Constituição democrática precisa ser cumprida, e não refeita

 

Em 5 de outubro de 1988, Ulysses Guimarães declara promulgada a "Constituição Cidadã". Vários pontos ainda carecem de regulamentação, mas mudá-la é tentativa de golpe. (FOTO/ Reprodução).

A ardilosa declaração do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que ontem disse que o Brasil deveria instaurar uma  Assembleia Nacional Constituinte pode parecer lógica para muita gente. Afinal, por que a conquista dos chilenos é aplaudida em todo o mundo e, no Brasil, não podemos fazer o mesmo?

No Chile, em votação no domingo (25), um plebiscito derrubou a Constituição que vigora desde a ditadura de Augusto Pinochet. A Carta Magna do país, mesmo já alterada, mantém bases do modelo neoliberal que inspira, por exemplo, o ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes, que citou o país inúmeras vezes como exemplo a ser seguido, principalmente à época da Reforma da Previdência.

A Previdência Social foi privatizada nos anos 80 e se tornou negócio do sistema financeiro entre os chilenos. A sociedade padece com idosos desesperados, sem aposentadoria ou rendimentos miseráveis. Serviços básicos, como saneamento, também passaram às mãos do capital e o país enfrenta graves problemas de acesso à água.

Devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa Carta só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a nação”, disse o líder de Bolsonaro. Para ele, a Constituição “Cidadã” de 1988 fez do Brasil um país “ingovernável”.

Constituição Cidadã

Para o advogado criminal Luiz Fernando Pacheco, a declaração do líder do governo é “totalmente inapropriada, tanto que, não só o meio jurídico, mas toda a sociedade repudia a ideia de uma nova Constituição”. Para ele, não é de uma nova Constituição que o Brasil precisa, e sim de fazer cumprir as regras que fizeram a Carta de 1988 ser batizada de “Constituição Cidadã”, pelo líder que a conduziu no Congresso Nacional, Ulysses Guimarães.

O também advogado e ex-presidente da OAB Luiz Flávio D’Urso lembra o período não apenas simbólico, mas politicamente objetivo em que a Constituição de 1988 foi construída e promulgada – em 5 de outubro daquela ano (acesse a íntegra aqui). “Ela veio num período posterior a uma série de violações à cidadania. As garantias individuais foram suspensas durante um período de regime militar”, afirma. “Essa preocupação é que ajudou a cunhar expressão ‘Cidadã’”.

Evidentemente, a “Lei das leis”, como costuma definir o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, precisa de regulamentações. O que, para D’Urso, é natural. Mas, para isso, há os mecanismos das emendas constitucionais, que ajustam essas necessidades, ou mesmo a regulamentação, quando emendas não são necessárias.

A ideia de Ulysses, quando cunha a frase e batiza a Constituição de Cidadã, é porque efetivamente é um documento voltado à cidadania, à proteção do indivíduo diante da grandeza do Estado”, acrescenta D’Urso.

 O artigo 5º da Constituição brasileira, inspirado em princípios antigos, da Revolução Francesa (1789), e, mais recentemente, na Carta das Nações Unidas, promulgada logo após o término da Segunda Guerra Mundial, reflete esses princípios expressamente: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

 Chile ou Brasil?

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rechaçou enfaticamente a ideia de Barros, ao jornal O Estado de S. Paulo. “A situação do Chile é completamente diferente da do Brasil. Aqui, o marco final do nosso processo de redemocratização foi a aprovação da nossa Constituição em 1988. No Chile, deixaram esta ferida aberta até hoje”, resumiu.

 Em campo político muito diferente, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR) também observou o que, para muitos, é óbvio, mas para o governo brasileiro e seu líder não é. “Não precisamos de nova Constituição, fizemos uma depois da ditadura militar, o que não aconteceu no Chile. A nossa ‘Constituição Cidadã’ é humanista e inclusiva, (e) se ela estivesse sendo cumprida, não estaríamos nesse caos”, escreveu nas redes sociais

 Ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Velloso classificou a ideia de Ricardo Barros como “golpe”, segundo o G1. “Em síntese, seria um golpe de Estado, porque não se muda a Constituição ao sabor da vontade das pessoas. Não. A Constituição foi feita para durar”, declarou.

 Na mesma linha, Luiz Flávio D’Urso comenta: “o período de 30 anos ainda é pequeno diante da necessidade de uma legislação constitucional que precisa ser perene, e não mudar de tempos em tempos”, diz. “Quanto mais a nossa Constituição puder estabelecer princípios e premissas, maior segurança haverá para todo o Brasil.

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Por Eduardo Maretti, na RBA.

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