O
Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas
públicas do país não seriam admitidos escravos, e a previsão de instrução para
adultos negros dependia da disponibilidade de professores. Mais adiante, O
Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os negros só
podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram montadas no
sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares (BRASIL,
2004, p. 7).
Nesse
mês da consciência negra, temos acompanhado um processo explosivo de luta da
juventude em defesa da educação, contra os ataques do governo Alkimin. Esse
processo de luta aparece em um importante momento e deve servir como elemento
de reflexão, para essa juventude que se levanta, assim como pros negros e
negras que têm tocado a luta antirracista.
O
maior país negro fora da África não só carrega em suas costas uma longa
história de escravização de negros e negras sequestrados de suas terras, como
para garantir seu papel na divisão internacional do trabalho tem como um de
seus alicerces estruturais o racismo. Ainda hoje a burguesia não consegue
esconder a gritante diferença social em nosso país, que de um lado possui uma
elite branca profundamente ligada aos países imperialistas que concentram uma
enorme parte da renda, e de outro a classe trabalhadora e os setores oprimidos,
constituídos hegemonicamente por negros, que possuem uma péssima condição de
vida. Mesmo entre a própria classe trabalhadora, e entre os setores oprimidos
há grandes diferenças entre negros e brancos.
Essa
relação étnica e econômica coloca o racismo não só como um fenômeno a ser
combatido na sua expressão mais cultural, mas também na sua base material que o
torna um elemento aprofundados dos problemas sociais primeiramente para os
negros, mas com reflexos para o conjunto dos oprimidos e explorados. Nesse
sentido a educação se coloca como elemento democrático que deve ser encarado
como uma demanda negra, desde seu acesso até seu conteúdo e as relações étnicas
no próprio cotidiano escolar.
A
história da educação e da escolarização, como parte da produção cultural da
humanidade (fruto das relações de trabalho), não só caminha lado a lado com a
luta de classes como carrega dentro de si as contradições de classe de sua
época. No Brasil isso não é diferente. As primeiras experiências de educação do
Brasil Colônia aparecem com os jesuítas. As missões jesuíticas são mandadas ao
país para cumprir o papel de catequizar os povos originários, indígenas, e
ajudar na colonização do território.
No
século XIX a elite abre uma grande discussão na imprensa sobre a necessidade ou
não de educar as classes populares e quais deveriam ser as finalidades dessa
educação. Apesar de haver uma grande ruptura entre classe dominante e o resto
do povo, para que pudesse avançar no seu projeto de construir uma nação
civilizada nos trópicos seria preciso educar os cidadãos. Uma educação que
fosse suficiente para a população ter um mínimo de civilidade.
Os
negros não se encontrava entre os cidadãos que deveriam ser educados. Carregando
um forte sentimento racista e se baseando principalmente no pensamento
eugenista, a elite defendia que era preciso acabar com os negros. A
miscigenação serviria como arma para conseguir branquear a população, uma etapa
necessária, os mestiços seriam apenas um processo de transição para uma
sociedade mais avançada. É por isso que os negros não estavam inclusos em
nenhum projeto social da elite.
Na
primeira república se expande o número de escolas públicas de nível primário,
esse aumento leva também a uma maior demanda por livros de leitura. Esses
materiais versavam sobre dois temas principais: as belezas do país e o povo
brasileiro. Esses temas tem uma forte relação com a necessidade de uma
república que acaba de se emancipar de tentar encontrar uma identidade nacional
e se livra de todo o seu passado obscuro. Como podemos imaginar esse material
carregava consigo todo o ideário da classe dominante, portanto impregnado de um
forte racismo. Esse é parte do processo necessário para que o país negasse todo
seu passado negro e pudesse caminhar para um futuro branco.
Dês
do inicio do processo de colonização a educação brasileira carrega um caráter
altamente excludente, principalmente para os negros. Mesmo com o desgaste das
teorias racistas mais abertas que defendiam a eliminação dos negros para que o
país pudesse avançar e com o fortalecimento da tese da democracia racial os
negros ainda sofrem no ambiente escolar. Hoje a culpa por anos de escravidão e
marginalização que geraram uma enorme desigualdade racial é individualizada. Ou
seja, a partir da proliferação da tese da democracia racial se fortalece a
visão de que se os negros não conseguem sucesso na escola, a culpa é deles,
pois brancos e negros supostamente possuem igual oportunidade.
O
que vemos é que mesmo muito antes de adentrar a escola o racismo aparece como
barreira social para que negros e negras possam estudar. As condições de vida
da maioria dos negros são uma pressão concreta para que não consigam avançar
nos estudos. Esses problemas começam dês da falta de creches públicas, se
expressam também na necessidade de adentrar no mundo do trabalho, na violência
estatal que prende e mata a juventude negra e em mais uma gama de problemas que
o racismo impõe.
Os
baixos índices de escolarização enfrentados pelos são fruto de uma política
histórica de marginalização e opressão. As condições precárias de vida se
juntam a uma política clara de exclusão dos negros do ambiente escolar dês de o
fim da escravidão. Na cidade de São Paulo, assim como em todo o país as
diferenças em dados como o índice de morte entre negros e brancos já é uma
clara demonstração de como diferentes fatores interferem na diferença de
escolarização.
