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Feriado municipal em Altaneira no dia da Consciência Negra se torna lei

Professor Nicolau Neto (esq.) e o vereador Deza Soares por ocasião de uma roda de conversa sobre políticas públicas e relações étnico-raciais na educação altaneirense ministrada por Nicolau em 2019. (FOTO/ João Alves).

Por Nicolau Neto, editor

Circulou na edição desta quarta-feira (17/11), do Diário Oficial dos Municípios do Ceará, e sancionada pelo prefeito de Altaneira, Dariomar Rodrigues (PT), a Lei nº 819 que institui feriado em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.

O texto foi apresentado pelo vereador e presidente da Câmara, Deza Soares (PT) e é fruto do Plano Municipal de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade apresentado pelo professor e fundador deste Blog, Nicolau Neto, junto aos poderes executivo e legislativo no mês de maio do ano em curso.

Pela legislação que entra em vigor já este ano, em um sábado, a data deve ser usada, “principalmente, pelos setores públicos do município, para a realização de atividades de reflexão e conscientização, inclusive, eventos culturais e outros, relacionados ao fortalecimento e consolidação da edificação de uma sociedade mais justa e racialmente equitativa.”

O texto representa um marco histórico na legislação municipal e corrobora para contribuir na reflexão e tomada de atitudes que reconheçam e valorizem a população negra que representa mais de 56% do Brasil como contribuidoras para a formação do país, mas principalmente como produtoras de conhecimentos, de saberes em todas as áreas e que isso seja discutido nas escolas.

A legislação que entra em vigor é mais que oportuna também porque fará com as pessoas comecem a se perguntar o porquê do feriado.

Altaneira se torna o primeiro município do Ceará a ter uma legislação nesse sentido, além de ser ainda o primeiro a contar com um Plano Municipal de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade.

O movimento negro brasileiro e a circulação de referenciais para a luta antirracista

 

(FOTO/ Reprodução).

Ainda é muito comum no Brasil, em diversos meios de comunicação e até mesmo na universidade, a afirmação de que o movimento negro brasileiro na contemporaneidade seria uma cópia, em menores proporções, do movimento negro pelos direitos civis dos Estados Unidos, que mobilizou a atenção de populações negras mundo afora nas décadas de 1950 e 1960. Não há dúvidas de que o que hoje chamamos de “movimento negro contemporâneo”, constituído no Brasil a partir da década de 1970, recebeu, interpretou e utilizou informações, ideias e referenciais produzidos na diáspora africana de uma maneira geral, especialmente nas lutas pelos direitos civis em território estadunidense e nas lutas por libertação nos países africanos na segunda metade do século XX, sobretudo aqueles sob o regime colonial de Portugal.

Entretanto, esse adensamento político que contribuiu e ainda contribui para a luta antirracista no mundo nunca foi uma “via de mão-única”. Pelo contrário, podemos verificar nitidamente até os dias de hoje a circulação de repertórios críticos e pessoas pelo “Atlântico negro”. Aliás, não podemos esquecer que o racismo, um elemento estruturante das desigualdades com as quais convivemos historicamente no Brasil, é uma das faces da “modernidade” que se consolida em meio ao imperialismo europeu no século XIX. Esse racismo não respeita limites territoriais. Da mesma forma, a luta antirracista precisa ser entendida a partir de uma perspectiva transnacional, que deve contemplar as diferentes contribuições produzidas na luta política em diferentes contextos nacionais. O que pouca gente sabe é que o movimento negro brasileiro, especialmente durante a década de 1930, também contribuiu consideravelmente para a circulação de referenciais para a luta antirracista, servindo inclusive como fonte de inspiração para a dinâmica de transformações nas lutas das populações negras na diáspora africana.

Ainda durante o início do século XX, já era possível notar a importância da circulação de ideias e perspectivas de construção das lutas por melhores condições de vida para as populações negras em perspectiva global. A dinâmica das transformações, tanto nas formulações políticas quanto nas estratégias adotadas nas diferentes lutas por emancipação das populações negras, é sempre muito complexa. A partir dos anos de 1920 e 1930, a circulação de informações na diáspora negra se ampliou muito. Podemos objetivamente verificar essa circulação na imprensa negra do Brasil e dos Estados Unidos na primeira metade do século XX, onde ocorreram até mesmo intercâmbios entre jornais dos dois países.

