Comunidades Quilombolas do Ceará: quantas tem e onde estão localizadas?

 

Comunidades Quilombolas do Ceará: quantas tem e onde estão localizadas? (FOTO/ Reprodução/ Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri/ YouTube).

Por Nicolau Neto, editor

A História do Brasil se confunde com a história do processo de escravização da população negra e indígena. Foram séculos de violência física, mental e de extermínio que teve como consequência um racismo estrutural. Governantes brasileiros, de imperadores a presidentes, foram responsáveis pela promoção e perpetuação da desigualdade racial, com leis que dificultavam o acesso de negros e negras a direitos fundamentais como a terra e a educação, além de os criminalizarem também por legislação. A Lei de Terras de 1850 e a Lei da Vadiagem de 1942 são exemplos disso.

Apesar desse extermínio, a população negra existe e resiste. Fora do continente africano, o Brasil é o país mais negro do mundo. Mais da metade da população brasileira é negra (56,10%). No Estado do Ceará, por exemplo, esse número sobe para a casa dos 72,5% e em Altaneira, tendo como base o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o número de negros/as representava 71%. No entanto, mesmo se constituindo maioria, negros e negras são minorias nos espaços de poder. O racismo é visto e sentido institucionalmente.

Quando se fala em resistência, em luta por direitos e em formas de organização social como caminhos para se insurgir contra o poder estabelecido e contra a repressão e a escravidão, a palavra Quilombo é uma das (se não a mais) mais apropriadas. Ela não tem origem no Brasil, mas na África. Em terras brasileiras ela aparece no período colonial para fazer referência a grupos de negros e negras escravizadas que ao se levantarem contra o sistema escravista fugiram das amarras dos senhores escravocratas, passando a se aglomerarem e a se fortalecerem em comunidades. Figuras como Zumbi e Dandara (líderes do Quilombo dos Palmares, no atual estado de Alagoas) e Tereza de Benguela (Quilombo do Quariterê, no atual estado do Mato Grosso) são os exemplos mais emblemáticos dessa luta.

Após a Constituição de 1988 (CF/88) é que o termo “remanescentes de quilombolas” aparece pela primeira vez em um contexto marcado pela memória de mais de três séculos de escravidão, mas também por mais 21 anos de recessão, de ausência de liberdade e de torturas trazidas pela Ditadura Civil-Militar. O corpo e a mente do povo negro sofre mais uma vez.

O “remanescente de quilombolas” surge dentro desse contexto, mas também marcado pela redemocratização e o Art. 68 da CF/88, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias traz:

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

Quilombos e comunidades remanescentes destes são símbolos de resistência ao poder estabelecido que segregou e segrega, que escravizou e de luta por direitos básicos como liberdade, terra e moradia e inserção social. O próprio artigo trazido a lume é um exemplo de que as poucas conquistas da população negra são frutos do poder da organização e da mobilização tendo como referência os movimentos negros. Muitas das conquistas estão apenas nos papeis, infelizmente. Outras, estão incompletas.

Quantas têm e onde estão localizadas?

Dados colhidos junto aos órgãos oficiais do governo dão conta de que, com exceção do Acre, Roraima e Distrito Federal, todos os estados brasileiros possuem comunidades quilombolas. No Brasil são mais de 3.000 comunidades reconhecidas onde a base de sua organização e das relações sociais e políticas é a ancestralidade comum, a identidade étnico-racial.

No Ceará, por exemplo, segundo informações da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), há 70 comunidades quilombolas reconhecidas pela Comissão Estadual de Comunidades Quilombolas do Ceará (CEQUIRCE) e pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) distribuídas em mais de 30 municípios e 42 delas já possuem a certificação dada pela Fundação Cultural Palmares, como as localizadas nos municípios de Tamboril, Quixadá, Novo Oriente, Crateús, Itapipoca, Ocara, Salitre, Ipueiras, Tururu, Pacujás, Araripe, Potengi, Aquiraz, Caucaia, Horizonte, Baturité, Croatá, São Benedito, Monsenhor Tabosa, Quiterianópolis, Tauá, Coreaú/Moraujo, Iracema e Acaraú.

Altaneira tem?

Foi veiculado nos principais sites e portais do Ceará, como o Diário do Nordeste e Badalo, uma lista de municípios cearenses que não receberiam novas doses de vacinas anticovid-19 por não terem cumprido meta da vacinação. Dentre eles estaria Altaneira.

