Chicago Defender, em matérias como: “Brazilian politics seeking support of the Black Front” [Políticos brasileiros buscam apoio da Frente Negra] (20 de março de 1937), que, ao referir-se às vindouras eleições, afirmava que “os associados à Frente Negra, de acordo com fontes autênticas, vão muito além dos 40 mil, com novos membros se associando diariamente”, e que “com sua solidez, esta organização representa hoje uma das forças mais poderosas a serem consideradas no Brasil”. Essa e outras reportagens foram publicadas sempre em sua edição semanal com circulação nacional.

“Políticos brasileiros buscam apoio da Frente Negra”. The Chicago Defender, 20 de março de 1937.

É impressionante como os editores do Chicago Defender olhavam para o Brasil até meados dos anos 1930 e viam muitos exemplos a seguir, tanto na possibilidade de viver num contexto de “harmonia racial” quanto em algumas formas de luta implementadas por negros brasileiros. Havia uma admiração declarada pela Frente Negra Brasileira nas reportagens do periódico norte-americano.

Um bom exemplo, nesse sentido, é a edição do dia 11 de janeiro de 1936, que trazia no topo da primeira página, em letras garrafais, a seguinte manchete: “Grupo de negros americanos segue exemplo do Brasil; Mapeia campanha para livrar-se dos grilhões em 1936”, que apresentava para seus leitores os planos da “North American Fronte Negra” para o ano de 1936! Ainda na mesma edição, na página 24, havia outra matéria interessante: “Puerto Ricans organize Black Militant Front”, na qual o jornal afirmava que a criação da nova organização em Porto Rico também “foi inspirada no sucesso alcançado pela Frente Negra no Brasil”.

“Grupo de negros Americanos segue exemplo do Brasil; Mapeia campanha para livrar-se dos grilhões em 1936”. The Chicago Defender, 11 de janeiro de 1936.

Veículos como os jornais O Clarim d’Alvorada e o Chicago Defender tiveram um papel fundamental para a circulação de informações, ideias e referenciais para a luta antirracista no Brasil, nos EUA e em outras partes do globo. Se levarmos em consideração a importância da imprensa negra para a formação do movimento negro politicamente organizado nos Estados Unidos, principalmente nas décadas de 1930 e 1940, e a cobertura dada às relações raciais e ao movimento negro no Brasil no Chicago Defender, é possível perceber que o movimento negro brasileiro não foi apenas receptor, mas que também contribuiu para essa circulação de referenciais e até mesmo serviu como exemplo ou inspiração para outros negros em suas lutas na diáspora africana. Precisamos conhecer mais e melhor as Nossas Histórias!

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Por Amilcar Pereira, originalmente no Geledés.

Assista ao vídeo do historiador Amilcar Araujo Pereira no Acervo Cultne sobre este artigo:

https://youtu.be/rk6ZYE7WQ3w

Nossas Histórias na Sala de Aula

O conteúdo desse texto atende ao previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC):

Ensino Fundamental: EF09HI03 (9º ano: Identificar os mecanismos de inserção dos negros na sociedade brasileira pós-abolição e avaliar os seus resultados); e EF09HI04 (9° ano: Discutir a importância da participação da população negra na formação econômica, política e social do Brasil.)

Ensino Médio: EM13CHS101 (Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais).

Amilcar A. Pereira Doutor em História (UFF), com pós-doutorado em História e Educação na Columbia University (EUA). Professor da Licenciatura em História e dos programas de pós-graduação em Educação e em Ensino de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Antirracista (Gepear-UFRJ); E-mail: amilcarpereira@fe.ufrj.br.

Movimento negro denuncia à ONU violações do presidente da Fundação Palmares

 

(FOTO/Reprodução).

A Coalizão Negra por Direitos, articulação que reúne mais de 200 organizações do movimento negro, apresentou à ONU nesta quinta-feira (22) uma denúncia contra o presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo, por violações de direitos humanos e aos interesses da população negra.

