O que isso significa Trump reconhecer Jerusalém como capital de Israel?


Homem observa Muro das Lamentações e o Domo da Rocha no complexo das Mesquita de Al-Aqsa em 5 de dezembro. O futuro da cidade deveria ser negociado. (Foto: Thomas Coex/ AFP).
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou nesta quarta-feira 6 que seu país reconhece Jerusalém como a capital de Israel e anunciou planos para levar para a cidade a embaixada norte-americana, atualmente localizada em Tel Aviv. Trata-se de um fato que não tem nada de banal. As medidas são uma clara provocação aos palestinos e podem ser o estopim de mais violência na região. Consistem, também, uma vitória para a extrema-direita israelense, o que pode comprometer de maneira definitiva o processo de paz.

A mudança da embaixada é uma promessa de campanha de Trump. Seu público-alvo eram os apoiadores da extrema-direita israelense, como o empresário Sheldon Adelson, o maior doador de sua disputa eleitoral, e também alguns grupos evangélicos norte-americanos. Para muitos destes, o retorno dos judeus à "terra prometida" seria a realização de uma profecia bíblica ligada ao retorno de Jesus Cristo e ao fim do mundo.

Trump não foi o primeiro político norte-americano a prometer a transferência da representação diplomática. Na realidade, a medida foi aprovada em 1995, por um ato do Congresso. Costumeiramente irresponsáveis no que tange a política externa, os parlamentares norte-americanos colocaram ali um peso sobre a Casa Branca. Assim, por 22 anos, Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama assinaram, semestralmente, um adiamento da mudança da embaixada, argumentando que a realocação não condiz com os interesses de segurança nacional norte-americanos. Até Trump aparecer.

A guerra de 1967

Os presidentes adiavam a transição por uma questão explicada por um fato simples: Jerusalém não é a capital de Israel, ao menos não ainda aos olhos da comunidade internacional. A imensa maioria dos países do mundo reconhece a existência de Israel como Estado, mas nenhum deles, à exceção de Israel, assente com a caracterização de Jerusalém como sua capital. Isso porque a resolução da Partilha da Palestina, aprovada pelas Nações Unidas em 1947, determina que, além da criação de um Estado judeu e outro árabe, Jerusalém fique sob um regime especial internacional.

Ocorre que tal resolução não foi aceita pelos árabes. Em 1948, Israel declarou sua independência e o que se seguiu foi a Guerra Árabe-Israelense. No fim daquele conflito, Israel controlava todo o território atribuído aos judeus pela partilha de 1947, mais uma significativa fatia da área designada aos árabes, além da metade ocidental de Jerusalém. Quase duas décadas depois, na Guerra dos Seis Dias (1967), Israel ocupou a Faixa de Gaza e a Cisjordânia e, com eles, mais de um milhão de palestinos que permanecem, com seus filhos e netos, controlados por uma administração militar.

Em 1967, Israel ocupou, também, a porção oriental de Jerusalém, até então sob os cuidados da Jordânia. O país foi tomado pelo júbilo de uma espetacular vitória militar. Muitos religiosos ortodoxos, comparando os seis dias da guerra ao número de dias que o Deus do Velho Testamento levou para construir o mundo, passaram a falar do “início da redenção”. Poucas vozes se levantaram para alertar sobre o que viria pela frente. Uma delas foi a do filósofo Yeshayahu Leibowitz, segundo quem a ocupação criaria um Estado policial e traria repercussões negativas para a educação, a liberdade de expressão e a democracia.

Para os políticos israelenses, o presente importava mais que o futuro. Temendo a pressão dos EUA, que dez anos antes havia obrigado Israel a devolver a Península do Sinai ao Egito, o governo se mobilizou para realizar mudanças irreversíveis. Dias depois da tomada de Jerusalém, um quarteirão inteiro da chamada Cidade Velha, erguido no século 12, foi demolido para ampliar a entrada do que é hoje o Muro das Lamentações, local sagrado para os judeus. Na mesma época, três vilas palestinas no caminho entre Jerusalém e Tel Aviv foram demolidas e seus moradores, expulsos. Anos depois, o local virou um parque.

A ocupação marcou a política israelense. O espectro eleitoral se deslocou para a direita e discursos religiosos tomaram de assalto a sociedade. O país é uma democracia até certo ponto funcional, com uma economia altamente desenvolvida, mas na Cisjordânia opera um militarismo autoritário cuja principal forma de atuação é a punição coletiva. A Faixa de Gaza, por sua vez, é uma prisão a céu aberto, depauperada e desesperada.

Em meio da forças de segurança israelenses, mulher e crianças palestinas caminham no campo de refugiados de Shuafat, em Jerusalém Oriental, em 5 de dezembro. A repressão é a regra. (Foto: Ahmad Gharabli/ AFP).

Quanto a Jerusalém, a cidade passou a ser proclamada por Israel, desde 1967, sua capital indivisível. A política de ocupação da Cisjordânia por meio de assentamentos, justificada por motivações militares e religiosas, amplia os limites da cidade à medida que inviabiliza a criação de um Estado palestino. A área que Israel chama hoje de “Grande Jerusalém”, onde moram cerca de 150 mil israelenses, na realidade é uma série de assentamentos ilegais erguidos em território palestino ocupado.

