A Globo acha bonito romantizar estupro? por Nathalí Macedo*


Do DCM

Eis a verdade que talvez doa (muito) em quem cresceu ouvindo a voz irritante de Faustão aos domingos: A globo erra mesmo quando tenta acertar – se é que tenta.


Pelas notícias – cada vez mais esdrúxulas – nas timelines da vida, tenho notado, há algum tempo, um latente desespero da emissora. Outro dia, lésbicas se beijaram no horário nobre, sob os reclames da intragável família tradicional brasileira: “Como vou explicar isso aos meus filhos?

Sem noção: repulsa nas redes sociais.
Vez ou outra, eles tentam nos comprar: Uma cena gay aqui, uma tentativa de abordagem do racismo ali – e sempre fazem besteira (vide a abordagem bizarra do HIV na Malhação ou a intragável novela – ou minissérie, confesso que não sei bem – Sexo & as negas).

Às vezes me parece que a emissora finalmente entendeu que o cerco está se fechando. As pessoas estão se politizando. A popularização da internet abriu milhares de outras possibilidades, o machismo e o racismo estão sendo problematizados como nunca antes, e a audiência da maior emissora brasileira só despenca.

Vamos colocar um beijo gay no ar”, eles pensam. “Vamos colocar a Fernanda Montenegro pra viver uma lésbica.”

Não funciona, porque a essência de cada programa continua tendenciosa, burra, vazia, e, por que não dizer, canalha.

Desta vez passaram dos limites. Televisionaram o que deveria ser uma cena de ‘sedução’, mas foi, claramente, um estupro – mais uma vez a romantização da violência adentrando a casa dos brasileiros que o permitem. Mais uma vez, tentam naturalizar um crime repugnante – como se a cultura do estupro já não fosse suficientemente devastadora.

A indignação dos telespectadores foi quase inexpressiva – mas o que esperar dos telespectadores da Globo?

Quase nada perto do choque quando duas mulheres se beijaram no horário nobre. A intragável família tradicional brasileira não consegue explicar aos filhos que duas pessoas do mesmo sexo podem se apaixonar, mas deixa que uma cena de estupro adentre suas casas sem a menor cerimônia ou estranhamento.

Convenciona-se, do jeito mais nojento possível, que um estupro não é tão grave assim se estiver envolto por uma proposital atmosfera de sedução. Fortalece-se a ideia de que talvez a vítima quisesse, talvez ela estivesse envolvida, talvez o estuprador fosse um galã global – e, na já terrível vida real, a culpabiliação da vítima persiste, motivada pela alienação de massas que a rede globo insiste em promover.

Mães apontam armas para seus filhos no horário nobre, velhinhos são assassinados em plena novela das oito, mulheres são estupradas por um garanhão sedutor no maior estilo Christian Gray e quase ninguém se indigna – eis a razão pela qual este e outros lixos televisivos permanecem vivos.

Desligue a TV e descubra que há um mundo de entretenimento sadio pronto para ser descoberto – boas produções cinematográficas, música independente de primeira, peças teatrais a preços populares, livros incríveis prontos para serem descobertos.

A TV aberta só se afoga na própria lama. Absolutamente nada parece estar a salvo no mar de lodo da programação global. Não há esperança: a plimplim é um poço de racismo, hipocrisia, alienação e machismo romantizado.

E isso sim é que é difícil de explicar aos nossos filhos.

* Colunista, autora do livro "As Mulheres que Possuo", feminista, poetisa, aspirante a advogada e editora do portal Ingênua. Canta blues nas horas vagas.

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