Durante
os anos 1930 e, especialmente, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o
partido e o Estado nazistas empreenderam um processo de marginalização,
perseguição e assassinato em massa de milhões de judeus alemães e europeus.
Esse
processo contou com importantes recursos ideológicos e materiais para a sua
realização. Em termos ideológicos, os nazistas utilizaram-se de um nacionalismo
que unia numa síntese mística o racismo e a eugenia, e definia que apenas os
indivíduos de origem “ariana” poderiam integrar a comunidade alemã.
Assim,
todos aqueles que não cumpriam esses requisitos raciais foram excluídos e
perderam a cidadania alemã. Por outro lado, utilizaram-se de todos os recursos
materiais do Estado alemão para realizar o objetivo de resolver definitivamente
o “problema judaico”, ou seja,
eliminar os judeus da Europa, tais como centenas de campos de concentração e de
extermínio, milhares de membros da burocracia e agentes policiais e militares
do Estado alemão e da famigerada SS (Schutzstaffel), ferrovias, trens,
combustível, bem como grandes recursos financeiros.
Assim,
os nazistas colocaram em funcionamento uma gigantesca máquina de explorar,
triturar e descartar seres humanos, seja através da morte lenta por fome,
doenças e exaustão física, seja através da execução sumária por fuzilamento ou
asfixia nas câmaras de gás nos campos de concentração/extermínio.
O
auge deste processo aconteceu no período entre 1942 e no final da guerra
(1945), durante o qual o genocídio foi realizado em escala industrial e com
eficiência logística impressionante. Não devemos nos esquecer também que
milhares de judeus, prisioneiros de guerra etc. foram usados como escravos em
fábricas e obras públicas na Alemanha, produzindo vultosos lucros aos dirigentes
da SS e às grandes empresas alemães, muitas das quais existem até hoje.
Os
historiadores, sociólogos e outros especialistas acadêmicos vem pesquisando
exaustivamente esse processo e têm divergências em vários pontos, tais como o
número exato de vítimas (na casa de milhões de pessoas) e quanto à natureza da
decisão do início do processo, isto é, se ele foi intencional (“intencionalistas”) ou se estava inserido
na própria dinâmica do regime (“funcionalistas”).
No entanto, nenhum pesquisador discute se o Holocausto existiu ou não.
Apesar
disso, desde poucos anos após a realização deste crime contra a humanidade,
pessoas de diferentes nacionalidades vem se dedicando a resgatar a imagem de
Hitler e da Alemanha nazista afirmando que o Holocausto não aconteceu e que
este, na verdade, seria o produto de uma calúnia criada e disseminada pelos
judeus que a usariam como estratégia para realizar seu objetivo de dominar o
mundo.
O
Negacionismo do Holocausto surgiu, portanto, logo após a Segunda Guerra
Mundial, com os livros dos franceses Maurice Bardèche e de Paul Rassinier e do
estadunidense Harry Elmer Barnes; e, a partir de 1978, ampliou sua audiência e
passou a integrar o debate político tanto nos Estados Unidos quanto na França.
Nos Estados Unidos foi então criado o Institute for Historical Review (IHR),
uma instituição que, usando um nome que sugere ser uma respeitável instituição
acadêmica de historiadores, se dedica sistematicamente a disseminar o ódio aos
judeus (antissemitismo) e a teoria do complô judaico, através da negação do
Holocausto. Ainda em 1978, na França, o professor de literatura Robert
Faurisson passou a ocupar um cargo acadêmico na Universidade de Lyon e então
introduziu o tema do negacionismo no espaço universitário e na mídia francesa.
Assim,
partir do final dos anos 1970, esse movimento político/ideológico ampliou-se
para além de um pequeno círculo de leitores e simpatizantes do fascismo
histórico. Nesse processo, confluíram vários fatores, tais como: a) uma crise
econômica e social do capitalismo mundial; b) uma crise política e
representativa dos partidos políticos tradicionais, tanto à direita quanto à
esquerda; c) uma crise política das esquerdas tradicionais, ampliada pelo fim
da URSS e do “socialismo real”; d) uma crise dos paradigmas da modernidade e da
própria historiografia; e), sobretudo para o que nos interessa aqui, o
surgimento de uma nova extrema-direita e o fortalecimento de um elemento
ideológico tradicional no Ocidente, a teoria da conspiração (ou complô), como
chave explicativa para se entender a sociedade, especialmente após os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001, ocorridos nos Estados Unidos. Além da
confluência destes fatores surgiu então uma nova ferramenta de disseminação,
coordenação e financiamento da extrema-direita e dos Negacionistas: a Internet.
O
Negacionismo do Holocausto não é uma corrente historiográfica legítima que se
dedique a pesquisar criticamente o Holocausto, mas sim um instrumento da ação
ideológica de grupos políticos radicais, em sua grande maioria de
extrema-direita. Concordamos, assim, com a já extensa historiografia que usa o
termo “Negacionistas do Holocausto”
para qualificar os autodenominados “Revisionistas
do Holocausto”. Os ideólogos do Negacionismo do Holocausto negam ou minimizam
os efeitos do Holocausto, e afirmam que o assassinato sistemático de milhões de
judeus, ciganos, eslavos etc. é uma mentira criada e mantida pelos vencedores
da Segunda Guerra Mundial em estreita aliança com os judeus sionistas
fundadores do Estado de Israel. O Negacionismo do Holocausto é, portanto, o
outro lado da moeda do “complô judaico
internacional” difundido desde o início do século XX pelo livro “O Protocolo dos Sábios de Sião”.
