Sou
professor há 34 anos. Muitos pais pedem este conselho: como educar em pleno
século 21? A resposta é complexa.
Somos
dominados pela cultura da performance. O conteúdo está em alta, especialmente o
de imediata aplicação. O vestibular tornou-se um vórtex e o ingresso em centros
de excelência virou meta familiar, pois todos ficam envolvidos emocionalmente
no esforço dos jovens.
Publicado
originalmente em sua página
É
fundamental que a criança e o adolescente dominem coisas como linguagem
escrita/oral e habilidades matemáticas. Serão úteis por toda vida. Porém, há
dois campos que fogem à aplicação imediata. O primeiro é a educação das artes
plásticas. Alfabetizamos para a leitura de textos e raramente educamos para a
leitura de imagens. Vivemos imersos num mundo visual e não nos adaptamos a
isto. O desafio do olhar é intenso e o jovem quase nunca tem habilidade e
repertório para julgar este mundo de fotos e desenhos que flui pela rede.
Somos, quase todos, analfabetos visuais.
Levar
uma criança/adolescente a um museu é algo muito importante. Deve-se preparar a
experiência mostrando algumas obras que serão vistas. Devemos dar informações
lúdicas e práticas. Deixe seu filho perceber a cor ou a espacialidade. Ele deve
ser livre para se expressar e não devemos julgar o parecer de imediato.
Importante: fique um tempo reduzido no museu, proporcional à idade. Aumente
este intervalo a cada novo passo da maturidade. Podemos evocar o tema do que
foi visto em conversas familiares. Indique sites que aprofundem a experiência.
Isso tudo faz parte de uma educação visual e artística. O olhar fica mais
sensível e amplo. Use todas as oportunidades. Indique como o selfie que ele tanto
faz apresenta uma composição espacial. Introduza, aos poucos, a gramática de
cada escola artística. Aprendizado implica esforço.
Educar
não é adestrar, mas ampliar e estimular o repertório para que cada ser faça
parte da aventura humana. A educação pela arte é poderosa e pode mudar, para
sempre, a vida de alguém.
O
outro ponto é a música. Todos os seres humanos deveriam ser expostos à
linguagem musical desde cedo. Crianças amam o ritmo de tambores (para desespero
de pais) e podem entrar logo no campo da melodia. Caixinhas de música seduzem
bebês. Alfabetizar em música é algo muito bom. Em primeiro lugar, poucas coisas
exigem áreas tão variadas do cérebro. Tocar requer habilidade motora das mãos,
matemática do compasso, sensibilidade e abstração interpretativa. Descobrir
esse universo é algo que ilumina as sinapses e estabelece a comunicação entre
os dois lados do cérebro. Acreditem: a música torna as pessoas mais
inteligentes! Rousseau, Nietzsche, Adorno e Barthes foram muito interessados em
música. Parte de sua agudeza mental derivou disto.
Há
uma outra vantagem na educação musical. Ao estudar piano, violão ou outro
instrumento, despertamos um verdadeiro método. A criança começa com 15 minutos
diários, depois meia hora e vai aumentando. É um sistema crescente de
concentração. Surge uma arquitetura gradativa que estimula a paciência. Foco é
um diferencial enorme nas relações profissionais e afetivas.
O
livro O Grito de Guerra da Mãe Tigre (Amy Chua) narra a experiência de uma
sino-americana com suas filhas Uma foi levada ao piano e outra ao violino.
Dentro dos princípios defendidos pela mãe, as meninas foram estimuladas a um
alto grau de excelência quase obsessivo. Proponho algo diferente, mas Amy Chua
tem a vantagem de ter uma estratégia e de se envolver nela.
A
música é para criar alma, não para tocar, obrigatoriamente, no Carnegie Hall ou
na Sala São Paulo. Preciso estudar música para ser um bom ouvinte. O jovem deve
ser incentivado até o ponto em que ele possa se divertir com a música. Todos
ganham com esse aprendizado. Possibilitamos, com as artes, que o indivíduo viva
sua sensibilidade, crie foco e amplie seu leque de interesses. Pense bem: se
você não quiser enfatizar isso porque seu filho não será músico ou pintor,
deveria evitar que ele aprenda a ler, porque ele também não será escritor.
Interrompa a Educação Física: ele não competirá nas próximas Olimpíadas.
Educação é para formar o ser humano completo, não para tornar cada atividade um
projeto de carreira. A carreira virá de forma natural, ela é efeito de uma
causa anterior, a personalidade.
Livros,
tabela periódica, fórmulas físicas, redação, processos históricos: tudo isso
pode ser parte de um projeto. Desejei reforçar a arte e a música como
linguagens específicas para um diferencial humano. Meu ex-professor, Pe. Milton
Valente SJ, afirmava: non scholae, sed vitae discimus (não é para a escola, mas
para a vida que aprendemos). Poucas coisas têm tanta vida no mundo como a
criatividade artística e musical. Ouse, crie e acredite: seu filho será outro se
tiver acesso a estes dois mundos. Focar somente no que vira lucro é bom para o
projeto de hamsters amestrados, não para pessoas integrais. Não temos a menor
ideia de qual carreira será brilhante em 2046, mas todas necessitarão de
criatividade e inteligência. Aproveito e agradeço a todos os meus mestres que
apostaram que haveria vida após o vestibular. Bom domingo para vocês!
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