Obra do historiador Juremir Machado reflete sobre o posicionamento da imprensa na época da abolição da escravidão


O conservadorismo que dificultou o processo de abolição da escravatura no Brasil ainda não foi totalmente dissipado. Em pesquisa de cinco anos que originou livro, o jornalista e historiador Juremir Machado analisou o posicionamento da imprensa nos dias subsequentes ao 13 de maio de 1888. A conclusão é fatídica: “a mídia brasileira, como se diz hoje, ainda é muito conservadora e reativa aos interesses dos mais pobres, que tendem a ser vistos como despreparados”, diz o autor.

Em entrevista ao O POVO, Juremir apontou que muitos dos termos usados para tentar assegurar “direitos dos poderosos” na contemporaneidade, já eram encontramos nos periódicos de 1888. “O Barão de Cotegipe, desesperado para frear a história, falou em nome da responsabilidade, da razoabilidade, do bom senso, da ponderação, da prudência, da boa fé e do direito”, exemplifica.

O livro Raízes do conservadorismo brasileiro foi lançado após cinco anos de pesquisas ininterruptas. Alguns aspectos daquele período, que acabaram apagados dos livros de história, são trazidos à tona por Juremir - como o papel decisivo que os próprios negros tiveram no processo de abolição. “As pessoas negras que lutaram contra a escravidão não são lembradas porque a história oficial foi contada por quem detinha o poder”, elucida Jarid Arraes, cordelista e escritora cearense.

Não era e continua não sendo interessante para grupos dominantes que os grupos que foram violentados contem suas histórias e suas versões sobre os fatos. Por isso homenageamos grupos que realizaram genocídios contra os indígenas e negros, mas não aprendemos sobre Maria Firmina dos Reis (1825 - 1917, escritora maranhense considerada a primeira romancista brasileira) na escola. Isso tudo é resultado do racismo, das consequências da escravidão que não foram combatidas. Mas felizmente, com muita luta, estamos recontando nossa história e trazendo para a luz os heróis e heroínas que lutaram contra a escravidão, o racismo e outras formas de violência”, explica Jarid, que recentemente lançou o livro Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis.

A pesquisa de Juremir Machado nos periódicos brasileiros mostra que os mesmos termos usados em 1888 continuam sendo usados em 2017. Alguns personagens, segundo o autor, se destacam. O Barão de Cotegipe, figura emblemática, por exemplo, também falou que “A propriedade sobre o escravo, como sobre os objetos inanimados, é uma criação do direito civil. A Constituição do Império, as leis civis, as eleitorais, as leis de fazenda, os impostos, etc., tudo reconhece como propriedade e matéria tributável o escravo, assim como a terra”. Já o senador Paulino de Sousa, segundo o escritor, apelou para aspectos jurídicos e humanitários. Afirmou que a lei Áurea era inconstitucional, antieconômica e desumana. “Sempre os mesmos artifícios e argumentos”, sintetiza Juremir.

Para Américo Souza, professor do Instituto de Humanidades e Letras da Unilab, a abolição da escravatura no Brasil fracassou - pois tirou as populações escravizadas da condição de propriedade, mas não lhes deu as condições para que fossem inseridos na sociedade como cidadãos. “Sem terra, sem teto, sem educação formal, sem um ofício e alvo de um arraigado preconceito racial, a grande maioria dos libertos em 1888 passou da condição propriedade à marginalização social e política. A situação hoje não é muito diferente daquela, os baixíssimos índices de acesso à educação e saúde de qualidade pela população negra, somados à violência policial e a política de encarceramento em massa de que são vítimas, expressam o racismo estrutural que está base das desigualdades sociais do País”, argumenta.



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