Nota veiculada pelo Governo Municipal por meio da Secretaria Municipal de Saúde na noite desta sexta-feira (02) justifica que a retenção através Tribunal Regional da Região (TRF-5), se deu por não terem aplicado vacinas em população Quilombola localizada na zona rural da Bananeira. A Secretaria destacou ainda que desconhece a existência de comunidade no município como quilombola, mas que entrou em contato via e-mail com o estado visando adquirir mapeamento e a lista dos membros dessa comunidade já que foi estipulado uma meta de 1250 pessoas a serem vacinadas.

Outra informação divulgada na nota é que foi feito contato com o presidente da Associação desta comunidade com a finalidade de dispor de documentos que confirmem esses dados e que está no aguardo das respostas.

É importante destacar que em todas os censos já realizados no município, seja pelo IBGE ou por outro órgão, nunca se constatou essa informação. Nenhuma comunidade de Altaneira tinha se autodefinido/autoidentificado como “remanescentes de quilombolas”. Ivan Lima e David da Silva, em artigo intitulado “Territórios quilombolas no Ceará: educação, processo histórico e identidades” referenda esses dados trazidos a lume e citando Simone Dantas (2011) afirmam que:

“No Ceará para compreender e conhecer os quilombos é necessário superar as ausências históricas, reconhecendo dinâmicas diferenciadas em suas formas de ocupação, que incluem: emigração da zona rural para urbana ou suburbana, as fugas com ocupação de terras geralmente isoladas e desocupadas, heranças, doações, recebimento de terras como formas de pagamentos de serviços prestados ao Estado.”

Dados do próprio Governo do Ceará, ao citar as 70 comunidades quilombolas - incluindo as que não dispõem de certificação junto a Fundação Palmares - não consta a referida comunidade de Altaneira. Mapeamento das Comunidades Quilombolas do Ceará iniciado em 2018 e finalizado em março de 2019, conforme publicação no Blog do Quilombo do Cumbe (Cumbe é uma comunidade quilombola de Aracati) também não há menção desta em Altaneira.

O Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) e a Cáritas Diocesana de Crato – CE realizaram um importante trabalho com comunidades rurais de algumas cidades da Região do Cariri, Estado do Ceará. O material refere-se ao Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri.  O trabalho que foi publicado neste Blog ocorreu em 2010 e visitou 25 comunidades em 15 municípios e também não consta Altaneira.

Os dados estão desencontrados, visto que alguns apontam para a existência dela no Sitio Bananeira e mapeada pela Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do Ceará (CEQUIRCE), conforme informações repassadas pela equipe do governo municipal ao Blog Negro Nicolau.

É necessário entrar em contato (obedecendo as regras da OMS) o mais rápido possível com integrantes da comunidade, ver se eles realmente se autodeclararam; se deram entrada junto a Fundação Palmares para a obtenção de documentos que os regularize. Se se autodeclararam e caso não tenham feito é preciso os auxiliar nesse processo. Outro caminho é uma resposta positiva da CEQUIRCE já que a entidade disse ter o mapeamento. Já é um caminho para iniciar a vacinação e correr atrás das documentações para posterior certificação.

Referências

Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri. Blog Negro Nicolau, Altaneira, 10 de maio de 2013. Disponível em: http://negronicolau.blogspot.com/2013/05/mapeamento-das-comunidades-rurais.html. Acesso em: 03 de abril de 2021.

SDA mapeia comunidades quilombolas. SDA, Fortaleza, 28 de jun. de 2012. Disponível em: https://www.sda.ce.gov.br/2012/06/28/sda-mapeia-comunidades-quilombolas/. Acesso em: 03 de abril de 2021.

Informações sobre comunidades quilombolas do Ceará. SEDUC, Fortaleza. Disponível em: https://www.seduc.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/37/2017/01/dados_quilombola.pdf. Acesso em: 03 de abril de 2021.

Mapa das Comunidades Quilombolas do Ceará. Quilombo do Cumbe, Aracati, 08 de dez. de 2009. Disponível em: http://quilombodocumbe.blogspot.com/2019/12/mapa-das-comunidades-quilombolas-do.html?m=1. Acesso em: 03 de abril de 2021.

Territórios quilombolas no Ceará: educação, processo histórico e identidades. Brazilian Journal of Development, 2019. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/1806. Acesso em: 03 de abril de 2021.

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