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Comunidades Quilombolas do Ceará: quantas tem e onde estão localizadas? (FOTO/ Reprodução/ Mapeamento das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri/ YouTube). |
A História do Brasil se confunde com a história do processo de escravização da população negra e indígena. Foram séculos de violência física, mental e de extermínio que teve como consequência um racismo estrutural. Governantes brasileiros, de imperadores a presidentes, foram responsáveis pela promoção e perpetuação da desigualdade racial, com leis que dificultavam o acesso de negros e negras a direitos fundamentais como a terra e a educação, além de os criminalizarem também por legislação. A Lei de Terras de 1850 e a Lei da Vadiagem de 1942 são exemplos disso.
Apesar
desse extermínio, a população negra existe e resiste. Fora do continente
africano, o Brasil é o país mais negro do mundo. Mais da metade da população
brasileira é negra (56,10%). No Estado do Ceará, por exemplo, esse número sobe
para a casa dos 72,5% e em Altaneira, tendo como base o último censo realizado
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o número
de negros/as representava 71%. No entanto, mesmo se constituindo maioria,
negros e negras são minorias nos espaços de poder. O racismo é visto e sentido
institucionalmente.
Quando
se fala em resistência, em luta por direitos e em formas de organização social
como caminhos para se insurgir contra o poder estabelecido e contra a repressão
e a escravidão, a palavra Quilombo é uma das (se não a mais) mais apropriadas.
Ela não tem origem no Brasil, mas na África. Em terras brasileiras ela aparece
no período colonial para fazer referência a grupos de negros e negras
escravizadas que ao se levantarem contra o sistema escravista fugiram das amarras
dos senhores escravocratas, passando a se aglomerarem e a se fortalecerem em comunidades.
Figuras como Zumbi e Dandara (líderes do Quilombo dos Palmares, no atual estado
de Alagoas) e Tereza de Benguela (Quilombo do Quariterê, no atual estado do
Mato Grosso) são os exemplos mais emblemáticos dessa luta.
Após
a Constituição de 1988 (CF/88) é que o termo “remanescentes de quilombolas” aparece pela primeira vez em um
contexto marcado pela memória de mais de três séculos de escravidão, mas também
por mais 21 anos de recessão, de ausência de liberdade e de torturas trazidas
pela Ditadura Civil-Militar. O corpo e a mente do povo negro sofre mais uma
vez.
O “remanescente de quilombolas” surge
dentro desse contexto, mas também marcado pela redemocratização e o Art. 68 da
CF/88, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias traz:
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Quilombos
e comunidades remanescentes destes são símbolos de resistência ao poder
estabelecido que segregou e segrega, que escravizou e de luta por direitos
básicos como liberdade, terra e moradia e inserção social. O próprio artigo
trazido a lume é um exemplo de que as poucas conquistas da população negra são frutos
do poder da organização e da mobilização tendo como referência os movimentos
negros. Muitas das conquistas estão apenas nos papeis, infelizmente. Outras,
estão incompletas.
Quantas têm e onde estão localizadas?
Dados
colhidos junto aos órgãos oficiais do governo dão conta de que, com exceção do
Acre, Roraima e Distrito Federal, todos os estados brasileiros possuem comunidades
quilombolas. No Brasil são mais de 3.000 comunidades reconhecidas onde a base
de sua organização e das relações sociais e políticas é a ancestralidade comum,
a identidade étnico-racial.
No
Ceará, por exemplo, segundo informações da Secretaria do Desenvolvimento
Agrário (SDA), há 70 comunidades quilombolas reconhecidas pela Comissão
Estadual de Comunidades Quilombolas do Ceará (CEQUIRCE) e pela Coordenação
Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) distribuídas
em mais de 30 municípios e 42 delas já possuem a certificação dada pela Fundação
Cultural Palmares, como as localizadas nos municípios de Tamboril, Quixadá,
Novo Oriente, Crateús, Itapipoca, Ocara, Salitre, Ipueiras, Tururu, Pacujás,
Araripe, Potengi, Aquiraz, Caucaia, Horizonte, Baturité, Croatá, São Benedito, Monsenhor
Tabosa, Quiterianópolis, Tauá, Coreaú/Moraujo, Iracema e Acaraú.
Altaneira tem?
Foi
veiculado nos principais sites e portais do Ceará, como o Diário do Nordeste e
Badalo, uma lista de municípios cearenses que não receberiam novas doses de
vacinas anticovid-19 por não terem cumprido meta da vacinação. Dentre eles
estaria Altaneira.