O relatório pauta a importância da preservação do patrimônio cultural, social e histórico da população negra e da história de luta do movimento negro brasileiro frente aos mandos e desmandos de Camargo em prejuízo aos direitos humanos.

No dossiê enviado à Organização das Nações Unidas são relatadas tentativas de Camargo de promover o desmantelamento da proteção institucional do patrimônio histórico e cultural afro-brasileiro, bem como os constantes ataques ao movimento negro e militantes da agenda antirracista.

Entre os ataques mencionados no dossiê está a ameaça de expurgo da maioria das obras que integram o acervo literário do órgão público e narram a história de luta e resistência dos movimentos negros no Brasil.

O atual presidente da Fundação Palmares age de modo impessoal e desonesto, claramente movido por ideologia política pessoal, buscando atingir por meio deles a desvalorização da luta histórica contra o racismo estrutural presente no país até os dias de hoje devido a abolição inconclusa. São graves e constantes os ataques promovidos por Sergio Camargo que tem trilhado uma cruzada ideológica contrária aos direitos humanos e às conquistas de direitos da população negra”, diz o documento, que a Alma Preta Jornalismo teve acesso.

Entre os ataques mencionados no dossiê está a ameaça de expurgo da maioria das obras que integram o acervo literário do órgão público e narram a história de luta e resistência dos movimentos negros no Brasil. Segundo a coalizão, se trata de uma tentativa de censurar, deslegitimar e promover o apagamento histórico da luta negra no país.

O documento traz ainda a alteração da conhecida lista de personalidade negras, que Camargo causou polêmica ao anunciar que a tornaria uma lista póstuma, ou seja, de homenagens a personalidades que já faleceram.

Na avaliação do movimento negro, a lista é relevante para o patrimônio histórico-cultural da população negra, uma vez que se tratava de uma coletânea de diversas lideranças e propagadores da luta por igualdade social, tais como o abolicionista André Rebouças e as escritoras Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo.

Ataques à liberdade de imprensa

O dossiê enviado para a ONU também pauta as agressões de Sérgio Camargo a jornalistas e à imprensa de um modo geral, que estão alinhadas à prática de censura e contrárias à liberdade de expressão.

Em seu perfil pessoal no Twitter, ao comentar a repercussão do caso da Chacina do Jacarezinho, que causou a morte de 29 jovens em sua maioria negros, o presidente da afirmou que “parcela significativa dos jornalistas é usuária cocaína” a fim de desqualificar a cobertura da imprensa.

Segundo o documento, para cercear o acesso à informação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, Camargo também bloqueia o acesso de jornalistas à sua conta oficial em mídias sociais, nas quais realiza constantes ataques à jornalistas e integrantes do movimento negro.

É o que aconteceu com o jornalista Pedro Borges, co-fundador e editor chefe da agência de notícias Alma Preta Jornalismo, em maio de 2020. Após bloquear o profissional, o presidente do órgão público publicou ofensas contra o jornalista, o chamando de “vitimista, segregacionista, antibranco, defende bandidos e cultua Marielle (Franco)”.

Atualmente, também corre na justiça brasileira, um processo movido pelo profissional contra Camargo, além de outras ações que versam sobre a tentativa de destituição do acervo da Palmares. Os processos tratam sobre violações ao direito à memória de documentos históricos da organização e ações de responsabilização por danos morais e tentativas de cercear a liberdade de expressão e exercício de profissão de jornalistas.

A denúncia enviada à ONU é finalizada com uma cobrança de atuação do sistema internacional de proteção para garantir o exercício de direitos da população negra no Brasil e a proteção da memória e patrimônio cultural que estão sob tutela da Fundação Palmares.

Diante do exposto, as organizações requerem aos especialistas das Nações Unidas em direitos humanos nas áreas de enfrentamento ao racismo e liberdade de expressão que notifique o Estado brasileiro acerca das violações de direitos humanos apresentadas neste informe”, conclui o documento.