O mais importante jornal da imprensa negra nos EUA, o Chicago Defender, fundado em 1905 na cidade de Chicago, estabeleceu um intercâmbio com O Clarim d’Alvorada, um dos mais importantes jornais da imprensa negra brasileira, que circulou entre as décadas de 1920 e 1930, em São Paulo. O Clarim d’Alvorada publicava informações sobre a comunidade negra nos EUA em uma coluna criada especificamente para esse fim, chamada de O mundo negro – que inclusive acabou sendo escolhida para dar o título de meu livro. Da mesma forma, o Chicago Defender publicava informações sobre as lutas da população negra no Brasil. Pesquisando nos arquivos do Chicago Defender encontrei 114 matérias, entre 1914 e 1978, não somente comparando as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos, mas também exaltando as formas pelas quais os brasileiros tratavam a questão racial, principalmente na década de 1930.

Clarim d’Alvorada, 14 de julho de 1929. Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Aqui preciso falar um pouco sobre a importância da imprensa negra nos EUA da primeira metade do século XX. Segundo o historiador James Meriwhether, a imprensa negra norte-americana chegou ao “seu auge de poder e influência” durante as décadas de 1930 e 1940. Já Gunnar Myrdal afirmava em 1944, em seu livro An American Dilemma, que esses jornais passavam de família para família e poderiam ser encontrados em barbearias, igrejas, lojas. Seus conteúdos eram transmitidos pelo “boca a boca” entre aqueles que não podiam ler. Para Myrdal, “a importância da imprensa negra para a formação de opinião entre os negros, para o funcionamento de todas as outras instituições negras, para as lideranças negras e para as ações geralmente conjuntas é enorme”. Já W.E.B. Du Bois (1868-1963), primeiro negro a receber o título de doutor (Ph.D. em História) na Universidade Harvard, em 1895, e uma das principais lideranças negras norte-americanas no início do século XX, em matéria publicada no dia 20 de fevereiro de 1943 no Chicago Defender dizia que “houve um tempo, mesmo antes da Reconstrução” (1865-1877), em que “só um negro aqui e outro lá lia um jornal da imprensa negra, e mesmo assim pedia desculpas por isso”. E terminava dizendo: “Hoje provavelmente é verdade que raramente há um negro nos Estados Unidos que sabe ler e escrever e que não lê a imprensa negra. Ela tornou-se uma parte vital da sua vida”. Nas palavras de Hayward Farrar, “a imprensa negra tem mostrado o mundo para a comunidade negra, a comunidade para si mesmo, e a comunidade para o mundo”.

Justamente durante o período considerado o ápice da imprensa negra nos EUA, há no arquivo do Chicago Defender 41 reportagens sobre a questão racial no Brasil entre 1934 e 1937. Um ótimo exemplo é a reportagem publicada no Chicago Defender em 26/10/1935 sobre uma manifestação realizada pela Frente Negra Brasileira (FNB) no Rio de Janeiro e que, segundo o jornal, teria mobilizado dez mil pessoas: “Esta organização, composta exclusivamente por brasileiros negros, tem direcionado suas energias contra a invasão dos direitos civis e constitucionais. Batendo na tecla da solidariedade nacional, ela tem conseguido eminentemente derrotar as forças do preconceito que, por pouco, ameaçaram minar o tradicional espírito de jogo limpo e igualdade pelo qual o Brasil foi conhecido antes do advento da insidiosa propaganda norte-americana”.

Reportagem sobre a Frente Negra Brasileira. The Chicago Defender, 26 de outubro de 1935. 

É interessante perceber a referência à luta por “direitos civis” levada a cabo pela FNB no Brasil. Segundo o jornal, lutava-se no Brasil pela manutenção de direitos civis e constitucionais, direitos ainda negados à população negra nos EUA. O texto seguia apresentando a FNB para o leitor negro norte-americano: “A Frente Negra é hoje a organização mais poderosa em todo o Brasil, exercendo uma influência política que mantém afastados todos aqueles que poderiam negar as garantias específicas da Constituição nacional”. Somente entre 1935 e 1937 a Frente Negra Brasileira esteve presente em nada menos do que 20 reportagens do Chicago Defender, em matérias como: “Brazilian politics seeking support of the Black Front” [Políticos brasileiros buscam apoio da Frente Negra] (20 de março de 1937), que, ao referir-se às vindouras eleições, afirmava que “os associados à Frente Negra, de acordo com fontes autênticas, vão muito além dos 40 mil, com novos membros se associando diariamente”, e que “com sua solidez, esta organização representa hoje uma das forças mais poderosas a serem consideradas no Brasil”. Essa e outras reportagens foram publicadas sempre em sua edição semanal com circulação nacional.