Nota
veiculada pelo Governo Municipal por meio da Secretaria Municipal de Saúde na
noite desta sexta-feira (02) justifica que a retenção através Tribunal Regional da
Região (TRF-5), se deu por não terem aplicado vacinas em população Quilombola
localizada na zona rural da Bananeira. A Secretaria destacou ainda que
desconhece a existência de comunidade no município como quilombola, mas que
entrou em contato via e-mail com o estado visando adquirir mapeamento e a lista dos
membros dessa comunidade já que foi estipulado uma meta de 1250 pessoas a
serem vacinadas.
Outra
informação divulgada na nota é que foi feito contato com o presidente da Associação
desta comunidade com a finalidade de dispor de documentos que confirmem esses
dados e que está no aguardo das respostas.
É importante destacar que em todas os censos já realizados no município, seja pelo IBGE ou por outro órgão, nunca se constatou essa informação. Nenhuma comunidade de Altaneira tinha se autodefinido/autoidentificado como “remanescentes de quilombolas”. Ivan Lima e David da Silva, em artigo intitulado “Territórios quilombolas no Ceará: educação, processo histórico e identidades” referenda esses dados trazidos a lume e citando Simone Dantas (2011) afirmam que:
“No Ceará para compreender e conhecer os quilombos é necessário superar as ausências históricas, reconhecendo dinâmicas diferenciadas em suas formas de ocupação, que incluem: emigração da zona rural para urbana ou suburbana, as fugas com ocupação de terras geralmente isoladas e desocupadas, heranças, doações, recebimento de terras como formas de pagamentos de serviços prestados ao Estado.”
Dados
do próprio Governo do Ceará, ao citar as 70 comunidades quilombolas - incluindo
as que não dispõem de certificação junto a Fundação Palmares - não consta a
referida comunidade de Altaneira. Mapeamento das Comunidades Quilombolas do
Ceará iniciado em 2018 e finalizado em março de 2019, conforme publicação no
Blog do Quilombo do Cumbe (Cumbe é uma comunidade quilombola de Aracati) também
não há menção desta em Altaneira.
O
Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) e a Cáritas Diocesana de Crato –
CE realizaram um importante trabalho com comunidades rurais de algumas cidades
da Região do Cariri, Estado do Ceará. O material refere-se ao Mapeamento das
Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri. O trabalho que foi publicado neste Blog ocorreu
em 2010 e visitou 25 comunidades em 15 municípios e também não consta Altaneira.
Os
dados estão desencontrados, visto que alguns apontam para a existência dela no
Sitio Bananeira e mapeada pela Comissão Estadual dos Quilombolas Rurais do
Ceará (CEQUIRCE), conforme informações repassadas pela equipe do governo
municipal ao Blog Negro Nicolau.
É
necessário entrar em contato (obedecendo as regras da OMS) o mais rápido possível com integrantes da comunidade, ver se eles realmente se autodeclararam; se deram entrada junto a Fundação Palmares para a obtenção de documentos que os
regularize. Se se autodeclararam e caso não tenham feito é preciso os auxiliar nesse processo. Outro
caminho é uma resposta positiva da CEQUIRCE já que a entidade disse ter o
mapeamento. Já é um caminho para iniciar a vacinação e correr atrás das
documentações para posterior certificação.
Referências
Mapeamento
das Comunidades Rurais Negras e Quilombolas do Cariri. Blog Negro Nicolau, Altaneira, 10 de maio de 2013. Disponível em: http://negronicolau.blogspot.com/2013/05/mapeamento-das-comunidades-rurais.html.
Acesso em: 03 de abril de 2021.
SDA
mapeia comunidades quilombolas. SDA,
Fortaleza, 28 de jun. de 2012. Disponível em: https://www.sda.ce.gov.br/2012/06/28/sda-mapeia-comunidades-quilombolas/.
Acesso em: 03 de abril de 2021.
Informações
sobre comunidades quilombolas do Ceará. SEDUC,
Fortaleza. Disponível em: https://www.seduc.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/37/2017/01/dados_quilombola.pdf.
Acesso em: 03 de abril de 2021.
Mapa
das Comunidades Quilombolas do Ceará. Quilombo
do Cumbe, Aracati, 08 de dez. de 2009. Disponível em: http://quilombodocumbe.blogspot.com/2019/12/mapa-das-comunidades-quilombolas-do.html?m=1.
Acesso em: 03 de abril de 2021.
Territórios quilombolas no Ceará: educação, processo histórico e identidades. Brazilian Journal of Development, 2019. Disponível em: https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/1806. Acesso em: 03 de abril de 2021.
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