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Com informações da Alma Preta.

ZUMVÍ – Arquivo Afro Fotográfico lança site e exposição virtual com imagens históricas do movimento negro

 

Caminhada do Dia Internacional das Mulheres nos anos 1990.

O ZUMVÍ – Arquivo Afro Fotográfico registra a cerca de 30 anos as manifestações do movimento negro e o cotidiano dos afrodescendentes em diversas temáticas e contextos populares. No próximo dia 13 de maio de 2021, o projeto lançará o site www.zumvi.com.br e uma exposição virtual Memórias de Resistências Negras, com 55 imagens que trazem 08 temas de importantes momentos da história e trajetórias do movimento negro: Militantes Falecidos do MNU, Nelson Mandela na Bahia, Política de Ações Afirmativas, Grupo de Mulheres MNU, Manifestação Contra Intolerância, Quilombo Rio das Rãs, Marcha Contra o Genocídio do Povo Negro e Três Grandes Pautas. O lançamento acontecerá nas redes sociais do projeto:

Curso de Pedagogia da URCA (Parfor) promove roda de conversa com o professor Nicolau Neto e universitárias


Curso de Pedagogia da URCA promove roda de conversa com o professor
Nicolau Neto e universitárias. (FOTO/Valéria Soares).

Texto | Nicolau Neto

O Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri (URCA), através do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) promoveu durante toda a tarde deste sábado, 31 de agosto, uma roda de conversa com o professor especialista e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras, Nicolau Neto e com as universitárias Ana Karolyne e Júlia Simão.

“Por que movimentos negros num pais onde toda a população é mestiça? ”, por Henrique Cunha Junior


Professor Henrique Cunha Júnior.
(FOTO/Reprodução/Facebook).
Pensar um movimento negro efetivo é pensar um movimento capaz de propor e executar planos que efetivamente melhore a s condições de vida da população negra. Um movimento proponha para a sociedade e para o estado ações que modifiquem as relações sociais, políticas,culturais e econômicas em favor da população negra. Coisas que vão muito alem das políticas de ações afirmativas que promoveu as cotas para negras nas universidades publicas brasileiras. 

#Altaneira60Anos. A força do movimento negro


A força do movimento negro, por Nicolau Neto. (Foto: Cláudio Gonçalves).

Comecemos essa discussão com o poema de Jorge Posada:

" Um negro sempre será um negro,
Chame-se pardo, crioulo, preto, cafuzo, mulato ou moreno-claro
Um negro sempre será um negro:
Na luta que assume pelo direito ao emprego
E contra a discriminação no trabalho
Um negro sempre será um negro:
Afirmando-se como ser humano
Na luta pela vida".

Tem-se aqui uma nítida ideia de que é preciso um senso crítico quanto ao tema em questão. Faz-se necessário então a desconstrução do mito da igualdade racial.

O Brasil é o país que tem a maior população de negros fora da África. Os negros foram trazidos do continente africano para cá, escravizados e, não se contentando com isso, as elites político-econômicas da época, através de diversas práticas, cuja escravização foi uma delas, fizeram com que negros e negras deixassem de praticar suas linguagens, religiões e costumes adotando práticas europeias.

No dia 20 de novembro, data dedicada à consciência negra, é importante destacar que o movimento negro tem por objetivo não deixar esmorecer e resgatar essa cultura afro- brasileira, rebatendo a desigualdade e a separação racial que insiste em permanecer sobre o povo negro. Ressaltemos ainda que ele (o movimento) é uma batalha travada contra o senso comum. Numa sociedade onde se assume que existe preconceito racial é contraditória a afirmação que não há discriminação e racismo pessoal.

Não é novidade que o racismo está presente no cotidiano. As questões aqui são: onde o racismo atrapalha, rouba, diminui, fere, interfere, omite, engana, diferencia a população negra que constitui toda uma nação de outra raça? Aí está a chave. É entra o movimento negro, numa armadura e resistência coletiva de uma raça presente e atuante.