Mediação

Nas diversas tentativas de se colocar israelenses e árabes para negociar, o status de Jerusalém era um dos assuntos mais sensíveis, como a situação dos refugiados palestinos ou a segurança de Israel, por exemplo. Reconhecer Jerusalém como capital de Israel seria tomar parte de um dos lados antes de a paz estar sacramentada. Por isso, Clinton, Bush e Obama evitaram aquiescer ao desejo israelense, assim como todos os países que reconhecem a existência de Israel.

O poder destrutivo da realocação da embaixada é evidente. “Jerusalém é uma linha vermelha para os muçulmanos”, afirmou o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, antes do anúncio de Trump. "O Irã não tolerará uma violação das santidades islâmicas", disse o presidente iraniano, Hassan Rouhani. Na Arábia Saudita, viciada em redes sociais, uma hashtag dizendo que "Jerusalém é a capital eterna da Palestina" foi um dos assuntos mais comentados na manhã desta quarta-feira 6.

"Não sei se isso provocará distúrbios, mas haverá, sem dúvida, manifestações populares em toda parte. Espero que não haja violência", disse Nabil Chaath, conselheiro de alto escalão do presidente palestino, Mahmud Abbas. A reação da população palestina é uma incógnita, mas o acirramento dos ânimos por parte dos políticos pode levar a uma nova revolta civil contra Israel. Seria um desdobramento negativo para Israel, uma vez que seu conflito particular com os palestinos perdeu centralidade no caos do Oriente Médio, hoje guiado muito mais pela dinâmica da rivalidade entre a Arábia Saudita e o Irã.

A médio prazo, o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel também abala a segurança regional, pois ameaça a capacidade de Washington de fazer israelenses e palestinos negociarem. "Esta decisão colocaria fim ao papel dos Estados Unidos como mediador de confiança entre palestinos e as forças (israelenses) de ocupação", alertou o secretário-geral da Liga Árabe, Ahmed Abul Gheit. Chaath, o porta-voz do governo palestino, confirmou. “Não aceitaremos a mediação dos Estados Unidos, não aceitaremos a mediação de Trump. Será o fim do papel desempenhado pelos americanos neste processo". Sem os EUA, não há mediador disposto ou capaz para este conflito.

Vitória da extrema-direita

A decisão de Trump é uma importante vitória para a extrema-direita israelense. Este setor, que hoje domina a política de Israel, é abertamente hostil à chamada "solução de dois Estados" – baseada na decisão da ONU de 1947 que previu um país para judeus e outro para os palestinos. As negociações de paz, que vão e voltam, têm justamente esse objetivo – criar o Estado palestino vizinho a Israel. Não à toa, o governo atual, comandado por Benjamin Netanyahu, age deliberadamente para sabotar o diálogo.

Este grupo é altamente influente nos Estados Unidos, particularmente na administração de Donald Trump. Exemplo disso é David Friedman, o embaixador dos EUA em Israel. Advogado de Trump e seu conselheiro para o Oriente Médio, Friedman chama a presença militar israelense na Palestina de "alegada ocupação" e é abertamente contrário à solução de dois Estados. Durante a campanha presidencial, Friedman comparou o J-Street, um grupo esquerdista de judeus norte-americanos favoráveis à criação da Palestina, aos kapos, judeus que auxiliaram os nazistas durante o Holocausto.

No pronunciamento desta quarta, Trump disse ser favorável à solução de dois Estados e negou que o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel signifique uma tomada de posição dos Estados Unidos. Dificilmente essa tentativa de minimizar os danos da medida será efetiva. Para todos os efeitos, Trump adotou uma política israelense de forma unilateral, algo com o que os palestinos estão acostumados.

Ao longo do tempo, Israel buscou moldar sua existência, e a relação com os árabe-palestinos, a partir de "fatos consumados" – primeiro muda a realidade e depois faz com que ela seja aceita. Foi assim com a presença judaica na região antes da partilha, com o programa nuclear e com as ocupações. O próximo passo é inviabilizar na prática a possibilidade de os territórios palestinos hoje ocupados, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, formarem um país. O reconhecimento de Jerusalém como capital e a expansão da "Grande Jerusalém" são partes centrais deste projeto.

Falta à empreitada extremista, ao menos parcialmente esposada por Trump, visão de futuro. Os detratores da solução de dois Estados não têm uma proposta alternativa. Defendem, na realidade, a manutenção do status quo – democracia em Israel e ditadura nos territórios palestinos, um quadro que se assemelha a um apartheid. Trata-se de uma visão de curto prazo, que ignora o cenário demográfico (favorável aos palestinos) e o fato de que a segurança de Israel a longo prazo reside em sua legitimação diante dos países muçulmanos, o que se dará apenas com o estabelecimento do Estado Palestino. (Com informações de CartaCapital).

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