O papel do negro na televisão brasileira, por Kelly Souza


Em tempos em que continuamos a ver mulheres e homens negros somente em novelas “de época” representando escravos, sempre me pergunto, até quando?

Publicado originalmente no Beleza Black Power

Dias atrás a rede Record estreou mais uma novela com a pauta voltada aos escravos. Intitulada “Escrava Mãe”, a novela contará a história da mãe da escrava Isaura (a escrava branca, educada na casa grande e de caráter nobre, mas que sofria constante assédio do seu senhor.)


Assisti o primeiro capítulo para ter alguma opinião e tinha um pouco de esperança em ver algo novo. Me decepcionei mais uma vez.


Não costumo assistir novelas assim, pois o foco costuma ficar entre os brancos da trama e os negros só aparecem para sofrer. Mas era o que acontecia naquele momento da história? Sim. Era pior.

O problema maior não é colocar isso na tela, até porque todos assistimos “12 anos de escravidão” e percebemos que foi algo muito bem feito. E nos EUA os negros estão na TV. A questão é: temos novelas durante toda a história da teledramaturgia brasileira, que nem sequer havia um negro que não fosse empregado para servir aos brancos. Normalmente os negros das novelas não tem família formada, nunca são bem sucedidos, nunca são protagonistas e carregam grandes estereótipos de vagabundos e preguiçosos.

Em 1969, quando tivemos uma atriz negra de destaque a saudosa Ruth de Souza, em uma novela com grande audiência – “A cabana do pai Tomás”, tivemos também o black face. Simplesmente pintaram um homem branco de preto. Em 1976, foi ao ar a “Escrava Isaura”, tinha uma escrava como protagonista, mas esta era branca como disse acima. Ambas novelas de sucesso.

Em entrevista para o Observatório de Direito à Comunicação, o publicitário e diretor executivo do Instituto Mídia Étnica Paulo Rogério Nenes diz que ainda há um racismo enorme na TV brasileira e que a TV norte americana possui mais negros atuando, do que no Brasil, país majoritariamente negro.
Kelly Souza é administradora, pós graduada em
marketing e apaixonada por cultura, arte, cinema
e beleza negra.

Pra fazer uma reflexão, vamos lembrar quem era Mussum? Um homem negro ébrio, estereótipo do negro maltrapilho, vagabundo, sem perspectiva. Em vários momentos da teledramaturgia e em outras produções da TV brasileira, há uma carga muito grande de estereótipos e preconceitos. Há uma ação deliberada para, além de sub-representar, colocar os negros e negras em patamar de desigualdade, de inferioridade. E isso é prejudicial para quem assiste.” E quem assiste à essas novelas? Para os jovens negros ou até mesmo crianças em processo de formação de identidade, o negro sempre carregará aquele esterótipo que a TV delimita. A TV muitas vezes reafirma todo o tipo de racismo que vimos na sociedade.

Uma rede de televisão que mostra um Egito extremamente embranquecido, com apenas uma negra (de pele clara) é a mesma rede que se vangloriou e fez questão de mostrar todo o elenco de pessoas negras que interpretariam os escravos da nova novela.

Existem atores negros extremamente competentes aos montes, mas que não tem espaço na tv, no cinema e nem no teatro brasileiro. Por que a mídia é racista? Sim. Por que o povo brasileiro amante das telenovelas é racista? Também.

O Brasil é um país racista e isso não é diferente quando falamos em mídia. Confiram esta entrevista maravilhosa do cineasta, pesquisador e escritor mineiro Joel Zito Araújo, autor do livro e documentário “A negação do Brasil”:

Provavelmente vocês se lembram quando Taís Araújo foi protagonista numa certa novela global e a mesma foi extremamente criticada. O roteiro não foi favorável a mulher negra que ocupava um papel (Helena) que até então somente ocupado por mulheres brancas. O público reagiu e não foi pouco. A própria atriz disse que pensou que sua carreira acabaria ali.

Até quando os negros não terão espaço na TV brasileira? Até quando seremos obrigados a assistir novelas onde o negro sempre carrega estereótipos e carmas que estão inseridos na sociedade? Até quando seremos coadjuvantes?

Não julgo os atores e atrizes que aceitam papéis estereotipados na TV, ninguém vive de luz, quem deve ser responsabilizada são as redes televisivas. Mas precisamos de posicionamento.

Nos últimos anos vimos alguns destaques para atores negros, mas sempre aqueles que possuem certo padrão e que aceitos pela mídia. Já disse e repito, que meu sonho é ainda poder assistir algo na TV onde teremos uma atriz negra, de pele escura, no estilo Lupita N’yongo. Mas a cada dia perco mais as esperanças. Ainda há muito para ser feito. Tanto no cinema quanto na tv, os negros não estão atuando como deveriam estar.

Eu prefiro não assistir ou acompanhar essas novelas. Não me representam, logo não as vejo. Mas precisamos discutir sim, uma vez que a maioria dos brasileiros acabam formando sua opinião a partir desses dramas. E se continuarmos vivendo no século passado, nosso povo nunca será reconhecido.

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