Por
Stephanie Ribeiro, do Confeitaria
As
redes sociais hoje são um campo de disputa de narrativas pelas chamadas
minorias brasileiras, aqueles grupos que, mesmo sendo a maioria quantitativa,
no que diz respeito à qualidade de vida, dignidade e aos direitos garantidos,
tornam-se marginalizados socialmente.
Quando
nós usamos as redes para dar visibilidade para nossas dores e nossas lutas,
queremos chamar atenção para fatos que foram naturalizados por uma sociedade
que segue regras opressoras.
Primeiro
vieram os filtros para fotos de perfis (o mais popular foi o da bandeira LGBT).
Depois as hashtags #meuprimeiroassédio, #agoraéquesãoelas, #meuamigosecreto,
que foram invadindo a rede e mostrando a força e a importância do protagonismo
das mulheres no feminismo.
Agora
o novo protesto nas redes é a hashtag #seráqueéracismo. A sua criação foi
motivada após o assassinato de cinco garotos negros: Roberto, Carlos, Cleiton,
Wilton e Wesley levaram exatamente 111 tiros da polícia. Assim como muitos
jovens de sua faixa etária (entre 15 e 20 anos), eles estavam comemorando o
primeiro emprego de um deles.
O
problema dessa história triste é que, infelizmente, não se trata de um
acontecimento isolado. No Brasil, são mortos em média 82 jovens por dia. Isso
significa quase 30 mil jovens mortos a cada ano. E destes jovens, 77% são
negros. Com isso, são aproximadamente 23.100 jovens negros mortos por ano.
Temos claramente uma situação de genocídio. Entretanto, as pessoas negam que a
motivação desses números seja racial.
É
mais fácil dizer que é questão de classe, é mais fácil dizer que é falta de
sorte do que assumir que estamos num país racista, que a democracia racial é
inexistente, e que não, não somos todos “negros”. Quem tem a marca negra sabe o
que isso significa. Afinal, o racismo no Brasil não dá trégua. Ele é
institucionalizado — machuca, cala e destrói vidas.
Independente
da sua classe, gênero, orientação sexual, sofrer racismo é o que une os não
privilegiados socialmente pela branquitude. E quando falamos de privilégios,
estamos falando de inúmeros fatores que colocam alguém em uma condição
favorável socialmente. Num país como o nosso, em que muitos não têm rede de
esgoto, se a sua casa possui, é um privilégio. Saber ler, escrever, ter uma
alimentação balanceada, poder fazer universidade, ter água na torneira são mais
exemplos de privilégio.
Posso
passar o dia listando, entretanto prefiro te surpreender dizendo que conseguir
pegar um táxi sendo uma pessoa branca é um privilégio:
#SeráQueÉRacismo
quando passo vários minutos com minha filha no colo tentando pegar um táxi e
nenhum deles para, apenas quando um branco se ‘solidariza’ e dá sinal pra
mim? — post de Thayná Trindade
Aí
você pode achar que é um caso isolado. Só que não, não é.
Quatro
pretos tentaram pegar um táxi, mais de dez passaram, nenhum parou…
#seráqueéracismo? Mas é só um táxi. É um táxi que não para, pois no Brasil a
imagem do negro está associada à criminalidade. Um exemplo é o tratamento
hostil dado por seguranças a pessoas como eu. — post de Jessyca Liris
#Seráqueéracismo
quando eu e minha companheira preta, estamos numa loja e somos seguidas por um
segurança branco, e quando perguntamos o pq dele estar nos seguindo, responde
“só to fazendo meu trabalho. #éRACISMOsim — post de Jéssica Ipólito
#Seráqueéracismo
você estar com um grupo de amigos brancos e ser o único revistado na entrada da
balada?” — post de Eliane Oliveira
O
negro associado ao marginal criminoso se estende a situações como essa:
Mesma
sala de aula, dois alunos que fazem uso e abuso de drogas. Um branco, outro
preto. O primeiro é tratado como coitadinho, tão esforçado, “a gente tinha que
fazer alguma coisa”; o segundo é tratado como marginal, nem deveria estar na
escola…#seráqueéracismo? — post de Eduarda Lamanes
As
prisões brasileiras seguem essa tática de criminalizar atos para negros e
liberá-los para brancos. Um simples cigarro de maconha na mão de um menino
negro pode arruinar sua vida e coloca-lo
numa sela superlotada caso ele seja pego pela polícia. O mesmo cigarro na mão
de um jovem branco é apenas uma “fase”. Se nossos atos nos criminalizam, nossa
estética nos limita espaços:
#SeráQueÉRacismo
a mulher falar que pra ser advogada eu vou ter que alisar meu cabelo pra
parecer mais profissional????????????? — post de Fernanda Marcellino
#Seráqueéracismo
Quando fui proibida de entrar na instituição de ensino que estudo pois, segundo
a coordenação disciplinar, meu cabelo era volumoso demais para os “padrões” do
colégio. — post de Ellen Roots
Nossa sexualidade é brutalizada:
#Seráqueéracismo
quando o cara diz que com as negras tem vontade de transar brutalmente enquanto
que com as “branquinhas” tem vontade de ser delicado na hora do sexo? — post de
Beatriz Anarka
#Seráqueéracismo
“sempre quis transar com um pretinho” — post de Ibu Lucas
Pois
nosso corpo negro é tratado como bom para o trabalho e para o sexo, desde
quando éramos escravizados. O brasileiro ainda segue a mesma mentalidade de
senhores de engenho, mesmo que estejamos falando de meros cidadãos comuns.
#Seráqueéracismo:
se você olhar em volta e perceber que não existem negros presentes pode ter
certeza de que existe algum mecanismo de exclusão operando em algum ponto de
acesso, não importa qual seja o lugar – grupo de amigos, universidade,
trabalho, boteco, cinema…Olhe em volta agora, #éracismosim! — post de Marcio
Black
Entretanto
muitas pessoas vão negar mesmo que:De 555 colunistas e blogueiros de veículos
como Folha, R7, O Globo, O Estado de São Paulo, Época, Veja, G1, Uol,apenas seis
são negros. Dos 18.400 professores universitários nas principais universidades
do país (UFRGS, USP, UFRJ, Unicamp, UNB, UFSCAR e UFMG), só 70 são negros. Os
números apontam que 60% da mortalidade materna acontecer entre mulheres negras.
Entre 16 e 24 anos, as mulheres negras têm três vezes mais probabilidade de ser
estupradas do que mulheres de outras etnias. 67% das crianças à espera de
adoção são negras, mas 58% das famílias não aceitam crianças que não sejam
brancas. E, finalizando, o número de homicídios de mulheres negras aumentou 54%
no país, enquanto o de mulheres brancas diminui.
Se
estes dados somados a todos os relatos do movimento #seráqueéracismo não te
fizerem acreditar que SIM, É RACISMO, não posso fazer mais nada a não ser dizer
que o seu privilégio te cega e te impede de ter empatia. E empatia e
conhecimento sobre como o racismo age no país é o que pessoas brancas precisam
ter. Afinal, não podemos lembrar que o racismo existe apenas quando negros
desaparecem, como aconteceu com Amarildo, ou quando são arrastados por 350
metros, como ocorreu com Cláudia. Precisamos nos lembrar disso também quando
nós negros ainda estamos vivos, em um país onde isso é também, infelizmente, um
privilégio.
Como
disse Aline Cardoso, a hashtag #seráqueéracismo é tão dolorosa quanto
#meuamigosecreto, porém necessária.
*
Ilustração de Duds Saldanha
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