A
Justiça da Suíça acaba de mandar mais um recado à Justiça brasileira. Ela pede,
dessa vez, que nossa Justiça seja mais rápida nas investigações sobre o
mensalão do DEM e informe-a o que é para fazer com os milhões bloqueados em
contas suspeitas de terem sido abastecidas com recursos públicos desviados.
Uma
pergunta simples como essa merece uma resposta direta. Todos esperam que nossa
Justiça consiga dizer aos suíços que, por gentileza, devolvam aos cofres
públicos do Brasil o dinheiro que foi parar em Genebra, expropriado, desviado,
surrupiado, afanado, roubado.
Mas,
por incrível que pareça, o Judiciário brasileiro, pelo menos para alguns
escândalos muito especiais, demonstra dificuldades estranhas para tomar
providências.
O
escândalo do DEM é especial não por ser do DEM. É especial por ser um dos casos
de corrupção mais bem documentados de toda a história, se não o mais fartamente
documentado de todos. Um escândalo que desmente o ditado de que corruptos não
passam recibo. Pois esses passaram. O assalto aos cofres do Governo do Distrito
Federal teve uma grande quantidade de gravações em áudio, vídeo, bilhetes,
livros-caixa, até oração da propina. O roubo foi juramentado, em todos os
sentidos. Os depoimentos de testemunhas são até menos importantes, tal o volume
de provas materiais objetivas.
José
Roberto Arruda, ex-senador pelo PSDB, ex-líder do governo FHC no Senado,
ex-deputado pelo PFL e candidato a governador pelo mesmo PFL (hoje DEM) aparece
em vídeo, com imagem perfeita e som estéreo, recebendo R$ 50 mil em dinheiro
vivo. É o recibo mais bem declarado da história. Seus comparsas, secretários e
deputados, foram flagrados fazendo igual, com a mesma qualidade de som e
imagem. Do que mais precisa a Justiça brasileira? O que mais ela quer para
condenar Arruda e seus asseclas?
O
Judiciário até agora sequer foi capaz de tornar Arruda inelegível. Ele continua
com a ficha limpíssima. Está pronto para concorrer às eleições no DF, em
outubro.
O
ex-governador foi recentemente inocentado pelo Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios de uma das várias acusações que pesam sobre sua gestão.
Livrou-se
de ficar, oficialmente, com a ficha que todos já sabem ser suja. Todos, menos a
Justiça, que é quem conta para enquadrar pessoas que devem ser banidas das
eleições e condenadas a devolver recursos que eventualmente tenham sido
desviados.
O
egrégio Superior Tribunal de Justiça nos brindou com um péssimo exemplo.
Depois
de quase um ano após o processo do mensalão do DEM ter sido a ele encaminhado,
concluiu que o caso era por demais "complexo" e decidiu desmembrá-lo.
Arruda será julgado por um juiz de primeira instância, em uma das varas
criminais da Justiça do Distrito Federal, sabe-se lá quando. Mesmo que seja
rápido e ele venha a ser condenado, estará livre da Lei da Ficha Limpa, que só
incide sobre condenados em decisão de órgão judiciário colegiado, o que não é o
caso quando a decisão vem de um juiz de primeira instância.
Enquanto
nosso Judiciário dorme em serviço ou viaja de férias com despesas pagas pelo
erário, como as do ministro Joaquim Barbosa, a Suíça pede encarecidamente que
alguém responda o que se deve fazer com o dinheiro suspeitíssimo por lá
depositado. "Santa complexidade, Batman!"
O
mensalão do DEM é uma evidência indecorosa do quanto um escândalo tão claro e
cristalino pode ser acobertado por meandros jurídicos que escondem um
tratamento nebuloso por parte das autoridades judiciárias. A morosidade diante
de práticas de corrupção com inúmeros recibos revela, talvez, não tanto
negligência ou incompetência.
Por
trás da insuportável lerdeza do Judiciário, pesa uma suspeita, uma teoria sobre
sua seletividade: a de haver conivência com crimes em que os réus podem vir a
ser, por debaixo das togas, parceiros, sócios, amigos, parentes,
ex-"colaboradores" dos acusados. No caso do mensalão do DEM, foi
descoberta uma rede de corrupção que envolvia também membros do Ministério
Público do DF e Territórios. E quem garante que eram só esses?
O
que fazer com o dinheiro em Genebra? Por enquanto, a resposta eminentíssima é:
"não sabemos". Mais adiante, pode vir a ser: "deixa pra
lá".
O
Judiciário brasileiro precisa estar mais próximo de uma reforma de suas
instituições do que, como vimos muitas vezes, à beira de um ataque de nervos.
Precisa de mais transparência e menos
rompantes. Precisa de mais regras sobre o seu poder do que de ser um poder que
dita regras. Precisa de mais personalidade do que de personalismo. Precisa de
mais ações regulares do que de espetáculos.
Texto de Antonio Lassance publicado originalmente do
Carta Maior