Existem
militantes que costumam vir com esta idéia: que a luta contra o racismo
transcende o campo ideológico. Que ser negra ou negro está acima das
ideologias. Realmente a identidade racial está acima. Porém, a luta contra o
racismo não. Lutar contra o racismo é necessariamente estar no campo da
esquerda.
Por
Dennis Oliveira no Portal Fórum
Por
que isto?
Porque
ser de direita é estar ao lado do capital. E o projeto político do capital, a
nível mundial, hoje, é a da total desregulamentação – das relações
trabalhistas, dos fluxos de capital, das normatizações sociais. É impor um
ordenamento jurídico baseado no primado do contrato civil privado sobre o
direito público, coletivo.
O
projeto do capital é assim não por uma “desfaçatez” ética dos detentores do
capital. Mas porque as formas de acumulação do capital atuais exigem isto. O
capital se organiza por uma rede global de células produtivas espalhadas em
todo o planeta. Na cabeça, estão os centros gerenciadores e tecnológicos, que
geram os empregos mais qualificados, melhor remunerados. Estes centros estão
localizados nos países mais desenvolvidos. Logo abaixo, estão espalhados as
células manufatureiras, com distintos níveis de sofisticação tecnológicas e,
portanto, com diferentes qualidades de trabalho e emprego, inclusive em termos
de remuneração. E na base os centros fornecedores de matéria prima, com as condições
mais degradantes de trabalho. Estas são as periferias do capitalismo, os países
“subdesenvolvidos” ou “de médio desenvolvimento”.
Para
que isto funcione, é preciso que se quebre toda e qualquer barreira ou norma
protecionista ou regulatória. O capital precisa de livre acesso. As normas são
estabelecidas diretamente pelos seus agentes, as grandes corporações. É a Ação
Direta do Capital. Ser de direita é estar ao lado deste projeto. É esta a
natureza do governo golpista de Temer.
Pergunto:
qual é a possibilidade de países com população negra, todos eles na periferia
do capitalismo, superarem o racismo mantendo economias subordinadas ao grande
capital centrado nos países de população branca?
No
campo da esquerda, os projetos vão no sentido de resistir a esta Ação Direta do
Capital. E aí há um amplo leque de projetos de resistência, desde propostas
neodesenvolvimentistas até mais avançados com perspectiva socialista.
O
projeto neodesenvolvimentista tem seus limites. É um projeto capitalista,
entretanto contradiz com o do capital global. Isto porque reivindica um lugar
diferente do estabelecido na divisão internacional do trabalho para os países
subdesenvolvidos. Reivindica que estes países também desenvolvam uma economia
avançada, com produção tecnológica e que, portanto, gere empregos com maior
qualificação – e que, necessariamente, exige investimentos na formação
educacional, entre outros. E também um mercado consumidor interno forte – que,
por sua vez, é construído por aumento do poder de compra da classe
trabalhadora.
Este
foi a tônica dos governos da era Lula/Dilma.
Ora,
é evidente que em um projeto como este, as condições para a luta contra o
racismo são muito mais favoráveis que no projeto da direita.
A
experiência histórica mostra isto. As políticas de inclusão racial avançam mais
em situações em que se desenvolvem projetos de desenvolvimento. As ações
afirmativas nos EUA, por exemplo, desenvolveram-se em um contexto de grande
crescimento do capitalismo estadunidense.
Isto
não significa que basta isto para se resolver o racismo. Evidente que não.
Dentro destas condições objetivas mais favoráveis, é preciso que se fortaleça o
movimento antirracista para aproveitar o momento e pressionar pelas políticas
públicas de combate ao racismo. A estrada está bem pavimentada, mas é preciso
saber conduzir bem o carro.
Dizer
que esquerda e direita é a mesma coisa para a luta contra o racismo porque
ambos são dirigidos por brancos e pouco espaço dão para negras e negros é uma
tremenda obtusidade. Limitar a luta contra o racismo ao espaço dado por
dirigentes de siglas partidárias é miopia. É transformar um dos aspectos do
racismo (o pequeno espaço) em totalidade do racismo (que vai muito além disto).
Não
há como qualquer militante do movimento negro não se posicionar contra o golpe
de direita que se realizou no país.
Por
isto, reafirmo: entre direita e esquerda, sou preto de esquerda, porque combato
o racismo. E combater o racismo é ser de esquerda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!