Nunca é demais lembrar, já que ele insiste, apesar dos avanços que já foi efetivado, que o Estado é o personagem responsável em garantir a igualdade. Porém, se o estado age de forma ativamente contrária ou de forma omissa em seus serviços de policiamento, saúde pública, geração de renda e trabalho, educação, o que leva a discriminação racial, então temos algo além de problemas sociais. O Estado passa a alimentar um atraso e constrói um apartheid.

No entanto, o país é composto de edifícios, a saber, as instituições de ensino, Ongs, empresas, templos religiosos e famílias. Porém, muitas dessas organizações não estão afastadas de conceitos errados, uma vez que não romperam com seus dogmas racistas, não tendo em seus quadros representantes de diversas raças e etnias. Isso leva ao fato de que o racismo tem efeito letal e em massa.

Diante desse quadro movimento negro assume seu papel de destaque, não se baseando apenas em probabilidades e teorias, mas em fatos comprovados nos diversos espaços de poder na sociedade. As ações do movimento estão diretamente ligadas às lutas não só contra o racismo e a discriminação racial, mas também ao machismo e intolerâncias religiosas e culturais.

No Brasil, as referências para essas lutas continuarem são muitas, como por exemplo, Zumbi, Dandara, Beatriz Nascimento, Tia Simoa, Abdias Nascimento, Revolta dos Malês, Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), Grupo de Mulheres Negras Pretas Simoa e tantas representações de luta e resistência do povo negro. Assim, o movimento negro é resultado de uma série de manifestações decorrentes de um processo histórico. A amplitude do movimento negro é um conjunto de manifestações que surgem de inquietações individuais e coletivas.

Conclui-se que o movimento negro precisa expandir suas ações e chegar em outras localidades.



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Nicolau Neto é professor; palestrante na área da Educação com temas relacionados a história e cultura africana e afrodescendente, desigualdades raciais, preconceito racial, diversidade e relações étnico-raciais; ativista dos direitos civis e humanos das populações negras; membro do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec); membro da Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe (ALB/Araripe); servidor público no município de Altaneira, diretor vice-presidente da Rádio Comunitária Altaneira FM e administrador/editor do Blog Negro Nicolau (BNN).

Nós negros somos resistentes a esse sistema que nos oprime e que tenta nos invisibilizar, diz professor Nicolau



O professor Nicolau Neto, blogueiro e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras, fala sobre movimento negro e suas conquistas, o mito da democracia racial brasileira, a lei 10.639/03, o papel da educação no combate ao preconceito no país e acerca do seu Blog em entrevista cedida ao Blog Recortes Diversos.

Entrevista cedida ao estudante Sávio Marinho e publicada em seu Blog Recortes Diversos.

Recortes Diversos (RD) - O que é Movimento Negro e o que ele busca?

Nicolau Neto (NN) – A própria etimologia das palavras “movimento” e “negro” nos dá uma noção do que ele significa, do que ele representa para a comunidade negra. Movimento Negro enquanto forma de expressão de luta e de resistência de um povo existe desde que se começou o processo de escravidão. No Brasil, essa prática foi visível desde o século XVI e se estendeu até fins do século XIX. Nesse sentido, podemos falar deste movimento como aquilombamento de vários povos e de etnias distintas historicamente marginalizados da sociedade brasileira buscando formas de sobreviverem sem as correntes que aprisionavam seus corpos e as péssimas condições a que eram submetidos nas plantações de cana de açúcar, nos engenhos, nas fazendas, nos cafezais, etc. O Brasil é o país que tem a maior população de negros fora da África. Os negros foram trazidos do continente africano para cá, escravizados e, não se contentando com isso, as elites político-econômicas da época, através de diversas práticas, cuja escravização inclui-se aqui como a mais clara, fizeram com que eles passassem por um processo de ‘aculturação’, sendo obrigados a deixarem de praticar suas linguagens, religiões e costumes adotando práticas europeias. Sendo assim, movimento enquanto ato de mover-se e pretender mover alguém – no caso negras e negros africanos – em busca de liberdade, vem junto com o processo de escravização.

