Minha família não fugiu a regra da maior influência religiosa do país. Cresci em meio a pobreza e aos valores católicos que, contraditoriamente à vida, valorizavam essa pobreza. E no Natal, marco maior da crença, dividir o pão, comungar o momento, os alimentos e o desejo coletivo de felicidade e melhores dias, me marcaram profundamente.
Por
Douglas Belchior, no Blog Negro Belchior
Mais tarde, na práxis da vida real, a religião virou pó. Mas alguns de seus valores não.
Que
o Natal sirva, ao menos, para lembrar o quanto melhor seria o mundo, se nosso bem
fazer, se nosso bem querer se estendesse para além do umbigo e dos desejos
materiais tão eficientemente encarnado pelo fantasioso Papai Noel.
Que
o espírito de Jesus, homem com pés da cor de bronze queimado, com pele da cor
de jaspe e sardônio e com cabelos feito lã de cordeiro, nos fortaleça em nossa
luta diária pela tal justiça, tão desejada entre nós!
E
que sejamos felizes, o quanto for possível, apesar dos pesares, tão bem
colocados por Frei Betto na entrevista a seguir.
Asè!
Mercado procura obscurecer Jesus e
impor Papai Noel no Natal
Carlos
Alberto Libânio Christo, mais conhecido como Frei Betto, vive no convento de
ordem dominicana, em Perdizes. Autor de 53 livros, já ganhou o Prêmio Jabuti
pelas obras “Batismo de Sangue” e “Típicos Tipos – perfis literários”.
Por
Guilherme Almeida, no Brasil de Fato
Em
entrevista concedida ao Brasil de Fato SP, Betto elogia o Papa Francisco,
analisa as mudanças no Vaticano e a crise da Igreja Católica no Brasil. Ele
demonstra preocupação com o processo de “confessionalização da política”.
Qual é sua avaliação sobre o Papa
Francisco?
Foi
uma grande novidade a eleição do [Jorge Mario] Bergoglio. É um latino-americano
e tem muita sensibilidade pela questão social. Realmente, seus primeiros passo
são positivos. Começou uma reforma da Igreja de cima pra baixo, o que
corresponde à estrutura piramidal da Igreja Católica. Foi um fato praticamente
inédito a renúncia do Bento XVI. E ele deixou o cargo deixando claro as razões.
Disse que havia uma esquema de corrupção na Igreja, que precisava ser combatido
mas que não tinha forças.
O que mudou com o novo Papa?
Ele
abandonou uma série de símbolos que eram da nobreza, como a capa, o sapato
vermelho e a cruz de ouro. Abandonou títulos derivados muito mais do Império
Romano do que da tradição cristã como sumo pontífice. Também é interessante o
fato dele preferir morar na Casa de Santa Marta, que é uma casa de hóspedes,
com um refeitório usado pelo pessoal que trabalha no Vaticano, largando a
residência pontifícia.
Houve alterações na estrutura da
Igreja?
Agora,
ele nomeou uma comissão de oito cardeais de cinco continentes para estudar a
reforma da cúria, mas só saberemos o resultado no fim de janeiro. O novo Papa
deu sinais também de querer reformar ou até erradicar o Banco do Vaticano, que
oficialmente tem o nome de Instituto de Obras Religiosas. Os fundamentalistas
de direita dentro da Igreja começam a ficar preocupados.
O que essas modificações apontam?
Deslocam
o debate dentro da Igreja do pessoal para o social. Abre-se pistas para uma
nova teologia, principalmente a respeito da moral sexual, que é um tema
congelado dentro da Igreja desde o século 16. Acentua-se também a questão da
opção pelos pobres e a denúncia da desigualdade social.
Qual é o principal desafio da Igreja
agora?
O
desafio principal está na questão dos ministérios, da ordenação de mulheres e
na moral sexual. A questão financeira também é importante, porque há corrupção,
mas não é prioritário. O mais urgente é a Igreja se abrir para a
pós-modernidade. Portanto, rever questões como o celibato, ordenação de
mulheres, patriarcalismo, volta ao ministérios sacerdotal dos padres casados.
Quando o Papa fala que a Igreja precisa de uma Teologia da Mulher, está abrindo
portas para uma reflexão. Estamos mais perto dessa abertura do que com os pontificados
anteriores. Passamos praticamente 35 anos de pontificados conservadores. Agora
existe muita esperança de melhora.
Você fala em diferentes teologias
dentro da mesma religião. O que isso significa?
Tudo
depende da Teologia que os agentes pastorais assumem, aqueles que animam a
comunidade. Se é uma Teologia fundamentalista, reacionária, ou se é uma
teologia da libertação, que coloca todos nós, cristãos, como discípulos de um
prisioneiro político. Jesus não morreu de hepatite na cama nem em um desastre
de camelo em uma esquina de Jerusalém.
