Sobrevivência Humana: Inimigos Biológicos, por Waltécio*


Sobrevivência Humana: Inimigos Biológicos. (FOTO/ Reprodução/ Macaco Alfa).

É exatamente meio dia, você está chegando em casa, prepara-se para o almoço quando de repente escuta o bater na porta: "toc-toc".

Quem será? Por que justamente você foi escolhido para ter visitas na hora do almoço? Que sorte, hein?! Ou o maior azar?!

Agora em 2009 comemoramos 200 anos do nascimento de Charles Darwin e 150 anos pela publicação de sua obra máxima “A Origem das Espécies” (*). Evidências e fatos empíricos da Evolução estão hoje muito bem descritos na literatura. Entre as evidências lista-se a microevolução, onde espécies que surgiram bem diante de nossos narizes, seja por nossa intervenção (hibridação, manipulação genética, etc.), seja por fatores naturais. Um dos exemplos desse último caso compreende a origem de novos vírus letais a nós humanos. No ano de celebração a Charles Darwin, vimos o surgimento de mais uma nova geração de vírus da gripe. Centenas de pessoas estão mortas e muitas outras centenas estão enfermas... Os vírus continuam no ar e evoluem...

O pior disso tudo é que os vírus da gripe não são os nossos únicos inimigos biológicos!!! Bactérias, protozoários, platelmintos, nematelmintos e artrópodes, a lista é muito grande! Olhem apenas para a diversidade de formas e cores das bactérias abaixo:



Caso você tenha lido os posts mais antigos deste blog, lembrará do que eu faço no dia a dia. Pesquiso parasitas das vias respiratórias dos vertebrados:

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Já no post anterior (Sobrevivência Humana: Tudo Mudará para Sempre) ficou mais do que claro que a regra da natureza é a mudança! Nós estamos mudando de lugar no espaço-tempo desde a singularidade do big-bang que deu origem ao universo. Isso ocorre macro e microscopicamente.

Desde o início da vida estamos em uma corrida armamentista contra nossos inimigos biológicos. Isso se chama Teoria da Rainha Vermelha, mudamos para nos tornar mais eficientes, ou apenas enganar nossos predadores e parasitas. Entretanto, essas criaturas fazem o mesmo! O resultado dessa história são gazelas e guepardos velozes com a mesma capacidade.

Se predadores e parasitas (**) forem muito letais, suas presas e hospedeiros sucumbem ao ponto de se extinguirem. No início isso pode não ser tão grave para inimigos generalistas. A maioria dos parasitas que estudo, por exemplo, os de lagartos, parasitam várias espécies ao mesmo tempo. A desvantagem é enfrentar tudo diferente em larga escala: sistemas imunológicos diversos, hábitos alimentares variados e muitos outros micro e macroparasitas que competem pelos mesmos recursos (às vezes o mesmo local de fixação no hospedeiro).

Tornar-se específico possui vantagens nesse contexto, desde que o parasita não seja letal para seu hospedeiro. Isso pode ser a origem de toda a relação mutualística e simbiótica. Da antítese à síntese, segue assim a dialética da natureza!

Quantos inimigos biológicos nós humanos possuímos?

É difícil de responder com números e a estimativa é sempre imprecisa!!! Há milhões de espécies de animais, algas, plantas e fungos que não conhecemos e ainda muito mais de microrganismos do mesmo jeito. Soma-se a isso a evolução: "tudo está em constante modificação"!!

Entretanto, nós que estudamos parasitas sabemos de algumas coisas. Uma das mais importantes: a quantidade de parasitas é diretamente proporcional ao aumento da densidade das populações dos seus hospedeiros. Simples assim, maior o número de hospedeiros, maior o número de parasitas à espreita. Isso vale para nós e toda nossa criação de animais. Dessa forma, conhecemos muito bem de onde vem todas as nossas piores doenças infecciosas desde a revolução agropecuária, não é mesmo? Vivendo todos “juntinhos”, nós em bilhões de indivíduos juntos com animais e plantas domésticas. Tudo isso fica muito melhor ainda... para os parasitas, claro!

O convívio com zoonoses viróticas levou a morte milhões de pessoas. Por exemplo, os europeus sofreram séculos e séculos por causa do sarampo e varíola. Os que sobreviveram levaram consigo Morbillivirus e Orthopoxvirus para as Américas, desencadeando assim uma guerra biológica silenciosa e invisível que foi decisiva para a conquista do Novo Mundo. Sem contato prévio com esses inimigos, os sistemas imunológicos dos ameríndios estavam desprotegidos. Impérios caíram, milhões de pessoas morreram diante dessa força natural. Os europeus tinham razão, eles possuíam uma força divina ao seu lado... Só não sabiam que a natureza dessa força não tinha nada haver com algo metafísico.

Perguntei aos meus alunos no laboratório há 15 dias:

“Por que somos a maior população de vertebrados da história deste planeta?”