Mas o termo Movimento Negro enquanto entidade nasce oficialmente em 1978. Sendo mais detalhista, em 18 de junho de 1978 quando vários representantes de grupos se reuniram em prol de uma causa, a luta contra a discriminação racial. Na época, quatro garotos do time infantil de voleibol do Clube de Regatas Tietê foram discriminados e Robinson Silveira da Luz, trabalhador, pai de família, foi acusado de roubar frutas numa feira, sendo depois torturado no 44º Distrito Policial de Guaianases, vindo a falecer em consequência das torturas. No dia 7 de julho do mesmo ano, ocorreu a criação e o lançamento oficial do Movimento Negro Unificado agregando representantes de várias entidades das causas negras, como Centro de Cultura e Arte Negra – CECAN, Grupo Afro-Latino América, Associação Cultural Brasil Jovem, Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas – IBEA, além de atletas e artistas negros. Cerca de duas mil pessoas participaram do ato nas escadarias do Teatro Municipal da Cidade de São Paulo, em plena ditatura civil-militar, para combater fortemente a discriminação racial.

O termo “movimento dos negros do Brasil” é correto?

Depende de quem fala. O lugar da fala e quem fala é muito importante em qualquer circunstância. Há frases e expressões que ao invés de ajudar a desconstruir mitos como o da “democracia racial” e preconceitos, no caso o racial, acabam por reforça-los.

O que é racismo?

Há várias maneiras de se responder essa pergunta. No Brasil, quem pratica racismo está sujeito à pena de reclusão. Isso está posto no inciso quarenta e dois, do artigo quinto, da Constituição Federal de 1988. Dentro dessa lógica, significa dizer que o racismo gera injustiças, desconforto, segregação e privilégios. Por isso, há a necessidade de se combatê-lo veementemente todos os dias. Por isso a importância de movimentos – e o movimento negro – não deve ser o único a lutar por esta causa. O racismo é um desvio moral e ético e quem o pratica se vê em posição superior ao outro e a outra, a enxergando como incapaz de ocupar certos cargos. O racismo no Brasil é institucional também. Quantos negros e negras já exerceram o cargo de presidente/a? Quantos/as parlamentares negros/as há no Brasil? E em Altaneira, cidade que residimos, quanto/as diretores/as de escolas há que são ou se consideram negros/as? Quantos/as vereadores/as já tivemos negros/as? Nessa legislatura, quantos/as se declaram negros/as?

Pensar assim evita, por exemplo, que se cometa erro histórico, como do tão falado “racismo reverso”. Ele inexiste. Quantas leis foram criadas no Brasil para proteger ou reparar danos causados a pessoas brancas? Quantas destas já foram paradas nas ruas e confundidas com bandidos/as? Quantas pessoas brancas foram as delegacias fazer denúncias por terem sidos alvo de discriminação ou por terem sido impedidas de terem acesso a estabelecimentos comerciais? Essas perguntas são importantes, porque são elas que atestam o quanto o Brasil deve a nós, negros/as. No Brasil, o costume é presenciar negro sofrendo racismo, não o contrário.

É preciso ser negro para participar do movimento?

Não. Lutar par extirpar a discriminação, por melhores e maiores oportunidade em todos os espaços de poder para o povo negro é um dever de todos. Praticar isso cotidianamente é um exercício de cidadania.

Qual a principal conquista que o movimento já teve?

Poucas foram às conquistas, mas as que conquistamos são provenientes de muita luta e reivindicação dos movimentos negros e demais pessoas, como as leis de cotas em concursos públicos e universidades - mas que precisam ser ampliadas para outros municípios e universidades, inclusive para a URCA. O Estatuto da Igualdade Racial e as Leis 10.639/03 e 11.645/08 que obriga o estudo da cultura africana e afro-brasileira e da cultura indígena, nas escolas, respectivamente, além da instituição do dia nacional da consciência negra e do dia 20 do mesmo mês, mas no âmbito local, que instituiu ponto facultativo nos setores públicos de Altaneira. São poucas, porém, significativas. Precisam de reajustes. Algumas porque estão incompletas e outras porque ainda não surtiu o efeito esperado.