“Políticos brasileiros buscam apoio da Frente Negra”. The Chicago Defender, 20 de março de 1937.

É impressionante como os editores do Chicago Defender olhavam para o Brasil até meados dos anos 1930 e viam muitos exemplos a seguir, tanto na possibilidade de viver num contexto de “harmonia racial” quanto em algumas formas de luta implementadas por negros brasileiros. Havia uma admiração declarada pela Frente Negra Brasileira nas reportagens do periódico norte-americano.

Um bom exemplo, nesse sentido, é a edição do dia 11 de janeiro de 1936, que trazia no topo da primeira página, em letras garrafais, a seguinte manchete: “Grupo de negros americanos segue exemplo do Brasil; Mapeia campanha para livrar-se dos grilhões em 1936”, que apresentava para seus leitores os planos da “North American Fronte Negra” para o ano de 1936! Ainda na mesma edição, na página 24, havia outra matéria interessante: “Puerto Ricans organize Black Militant Front”, na qual o jornal afirmava que a criação da nova organização em Porto Rico também “foi inspirada no sucesso alcançado pela Frente Negra no Brasil”.

“Grupo de negros Americanos segue exemplo do Brasil; Mapeia campanha para livrar-se dos grilhões em 1936”. The Chicago Defender, 11 de janeiro de 1936.

Veículos como os jornais O Clarim d’Alvorada e o Chicago Defender tiveram um papel fundamental para a circulação de informações, ideias e referenciais para a luta antirracista no Brasil, nos EUA e em outras partes do globo. Se levarmos em consideração a importância da imprensa negra para a formação do movimento negro politicamente organizado nos Estados Unidos, principalmente nas décadas de 1930 e 1940, e a cobertura dada às relações raciais e ao movimento negro no Brasil no Chicago Defender, é possível perceber que o movimento negro brasileiro não foi apenas receptor, mas que também contribuiu para essa circulação de referenciais e até mesmo serviu como exemplo ou inspiração para outros negros em suas lutas na diáspora africana. Precisamos conhecer mais e melhor as Nossas Histórias!

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Por Amilcar Pereira, originalmente no Geledés.

Assista ao vídeo do historiador Amilcar Araujo Pereira no Acervo Cultne sobre este artigo:

https://youtu.be/rk6ZYE7WQ3w

Nossas Histórias na Sala de Aula

O conteúdo desse texto atende ao previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC):

Ensino Fundamental: EF09HI03 (9º ano: Identificar os mecanismos de inserção dos negros na sociedade brasileira pós-abolição e avaliar os seus resultados); e EF09HI04 (9° ano: Discutir a importância da participação da população negra na formação econômica, política e social do Brasil.)

Ensino Médio: EM13CHS101 (Identificar, analisar e comparar diferentes fontes e narrativas expressas em diversas linguagens, com vistas à compreensão de ideias filosóficas e de processos e eventos históricos, geográficos, políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais).

Amilcar A. Pereira Doutor em História (UFF), com pós-doutorado em História e Educação na Columbia University (EUA). Professor da Licenciatura em História e dos programas de pós-graduação em Educação e em Ensino de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Antirracista (Gepear-UFRJ); E-mail: amilcarpereira@fe.ufrj.br.

Onde é feriado no dia 20 de novembro? Confira a lista


Zumbi dos Palmares. (FOTO/Reprodução).

O Dia da Consciência Negra é comemorado na data da morte de Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro. Ele foi o último líder do maior quilombo no período colonial, o de Palmares.

Conheça a Lei altaneirense que institui o 20 de novembro como dia de promoção de atividades relacionadas à causa negra



Em novembro do ano passado afirmei aqui mesmo neste blog que quatro das maiores conquistas do movimento negro ainda estavam incompletas, necessitando de ajustes e de ampliações.

