Depois
dos protestos em Brasília nesta quarta-feira (24), o governo de Michel Temer
não tem saída. Isolado, o presidente ainda se apega a tentativas desesperadas
de se manter no poder. O símbolo desse desespero foi a edição, no mesmo dia do
Ocupa Brasília, do decreto autorizando “o
emprego das Forças Armadas para a garantia da Lei e da Ordem no Distrito
Federal”. A falta de apoio foi tal que Temer recuou e, menos de 12 horas
depois, revogou o decreto. A questão agora é saber o que se pode esperar para
os próximos dias e qual a “porta de saída”
mais provável pela qual o presidente deixará o “comando” do país.
Da
RBA - “O que há fundamentalmente é um governo que se dissolveu, que perdeu o
controle”, diz o jurista e professor de Direito Constitucional da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Pedro Serrano. “Trata-se de um projeto de diminuição do
tamanho do Estado que não cabe no Brasil, de redução dos direitos sociais, de
um poder 'desconstituinte', para usar expressão do jurista italiano Luigi
Ferrajoli. Um poder que tem amesquinhado os direitos fundamentais. O país não
tem como viver de forma pacífica com esse grau de agressão aos direitos dos
trabalhadores, dos cidadãos em geral.”
Diante
da violenta crise econômica com quase 15 milhões de desempregados, não
satisfeito, o governo e sua base no Congresso Nacional continuam “produzindo leis que reduzem cada vez mais os
direitos de milhões de pessoas”, diz Serrano. “Isso é uma incitação à violência.”
O
economista e professor João Sicsú, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), aponta o simbolismo do decreto que colocou Brasília virtualmente sob estado
de sítio por algumas poucas horas. “Foi
revogado porque tudo o que o governo Temer faz é rejeitado por todos. Essa
medida foi rejeitada pelas Forças Armadas, pelo STF, pelo Senado, pela
sociedade, pelo governador do Distrito Federal. Temer e seus comparsas não
sabem para onde correr, nem ele, nem o Padilha (ministro-chefe da Casa Civil)
etc. Estão refugiados dentro do Palácio do Planalto e do Palácio do Jaburu.”
A
cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São
Carlos (Ufscar), avalia: “Vivemos a
expressão da situação a que o Brasil chegou. A classe política está encurralada”.
Temer
ainda é “apoiado por uma minoria
resistente”, diz Sicsú, cuja expectativa é de que nos próximos dias o país
encontre uma saída para a crise política permanente desde o golpe que derrubou
Dilma Rousseff. “Espero que a saída seja
apontada pelas ruas e mobilizações da sociedade, e portanto seja feita pela
maioria, que rejeita profundamente esse governo e seu projeto de reformas
trabalhista e previdenciária, e não uma saída por cima, dirigida pela Globo,
com os bancos, as multinacionais e suas marionetes, PSDB, PMDB e penduricalhos
menores”, avalia Sicsú. Em sua opinião, as "Diretas Já" seriam a
única solução a contemplar de fato a voz das ruas.
O
que pode acontecer nos próximos dias ou horas não é possível prever, dada a
imprevisibilidade no país. Especulações e informações supostamente de
bastidores alimentam as manchetes e em seguida são ultrapassadas por novos
fatos.
Nesta
quinta, por exemplo, o deputado Carlos Zarattini (SP) e a senadora Gleisi
Hoffmann (PR), líderes do PT na Câmara e no Senado, respectivamente, negaram,
pelas redes sociais, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva esteja
conversando com os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney na
tentativa de encontrar eventuais saídas para a crise e a substituição de Temer.
A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Jobim?
Segundo
reportagem da revista Piauí, Nelson Jobim, ex-ministro de Fernando Henrique
Cardoso e de Lula, frequentemente citado como um dos favoritos a substituir
Temer se a solução se der via eleição indireta, teria negado a possibilidade de
assumir a tarefa. As justificativas seriam duas, e pouco convincentes:
resistência da mulher e eventuais problemas que essa “missão” poderiam causar
ao banco no qual Jobim é um dos sócios, o BTG Pactual.
Mas
não deixa de ser significativo que a negativa de Jobim teria se dado num almoço
em São Paulo com cinco dezenas de membros do mercado financeiro, justamente no
dia do Ocupa Brasília.
Se
o fim do governo Temer é um fato, não se pode prever se sua saída acontecerá
com a cassação no Tribunal Superior Eleitoral, provavelmente no dia 6, ou se
ele vai renunciar após um suposto acordo que estaria sendo costurado nos
bastidores. “Do ponto de vista político,
está resolvido, esse governo não vai continuar. O que não está resolvido é a
transição: se será pelo Congresso Nacional comandado pela Globo, ou se será
pela vontade das ruas”, diz Sicsú.
Seja
como for, Pedro Serrano não vê uma solução para a crise num horizonte próximo.
Autor do livro Autoritarismo e golpes na América Latina (editora Alameda Casa
Editorial), produto de uma tese de pós-doutorado que apresentou em Lisboa, ele
acredita que a crise iniciada com o impeachment inconstitucional de Dilma
Rousseff, na realidade, ainda vai se aprofundar. “O que temos é cada vez mais poderes selvagens no Brasil, para usar
outra expressão de Farrajoli. É uma ferida institucional difícil de curar. Um
projeto de redução de direitos, num momento de crise econômica muito violenta e
acusações de corrupção que estarrecem a sociedade. Esse conjunto de fatores
está dissolvendo as relações regulares de poder”, avalia.
Com
a queda de Temer, acredita, o quadro não vai se amenizar tão rapidamente. “Acho que vem uma sequência autoritária,
mesmo com a queda do Temer. Creio que a tendência é ampliar cada vez mais a
esfera autoritária, até ela entrar em um ciclo de desestrutura. Daí, o ciclo
começa a terminar. As pessoas acham que o autoritário traz a ordem, vão atrás
do autoritarismo e do populismo em geral, mas na realidade isso é o caos, como
a história mostra.”