As leis que tornam obrigatório o ensino da cultura africana, afro-brasileira e indígena nas instituições de ensino ainda não vingou mesmo depois de 15 e 10 anos, respectivamente. O ensino brasileiro ainda é pautado e cunhado pelo viés do povo branco, do europeu. E muitas escolas ainda não obedecem a lei, seja por não cumprir, seja por cumprir de forma parcial. Lembro de texto que escrevi para meu blog em novembro de 2015 onde afirmei que cotas raciais ainda é um tabu. Pouco se discute e as pouquíssimas universidades que incluíram esse sistema de seleção nos vestibulares são taxadas de favorecerem a desigualdade e citam inclusive a CF/88 para isso, pois segundo ela todos somos iguais. Quanto a instituição do Dia Nacional da Consciência Negra necessita-se também de uma discussão mais profunda, de forma que se permita a ampliação do foco para além de novembro, com debates, palestras e rodas de conversas o ano inteiro. No nível municipal, o primeiro ano em que a lei entrou em vigor, poucas instituições deram ponto facultativo e as que funcionaram não promoveram reflexões acerca do assunto. O caminho é difícil, mas vamos semeando.

O que seria o mito da democracia racial?

Vamos ter que voltar para a questão do racismo como uma ideologia, como gosta de dizer o antropólogo Kabengele Munanga. Segundo ele, a ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la.

Há negros e negras que em virtude do processo de escravização que gerou o racismo e as desigualdades, acabam por assumirem o discurso de seus algozes e se alienam, achando que são mesmo inferiores e a outros que negam a si mesmo para poderem ser aceitos no “mundo” idealizado e construído pelos brancos. Um exemplo que salta aos olhos é o vereador eleito em São Paulo, Fernado Holiday. Como ele, há muitos em cidades pequenas do interior do Ceará. Isso acaba gerando o mito da democracia racial. Afinal, o brasileiro foi educado para não aceitar que é racista. Mas basta aplicar o teste do pescoço que logo se perceberá que a democracia racial no Brasil está longe de ser atingida.

O que seria “cotas raciais” e qual sua seria sua opinião, contra ou a favor?

Esse tema é gerador de muita discórdia entre setores da sociedade brasileira. Há aqueles que se posicionam contrário e os que são favoráveis a sua aplicação. Os que são contrários se valem da própria constituição ao afirmarem que todos somos iguais e que as cotas, ao serem aplicadas atestam a inferioridade de quem delas usufruem. Então, para eles/as não se deve tratar as pessoas de forma diferenciadas. Outro argumento muito utilizado é a mestiçagem. Somos um país constituídos de várias misturas, europeu, indígena e africano. Logo, identificar quem é negro e negra no país se torna uma tarefa muito difícil.

O que se percebe, é que todos esses argumentos são frágeis e não se sustentam. O Racismo no Brasil existe. Ele é cotidiano. Se todos somos iguais perante a lei, porque negros e negras são os que mais sofrem? Por que somos minorias nos espaços de poderes mesmo sendo maioria da sociedade? Então, a discriminação por si só é chave para se identificar quem é negro/a no Brasil.

As cotas não são apenas um sistema de reservas de vagas em instituições públicas ou privadas para determinados grupos classificados por raça ou etnia, na grande maioria das vezes negros e indígenas. Na verdade, muitas pessoas erram ao atribuir as cotas como sendo feita apenas para negros e negras. No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, o critério (com raríssimas exceções) é a escola pública e não simplesmente a cor da pele. Nos EUA para ter direito as cotas basta ser negro/a. Aqui a grande maioria das universidades e, a URCA (uma das últimas universidades públicas) usam o critério étnico-racial combinado com as condições socioeconômica. As cotas precisam ser entendidas como uma política de ação afirmativa que visa corrigir uma desvantagem histórica.