Frisei que a inclusão do Dia Nacional da Consciência Negra no calendário brasileiro, os significativos avanços advindos da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial tendo a coordenação da extinta Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), como por exemplo, as leis de cotas em concursos públicos e universidades, a aprovação das leis 10.639/03 e 11.645/08 que torna obrigatório o ensino da cultura africana, afro-brasileira e a história e cultura indígena nas escolas públicas e particulares e a aprovação também do Estatuto da Igualdade Racial eram algumas dessas conquistas.

Todos os ajustes reforçam o quanto o Brasil é um país racista e que faz de tudo para rejeitar toda e qualquer ação que faça referência as nossas raízes – negras e indígenas. As leis que tornam obrigatório o ensino da cultura africana, afro-brasileira e indígena nas instituições de ensino ainda não vingou mesmo depois de 13 e 08 anos, respectivamente. O nosso ensino ainda é pautado e cunhado pelo viés do povo branco, do europeu. E muitas escolas ainda não obedecem a lei, seja por não cumprir, seja por cumprir de forma parcial.

As cotas raciais ainda é um tabu. Pouco se discute e as pouquíssimas universidades que incluíram esse sistema de seleção nos vestibulares são taxadas de favorecer a desigualdade e citam inclusive a CF/88 para isso, pois segundo ela todos somos iguais. Cito aqui a fala do antropólogo Kabengele Munanga que em entrevista cedida ao portal Fórum em 2012 ressaltou:

O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito..”

Quanto a instituição do Dia Nacional da Consciência Negra necessita-se também de uma discussão mais profunda. Já na década de 70 do século passado essa questão era motivo de pautas e discussões entre os/as ativistas /as negros. Quase meio século se passou e pouco se avançou nesse quesito. Para se ter uma ideia só em 2011 durante o governo de Dilma Rousseff foi estabelecido por meio da lei 12.519, o 20 de novembro como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra e hoje apenas pouco mais de 1.000 municípios incluíram essa data no seu calendário oficial como forma de relembrar a luta e a resistência do povo negro.

No artigo datado do dia 30 de novembro ressaltei que Altaneira, na região do cariri, poderia ser incluída no rol desses municípios que hoje celebram e refletem a data. Embora tênue, a ação partiu do vereador e professor Deza Soares que durante a minha fala na Câmara no dia 25 do mesmo mês acerca do racismo, da intolerância religiosa, da representatividade (ou a da falta dela) negra nos espaços de poder e das desigualdades social e racial, afirmou que iria apresentar na primeira sessão de dezembro de 2016 um PL que institui ponto facultativo no município, sendo o dia marcado por atividades que promovam o protagonismo negro e reflitam acerca das desigualdades a que o povo negro está submetido.

Ao todo 1.044 municípios brasileiros incluíram no seu calendário o dia 20 de novembro como feriado oficial, com a respectiva lei regulamentando a data que remonta o dia da morte de Zumbi dos Palmares. Este foi o último líder do maior dos quilombos do período colonial, o Quilombo dos Palmares.

Apresar da resistência de alguns parlamentares, o projeto que foi apresentado e retirado de pauta pela então presidenta da casa no período, Lélia de Oliveira (PCdoB) – clique aqui e confira o fato – voltou novamente à casa, sendo aprovado. 

Imagem capturada da Lei. 

Agora com Lei 674, Altaneira entre para a seleta lista dos mais de 1.000 municípios que fazem do 20 de novembro um dia para refletir acerca das causas negras.

A Lei que foi sancionada pelo prefeito Dariomar Soares (PT) no dia 01 de fevereiro de 2017 apresenta esta redação:

Art. 1º. Fica instituído ponto facultativo nos setores públicos, especialmente de educação e cultura, no Município de Altaneira, no dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, data que lembra o assassinato, em 1965, do Líder Zumbi do Quilombo dos Palmares, um dos principais símbolos da resistência negra e escravidão.

Art. 2º. A data de 20 de novembro fica incluída no Calendário Municipal de Eventos, sendo comemorada com atividades diversas relacionadas ao fortalecimento da consciência negra, promovidas principalmente, pelos setores de educação e cultura.