Resposta: porque conseguimos “escapar de nossos inimigos” (***), da mesma forma que animais exóticos e invasores. Além de nossa diversidade imunológica, que já é uma arma muito eficiente, usamos nossa inteligência primata em termos científicos para desenvolver fármacos, saneamento público, vacinação em larga escala, controle de zoonoses e pragas das culturas agropecuárias.

Assim como canta a canção em nosso Hino Nacional, nós humanos somos gigantes pela própria natureza, belos, fortes e impávidos colossos. Todavia, nosso futuro não espelha essa grandeza! Somos bilhões de indivíduos vivendo em grandes centros de alta densidade populacional. Um paraíso para nossos inimigos naturais. Hoje em dia, seguramos a porta de nossas cidades para manter fora delas esses terríveis seres... Mesmo assim, bactérias conseguem viver em reatores nucleares, ou mesmo a temperaturas acima de 95 graus Celsius. Contra criaturas assim, deveríamos esperar que, por seleção natural, aquelas bactérias que combatemos com antibióticos poderiam desenvolver resistência aos nossos medicamentos. O que já aconteceu há décadas!

Os vírus?! Se nossa definição de seres vivos não se encaixa bem a eles, então vamos encarar a realidade do que essas criaturas são: “replicantes moleculares” altamente eficientes e mutáveis.

Esses replicantes não possuem qualquer outro objetivo senão fazerem cópias de si mesmos utilizando para isso nossas células de diferentes maneiras. Como todo parasita novo, ao surgir possuem alta virulência (transmissão e mortalidade), após algumas gerações vivendo juntos, a virulência diminui, ou mesmo pelo simples aumento da resistência imunológica dos hospedeiros, tudo pelo jogo da seleção natural que elimina os vírus muito letais com a morte de parte dos hospedeiros e a sobrevivência dos mais resistentes. Nesse jogo de evolução co-específica, seguimos os caminhos através do espelho de Alice e a Rainha Vermelha, correndo todos juntos e não indo a lugar algum. No saldo final, passamos a conviver nós e eles até o fim dos tempos. Nesse cenário, nós somos as gazelas e eles os guepardos. É bom você correr, porque senão, o bicho pega!

Esperávamos pelo H1N1 e deixamos claro para todos, que ainda haverá mais pandemias ainda neste século. Afortunados os que sobreviverão, mas deveríamos reverenciar aqueles que morreram e morrerão em holocausto, eliminando consigo as primeiras cepas letais dos nossos novos e velhos inimigos biológicos.

Em muitos casos não esqueça de adicionar ainda a essa fórmula viver sem saneamento público, poluição e destruição de ecossistemas. É estranho como de um lado enfrentamos os inimigos com ciência e do outro “liberamos geral” devido ao nosso lindo e maravilhoso sistema sócio-econômico de exclusão social!!! Somos um paradoxo!

O resultado desse paradoxo é que temos explicitamente a distribuição de nossos inimigos biológicos conforme a divisão social. Seguem alguns números "otimistas" disso obtidos aqui na internet: mais de 100 mil pessoas morrem por ano de ascaridíase (lombrigas)!!! Aqui no Brasil estima-se que 14 mil pessoas morrem por ano de doença de Chagas!!! Se você não está sensibilizado com toda essa dor, saiba que apenas no Rio de Janeiro registra-se 800 mortes por ano de tuberculose e em todo o país são cerca de 5 mil mortes por ano.

Todas essas doenças e outras estão ligadas à pobreza e parecem longe demais das TVs e noticiários. Já a gripe A, vem pelo ar, afeta quem viaja muito e está em qualquer lugar. Acomete a “classe média” e os dominantes. É um terror de dois pesos e duas medidas: morram os pobres, salvem os ricos!

Antes de terminar, vamos caminhar pelos “jardins do senhor”, vejamos algumas das criaturas “lindas” que estão a nossa volta há milhões de anos como o mosquito flebótomo e as larvas das moscas Oestrus ovis:
A dor de cada um está na medida do encontro conflituoso entre nós e eles.

No século XIV enfrentamos a peste negra, no início do século XX foi a gripe espanhola... Milhões de pessoas sucumbiram para eu e você estarmos aqui. Elas não tiveram escolha, apenas falta de sorte ao encontrar com seus velhos e novos inimigos biológicos. Em diferentes épocas e países essas pessoas abriram as portas de suas casas e lá estavam seus inimigos invisíveis. Foram encontros mortais em larga escala!!!

Somos apenas criaturas biológicas como qualquer outra, parasitados e predados por várias espécies de seres vivos.

Todos os dias e noites nossos inimigos biológicos batem à porta: "toc-toc"!!!

A sobrevivência humana segue à evolução das espécies!
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Publicado originalmente no Blog Macaco Alfa.

* Concluiu estágio pós-doutoral (2006) sobre ecologia de endoparasitas pulmonares de vertebrados pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), doutorado (2003), mestrado (1999) e bacharelado (1996) em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Atualmente é Professor Associado da Universidade Regional do Cariri - URCA, desenvolve pesquisas com parasitologia de animais silvestres e sobre etnozoologia dos hospedeiros estudados (anfíbios e répteis).

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