Se não for vista por este viés as pessoas vão sempre perceber que elas são desnecessárias. Em novembro de 2016 fui à Câmara de Altaneira e lá demonstrei dados do IBGE confirmando que ainda há, mesmo com as cotas, um abismo muito grande, principalmente em educação, entre negros e brancos. Este mês publiquei um texto no Blog Negro Nicolau em que se constatou que só 10% das mulheres negras do Brasil têm ensino superior. As informações são das pesquisas do IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD e PNAD Contínua). Então, isso comprova a necessidade dessa política afirmativa. Quem é contrário as cotas pensam como se não existisse racismo no pais. Logo, enquanto houve discriminação por cor de pele haverá a necessidade de cotas.

Para as cotas raciais, quem é negro no Brasil?

De certa forma já respondi nas questões anteriores. Mas basta uma autodeclaração. Claro que pode haver algumas falhas, como alguém querendo burlar a lei. Mas isso pode ser facilmente resolvido.

Qual sua característica negra que você mais gosta e lhe marca?

A resistência. Nós negros somos resistentes a esse sistema que nos oprime, que tenta nos invisibilizar.

Para você, qual a melhor forma de lidar com a discriminação racial

Isso vai depender da situação. Há aquelas que necessitam um enfrentamento e um combate mais incisivo e outras que podem ser resolvidas de forma tranquila. Mas todas elas precisam ser discutidas no sentido de construir relações baseadas no respeito as diferenças, de valorização e reconhecimento de cada humano. Você não precisa esperar que alguma situação que coloque em xeque a dignidade das pessoas ocorra. É preciso que cada um de nós, nos mais variados espaços de poder, tenhamos atitudes e provoque debates no sentido de promover a igualdade respeitando as diferenças. Tem uma frase do professor Boaventura de Souza Santos que gosto muito e que aponta um caminho para o que ora se está discutindo. “Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades”. Então, é nesse sentido que podemos e devemos nos situar.

O que seria a Unegro e como ela vê as conquistas do movimento junto ao governo atual?

A Unegro é a sigla que representa a União nos Negros pela Igualdade. Ela está presente em 24 estados do Brasil, com sua sede na capital de São Paulo e no próximo dia 14 de julho fará três décadas de atuação. Mesmo com sua sede na capital paulista, a Unegro foi fundada em Salvador, na Bahia, em pleno processo de redemocratização do Brasil e busca combater o racismo e toda forma de discriminação e opressão social.

No que pese ao como a entidade percebe as conquistas junto ao governo atual, não seria bem a pessoa mais competente para falar sobre. Mas como ativista das causas negras me vejo no dever de responder. Não vejo nenhuma conquista do movimento negro neste governo. Ao contrário, nós enquanto negros e enquanto movimento só tivemos retrocessos desde que esse governo usurpou o poder com anuência dos setores mais conservadores e retrógrados do pais, como a mídia e também daqueles que deveriam ser os guardiões da constituição, representado pelo STF. Poderia citar aqui a extinção da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), uma das primeiras medidas do Temer.

Em sua opinião a Lei 10.639/03, que obriga o ensino da história e cultura africana está sendo bem aplicada?

Esse ano a lei completou 15 anos. Já é possível perceber mudanças significativas na aplicabilidade dela nas escolas. Já há uma extensa variedade de textos acerca do assunto para se trabalhar com alunos e alunas e o mais importante, sob o viés de negros e negras. Agora, o interessante é buscar refletir sobre o como as instituições de ensino estão buscando se adequar à lei, enveredando sobre o caminho dos avanços e dos desafios quanto a isso. Então, não basta apenas criar leis obrigando o ensino da história africana, mas tão importante quanto é gerar condições para que o processo ensino aprendizagem ocorra com qualidade.