O
complô judaico é, segundo Girardet (1987, p. 25-34), uma das três grandes
narrativas do complô elaboradas entre o final do século XVIII e início do
século XX, quando foi editado pela primeira vez o famigerado “Protocolo dos Sábios de Sião”. Esse
livro, forjado pela polícia política do regime czarista, foi rapidamente
incorporado como arma de propaganda antissoviética e antibolchevique nos anos
1920 e 1930. Os nacional-socialistas alemães transformam-no numa “prova irrefutável” de que os judeus são
uma ameaça mundial ao mundo ocidental e a obra ainda hoje é reeditada em várias
línguas e utilizada como uma espúria prova da existência de um suposto complô
judaico internacional. Esse livro tornou-se, desde então, peça de propaganda do
antissemitismo e, após a Segunda Guerra Mundial, também do antissionismo.
No
Brasil, foi traduzido pelo ideólogo integralista Gustavo Barroso e editado nos
anos 1930. No final do século XX, a Editora Revisão se dedicou a publicar no
Brasil livros negacionistas e a fazer propaganda sistemática do assunto. Seu
editor foi processado judicialmente e atualmente a editora não tem mais
atividades legais em território brasileiro.
Alguns
pesquisadores consideram que, a partir do final do século XX, as teorias
conspiratórias (ou complôs) ganharam uma dimensão explicativa cada vez mais
ampla, ou seja, os complôs passaram a explicar fenômenos de escala mundial, os
chamados mega-complôs (TAGUIEFF, 2006) ou super-conspirações (BARKUN, 2003: 6).
A crescente importância da cultura conspiracionista aumentou também a demanda
por abordagens mistificadoras da história (pseudo-história) que frequentemente
estão a serviço de ideologias de extrema-direita.
Desse
modo, a nova extrema-direita, a partir do final do século XX, atualiza essa
perspectiva conspiracionista de sua visão de mundo ao articular sua filosofia
da história maniqueísta com um típico exemplo de pseudo-história: o
Negacionismo do Holocausto. O Negacionismo do Holocausto tornou-se um elemento
fundamental para a manutenção das forças de atração que mantém unidos os
diferentes grupos e famílias ideológicas da extrema-direita contemporânea e
ajuda a definir sua identidade.
Por
mais que se publiquem artigos e livros que denunciam o caráter falso desse
livro os crentes da conspiração judaica internacional se recusam a aceitar os
argumentos listados pelos historiadores para denunciar a obra. Da mesma, e
seguindo a lógica das teorias da conspiração, os defensores e seguidores do
Negacionismo do Holocausto rejeitam qualquer análise proposta pelos
historiadores profissionais, acusando-os, entre outras coisas, de estarem a
serviço dos judeus. Certamente, isso se deve à lógica das teorias
conspiratórias que têm quatro princípios básicos: “nada acontece por acidente”, “nada
é o que parece”, “tudo está conectado”
e “tudo o que acontece é o resultado de
vontades ocultas e malignas” (BARKUN, 4 e TAGUIEFF, 57).
A
forma como as teorias da conspiração entendem o mundo rejeita as análises
críticas dos cientistas sociais (sociólogos, historiadores, cientistas
políticos etc.), preferindo compreendê-lo como o palco da luta eterna entre as
forças do bem contra as forças do mal. Os Negacionistas do Holocausto
consideram-se, pois, soldados das forças do bem, denunciando o complô judaico
para dominar o mundo que estaria sendo ocultado pela “grande mentira”
(Holocausto) que, ao culpar os alemães do crime de genocídio etc., facilitaria
a realização de seu próprio projeto (oculto) de dominação mundial.
A
cultura conspiracionista está presente de forma arraigada na cultura de massas,
através de diversos mitos urbanos, livros e filmes, tais como: o livro (2003) e
o filme (2006) “O código da Vinci”, a
série televisiva (1993 a 2002) e o filme (1998) “Arquivo X”, filmes como “Teoria
da Conspiração” (Conspiracy Theory, 1997) e as teorias conspiratórias
elaboradas para explicar o atentado ao World Trade Center etc. Essa
disseminação certamente colabora para a utilização do conspiracionismo pela
extrema-direita como uma estratégia de disseminação de sua mensagem política
entre diferentes setores e classes sociais.
Concluindo,
consideramos o Negacionismo do Holocausto é um tema que faz parte do horizonte
político contemporâneo e certamente deve ser objeto da historiografia do Tempo
Presente. Os historiadores comprometidos com uma historiografia atuante na
defesa da democracia e dos direitos humanos não podem deixar de incorporar os
temas da pseudo-história e das teorias conspiratórias às suas pesquisas e
cursos.
Artigo
de Ricardo Figueiredo de Castro, Professor Adjunto de História Contemporânea no
Instituto de História (IH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
publicado originalmente no Café História.