Professores Nicolau Neto e Maria Telvira debatem Lei 10.639/2003 durante semana de filosofia da UFCA


Mesa debate avanços e desafios da Lei 10.639/2003 durante IX Semana de Filosofia da UFCA. (Foto: Wellia Felipe).


A Universidade Federal do Cariri, campus Juazeiro do Norte – CE, vem promovendo desde o dia 19 a Semana de Filosofia. O evento anual é organizado pelo Centro Acadêmico de Filosofia tendo em 2018 como tema “O Lado Negro da Filosofia: Africanidades, Educação e Resistência”, visando proporcionar o compartilhamento de experiências e conhecimentos entre estudantes, pesquisadores, docentes e demais membros da comunidade.

Segundo informações da coordenação do evento, as ações deste ano contará com mesas redondas, rodas de conversa, oficinas, minicursos, vivências e apresentação de produções acadêmicas e não-acadêmicas e a escolha da temática partiu da necessidade de “fazer afrontamento à ausência de estudos e pesquisas sobre africanidades e filosofia africana na UFCA e na academia de modo geral”, além de pretender “afrontar a problemática da construção e perpetuação de um espaço hegemonicamente branco, assim como a importância de reafirmar a necessidade da política de cotas raciais e sua efetivação na prática”. “Outro aspecto fundamental é pensar a permanência das pessoas negras nas instituições de ensino superior que são estruturalmente racistas”, argumentou-se.

A Semana está sendo norteada a partir de três eixos centrais inter-relacionados - africanidades, educação e resistência -, objetivando, dentre outros, refletir e fazer enfrentamento aos longos anos de injustiça e invisibilização epistemológica para com as produções de autores e correntes filosóficas de pensamento não-eurocêntricas, nesse caso específico, as de origem africana e afrodescendente. Para tanto, vem desenvolvendo uma ampla e diversificada programação.

Professora Maria Telvira fala sobre os projetos antirracistas no Brasil e o papel da escola. (Foto: Wellia Felipe).

Na quarta-feira, 21, a professora doutora do Departamento de História da URCA, Maria Telvira e o professor especialista e ativista do GRUNEC, Nicolau Neto, participaram de uma mesa redonda que tinha como proposta discutir "Os Avanços e Desafios da Lei 10.638/2003: História e Cultura Afro-brasileira na Educação Básica”.

Telvira versou sobre a trajetória da educação e a luta do povo negro pela libertação com enfoque sobre “os projetos antirracista no Brasil e o papel da escola”. Ela trouxe a luz diversas iniciativas, coletivas e individual, de pessoas negras em educar crianças e jovens de pela negra. Ela citou como exemplo a iniciativa do professor “preto” Pretextato dos Passos e Silva que, no século XIX (ainda no período escravocrata) criou uma escola específica para esta parcela da população.

A professora relata que no Brasil as elites Brancas sempre fizeram de tudo para não se “misturar” com o povo negro, se valendo do próprio caso de Pretextato para referendar sua posição. Segundo ela, o próprio professor relatou na época que “em algumas escolas os pais dos estudantes de pele branca não queriam que seus filhos e filhas “ombreiassem” com os de pele negra. Ele discorreu ainda que o pais carrega traços de um sistema escravista implementado em mais de três séculos e que a falsa ideia de igualdade é o principal obstáculo para a construção de um projeto de escola antirracista. E concluiu afirmando que antes de 2003 nada de concreto se tinha nas escolas sobre a história e cultura afro-brasileira, africana e indígena e ressaltou que o que se vem discutindo é sobre desigualdades raciais que gera uma desigualdade de oportunidades. O que acaba confrontando a igualdade formal expressa na Constituição de 1988 e a igualdade real inexistente na sociedade brasileira.

Já Nicolau falou especificamente dos avanços e dos desafios da lei. Ele destacou que ali estava de discutindo sobre uma lei federal que completou 15 anos e que ela é importante porque “já deu uma grande contribuição para nós, enquanto país, uma vez que que trata-se de um documento a nível federal e que com peso legal”. “Por ela e a partir dela”, disse, “construiu-se ferramentas pedagógicas legalizada que pode garantir, de bem utilizada, que todos nós tenhamos acessos a conteúdos antes silenciados que corroborem para a formação humana/cidadã baseado na nacionalidade, na identidade e na diversidade do povo negro e indígena”.

Professor Nicolau Neto versou sobre os avanços e desafios da lei 10.639/200 durante a IX Semana de Filosofia da UFCA. (Foto: Wellia Felipe).

Ao se debruçar nos 15 anos da lei que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, Nicolau arguiu que a própria obrigatoriedade permite que ela (lei) se torne uma realidade, pois de alguma maneira se aborda nas salas de aula. O que, segundo ele, faz com que “fiquemos vigilantes para a forma com que se aborda”. “Muitas vezes são discussões fora de propósito e que podem levar a perpetuação do racismo e das desigualdades”.

Para Nicolau há em algumas escolas um histórico de professores e professoras que decidem trabalhar os conteúdos – muitas vezes com fortes ligações com os movimentos sociais negros -, e que ainda colaboram e incentivam os demais companheiros de jornada de outras disciplinas a trabalharem nesse sentido. “Isso é um desafio que foi colocado a partir da lei e vem se tornado um forte e bom desafio pedagógico”, ressaltou.

Por isso a lei já e uma realidade nas escolas, embora ainda não tenha sido efetivada plenamente. É uma realidade quando vemos que atinge alguns profissionais. É uma realidade quando ela nos impõe a enfrentar cotidianamente as adversidades, muitas vezes impostas no próprio ambiente de trabalho”.

Na parte final, o professor destacou os principais desafios no que pese a aplicabilidade da lei. Para Nicolau, a maior dificuldade em implementar essa discussão vem dos próprios ambientes de ensino. Seja pela ausência de formação na área, seja por tendo, se recusam a efetivá-la. “Por que isso ocorre? ”, indagou. “Ocorre”, em virtude do imaginário do povo brasileiro que desvaloriza as nossas raízes; que não reconhece a história do povo negro no que pese as vivências e as identidades. É um imaginário que se arvora em dizer que todos somos iguais e que não há racismo no pais e que por isso abordar essas questões leva a um “racismo reverso”, o que segundo o professor, “é descabido”.  Tudo isso acaba por contribuir ainda mais na resistência nas escolas em aplicar a lei.

Universitários e professores fizerem intervenções após as falas de Telvira e de Nicolau. (Foto: Rodrigo Manfredine).
Para Nicolau, outro grande desafio é fazer com que as pessoas envolvidas diretamente no processo de ensino-aprendizagem nos estabelecimentos oficias entendam “que nós precisamos educar para as relações étnico-raciais”.  

Por fim, disse:

"se há resistência em aplicar a lei haverá também por nossa parte resistência, pois essa é a nossa marca. A nossa história nos credencia a ter esperança de que as futuras gerações possam ter um ensino sem a necessidade de leis para destacar o óbvio. Que essas futuras gerações possam ter acesso a esses conteúdos a serem estudados”.

Após as falas, universitários/as e professores/as fizeram intervenções. O evento segue hoje e amanhã com minicursos, rodas de conversas. A Mesa de encerramento debaterá o tema “A carne mais barata do mercado...: a racialidade em tempos de fascismo” com os professores Me. Maria Yasmim (UECE) e Edson Xavier (URCA).




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