Quando nos propomos a este tipo de questionamento, verificamos que uma conquista do Movimento Negro, hoje a Lei 10.639 ainda não é efetivamente cumprida em função de um conjunto de discriminações e intolerâncias enraizadas na nossa sociedade e de um ensino nas escolas pautado no modelo europeu. O não cumprimento dessa lei acaba reforçando uma série de estereótipo atribuídos aos africanos, o que faz com que não tenhamos referências negras na política, nas ciências, nas artes, na educação, na cultura e em tantas outras áreas do conhecimento registradas nos livros didáticos utilizados nas escolas de ensino fundamental e médio. Felizmente algumas boas ações estão ocorrendo. Quando lecionei (2014 – 2016) na EEEP Wellington Belém de Figueiredo, em Nova Olinda, consegui, junto a todos os professores, a gestão e a demais membros/as da comunidade escolar, trabalhar durante todo o ano letivo essas questões e a escola foi referência no Brasil, com destaque no site Portal do Professor, vinculado ao Ministério da Educação (MEC).

O que lhe motivou a criação do seu Blog Negro Nicolau?

Quando lançamos o Blog em 27 de abril de 2011, o nome não era esse. Começamos com “Altaneira Infoco”, depois mudamos para “Informações em Foco”. Com este permanecemos por quase 5 anos.  Mudamos o endereço na rede mundial de computadores, mas a qualidade nas informações e a preocupação para que esta seja utilizada como um instrumento de poder e transformação social, o blog Informações em Foco agora denominado de “Negro Nicolau” superou todas as expectativas e se tornou a menos de um mês em um dos portais mais acessados do estado do Ceará e do Brasil.

A ideia de mudar o nome se deu em face de poder, através deste veículo de comunicação contribuir a partir das minhas ações de sentimento de pertencimento, para que outras pessoas se sintam representadas/os e empoderadas/os por negras e negros e possam ainda se sentirem como tal, lutando para superar e eliminar um dos maiores cânceres do Brasil – o preconceito e o racismo.

O fato é que o nosso blog sem se apegar ao modismo dos veículos de comunicação hospedados na internet e sem aderir ao elitismo barato e ao sensacionalismo, está desses seis anos de atuação constante na rede mundial de computadores sempre A SERVIÇO DA CIDADANIA e, para tanto, sempre buscamos oportunizar os menos favorecidos, os que por algum motivo não tem voz através da comunicação. Esta (Comunicação) que consideramos uma das principais armas contra a homofobia, misoginia, racismo, conservadorismo, elitismo, enfim... contra as mais diversas formas que corroborem para perpetuar as desigualdades sociais. E é exatamente por pensar assim que além das nossas lutas diárias em vários espaços de poder, seja na escola ou na rádio, resolvemos há seis anos colocar esse portal como mais uma das ferramentas nessa luta de classe onde estamos do lado dos oprimidos na busca permanente por fazer com que cada vez mais pessoas se sintam parte e se sintam principalmente empoderadas/os.

Um livro ou filme que você indica para melhor entendimento do movimento? Porque?

Joel Rufino dos Santos, historiador, professor e escritor brasileiro e um dos nomes de referência sobre o estudo da cultura africana no país, diz que “movimento negro é, antes de mais nada, aquilo que seus protagonistas dizem que é movimento negro”. Então, tomando como base esse pensamento, sugiro como leituras para conhecer um pouco mais profundo o movimento, a obra de Verena Alberti e Amilcar Araújo Pereira intitulada “Histórias do movimento negro no Brasil”; “Orfeu e o Poder: o movimento negro no Rio de Janeiro e São Paulo (1945 – 1988)”, de Michael Hanchard, “O Movimento Negro Educador. Saberes Construídos nas Lutas por Emancipação”, de Nilma Lino Gomes e “Saber do Negro”, do próprio Joel Rufino dos Santos.
 
Nicolau Neto - professor, blogueiro e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras. 
(Foto: Lucélia Muniz).