Segundo
o IPEA:
“Apesar
do crescimento na média de anos de estudo da população em geral (aproximadamente
1,5 anos) ao longo da década 1993-2003, o diferencial entre negros e brancos
caiu muito pouco neste período. Se em 1993, esse diferencial era de 2,1 anos a
favor dos brancos, em 2003 ele cai apenas para 1,9. Mas estes diferencias são
menores para pessoas com 15 anos ou mais de idade e maiores ainda para 12 anos
ou mais de escolaridade”
Dados
do IBGE mostram que em 2003 a média de anos de escolaridade dos brancos era de
8,1 enquanto de negros era de 6,7, já em 2009 esse número sobre para 9,1 para
brancos e 7,6 para os negros. Mantendo ainda uma grande desproporção nos anos
de estudo. Todos esses dados mostram o resultado de uma política de Estado
racista que na educação já apresenta seus primeiros resultados nas dificuldades
que a juventude negra tem de terminar a sua educação básica, se falarmos do
nível superior os números são ainda piores.
Dentre
tantos outros fatores que podemos levantar, no Brasil existe uma segregação
espacial que impõe à maior parte dos negros a morar nas zonas periféricas dos
grandes centros urbanos. Nesses locais os aparelhos públicos, incluindo as
escolas, quando existem são em sua maioria precários, seja na sua estrutura
física ou mesmo na sua qualidade. Aos negros então sobram as escolas de pior
qualidade, o que dificulta ainda mais seu processo educacional.
A
realidade é, que apesar dos anos de luta do movimento negro por educação,
sabemos que, mesmo com algumas melhoras, ainda hoje somo nós os mais excluídos
do processo educacional desde os seus níveis mais básicos.
Segundo
o IBGE, a proporção populacional é 37% de negros na cidade de São Paulo, essa
população se concentras nas regiões periféricas e ainda apresenta um baixo
nível de escolaridade e de condições de vida em relação ao brancos que aqui
vivem. O governo da cidade de São Paulo lançou um documento que deve nos ajudar
a compreender essa disparidades para entender o papel do movimento negro na
luta em defesa da educação.
A
tabela abaixo mostra o desenvolvimento do nível de escolaridade segundo raça na
cidade de São Paulo entre 2000 e 2010:
Os
negros possuem índices escolares menores dos que os brancos, e sabemos que são
inúmeras as questões que levam à juventude negra abandonar o ensino. Possuem um
pouco menos que o dobro do índice de brancos dos que não conseguem completar
nem mesmo o Ensino Fundamental, ao mesmo que quando vemos o índices dos que
possuem Ensino superior completo o índice nos negros fica perto de ¼ dos
brancos.
Bom,
depois de vemos essa disparidade no nível educacional, não é difícil chegar a conclusão
de quem será o setor mais prejudicado pela “reorganização” do governo do
estado.
É
a juventude negra quem mais vai sofrer com esses ataques, é essa a parcela da
juventude que já possuí acesso a uma educação precarizada e que agora vai ter
esse acesso ainda mais dificultado; que como se já não bastasses o aumento dos
índices de desemprego, os trabalhos precarizados ainda tem de viver com a
realidade das chacinas policiais e a possibilidade da redução da maioridade
penal.
Num
país onde a questão de classe e raça se mistura tão profundamente, não é
possível separar a luta negra da luta contra as mazelas dos oprimidos. O
racismo aparece como um fator agudizador de todos os problemas sociais, sendo
assim, ao tratar das demandas mais elementares de nosso pais é preciso lembrar
e levantar as especificidades negras junto as pautas mais universais, ao mesmo
tempo que o verdadeiro combate ao racismo tem como desafio acabar com toda a
estrutura social e política que tem interesse em sua continuidade.
É
por isso que nós, militantes negros e negras, devemos tomar essa luta como
nossa, e não só isso, devemos encara-la no marco de uma luta contra o racismo,
uma luta que é de raça e também de classe.
É
preciso unificar as demandas especificas do movimento negro à luta por um
direito que deve ser universal, potencializando a luta contra um único inimigo
ao mesmo tempo que vamos ao poucos ampliando o leque de parceiros. Os
estudantes tem a cada dia mostrado sua força e a criatividade para manter as
ocupações e garantir o seu futuro, em muitas escolas os jovens negros tem se
colocado como linha de frente desse processo.
Em
um momento, onde existe um nível de politização importante, onde a questão da
identidade racial tem conseguido furar a barreira da democracia racial, onde a
população negra e principalmente a juventude tem sofrido uma série de ataques,
é preciso see audaz, sair da rotina ocupar as escolas também com a nossa luta. O
movimento negro há anos se apropriou do dia 20 de novembro como um dia de luta
contra o racismo, e todos os anos nos organizamos para marchar e colocar nossas
pautas na rua. Mas um dia de luta contra o racismo, que não possa se ligar aos
processos de luta reais, se torna só mais um dia no calendário.
Hoje,
a pergunta que devemos responder é: como será o nosso Novembro Negro?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!