A morte de Jesus tem um significado…
Ele
foi preso e torturado, julgado com dois presos políticos e condenado a pena de
morte dos romanos. Que fé os cristãos tem hoje que não questionam essa desordem
estabelecida? A fé de Jesus o levou a ser considerado subversivo, portanto, uma
ameaça para a desordem estabelecida. Aí ele foi eliminado. Não é nem questão de
politizar a história, é retomar o passado como realmente foi.
O Natal é um exemplo história
religiosa que mudou de sentido?
O
que é o Natal? Um casal de Nazaré, Maria e José, vão para Belém. Lá são
rejeitados e convocados pelo recenseamento do Império Romano. Tem várias
hipóteses de por quê eles foram rejeitados. A minha é que foram rejeitados
porque Maria chegou grávida e eles não estavam oficialmente casados. Então,
eles literalmente ocuparam uma terra privada. Eu costumo brincar que, no dia
seguinte, o “Diário de Belém” deve ter dado a manchete: Família de sem-terra
ocupa propriedade rural. Jesus nasceu em um curral. Isso é muito simbólico. Na
época de Jesus, quem lidava com animais, como o açougueiro, era socialmente
rejeitado. Está lá na Bíblia visivelmente. Mas muita gente não tem olhos pra
ver.
Mesmo com esse pano de fundo, por que
o Natal se transformou em um feriado de troca de presentes?
A
data tem um sentido religioso muito forte e é muito sedutora do ponto de vista
de seu simbolismo. O mercado procura cada vez mais obscurecer a dimensão de
Jesus de Nazaré e impor o Papai Noel, que tinha originalmente a cor verde. A
Coca-Cola impôs a cor vermelha. Isso é histórico. Há uma ‘Papainoelização’ que
transforma o Natal em uma festa do consumo.
O que você indica para retomar o
sentido original?
Eu
tenho dito a muitos casais que têm sensibilidade religiosa e filhos pequenos
que tenham muito cuidado. Temos que resgatar a espiritualidade e do sentido
religioso da festa. Se não vamos entrar no grande paradigma da pós-modernidade,
que pode ser o mercado e não a solidariedade. A religião foi um paradigma
medieval. A razão foi o paradigma moderno.
E agora?
O
mercado quer se impor na pós-modernidade. É a mercantilização de todas as
dimensões da vida. Isso já ocorre fortemente nas duas grandes datas cristãs,
que são o Natal e a Semana Santa. Essa última virou miniférias. Poucos se
lembram que é a celebração da morte e ressurreição de Jesus.
O
Brasil passou e ainda passa por um processo de diversificação de religiões. Em
números absolutos, mais pessoas se declaram de diferentes religiões, diferentes
da católica. O que você pensa disso?
Eu
não acho nem negativo nem positivo. Como católico, eu faço autocrítica. A
Igreja Católica vem perdendo terreno pela sua incapacidade de se adaptar aos
tempos atuais. Eu gostaria que essa mensagem, do ponto de vista cristão da
Teologia da Libertação, tivesse muito mais incidência na sociedade.
Por quê?
Quando
a Teologia da Libertação e as comunidades eclesiais de base eram bem vindas na
Igreja Católica, havia muito maior número de católicos. Com a repressão e
marginalização, houve uma colonização dos movimentos carismáticos e
espiritualistas. Aí começou um esvaziamento da Igreja. É o caso de perguntar: é
esse o caminho, já que a Igreja está se esvaziando?
A consequência é a multiplicação de
novas religiões…
Temos um pluralismo religioso que questiona profundamente a Igreja Católica. E isso é muito positivo. Não dá pra competir com as igrejas evangélicas, que formam um pastor em oito meses. Na Igreja Católica, é preciso oito anos: quatro de filosofia, quatro e teologia e ainda a heroica virtude do celibato. Não dá pra competir. Na minha opinião, nem se trata de competição ou de uma disputa. A Igreja Católica está sendo questionada e levada a rever seus métodos de evangelização, o perfil como instituição e o trabalho dos ministros. Tudo tem que ser profundamente revisto.
Você acha que existe clima para uma
revisão dessa magnitude dentro da instituição?
Com
Francisco, sim. Ele está aberto a essa revisão profunda, com tudo aquilo que
tem dito. Eu tenho muito otimismo. Agora, as coisas na Igreja são lentas e a
instituição tem uma estrutura muito pesada. Não tenho esperança que isso
aconteça muito depressa. Mas será desencadeado um processo novo de renovação da
Igreja.
Como
você vê a representação política de grupos religiosos na política? Você
considera nocivo para a democracia uma figura religiosa disputar um espaço
político?
Não,
a figura religiosa pode participar, sem desrespeitar o pluralismo religioso e
querer transformar a sua concepção religiosa em lei universal a ferro e fogo.
Foi o que aconteceu com o deputado que foi eleito para a Comissão de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara e dos Deputados [referência ao pastor da Igreja
Assembleia de Deus Marcos Feliciano] na questão da homossexualidade.
Qual o impacto dessa conduta?
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