Por
Róbert Iturriet Ávila*, no Brasil Debate
O discurso vulgar e despolitizado “contra a corrupção” é meramente um artifício ideológico para instituir um projeto político com uma determinada visão sobre a sociedade e sobre a economia. Uma visão falaciosa que generaliza casos pontuais e ignora a ação estatal na distribuição da renda
O
período vivenciado entre 2004 e 2011 foi de ganhos econômicos e sociais para o
Brasil. Houve crescimento econômico superior à média das duas décadas
pregressas, redução das desigualdades, elevação das reservas internacionais,
aumento do emprego, elevação da renda média etc.
No
final de 2011 e ao longo de 2012, frente à popularidade elevada da presidente
Dilma e das oscilações na economia internacional, houve uma tentativa de
alterar a política econômica, particularmente a política monetária. Nesse
período, a sensação de “bem- estar” estava relativamente bem sedimentada.
Inesperadamente,
uma ruptura no clima social se estabelece com as jornadas de junho de 2013. O
movimento popular buscava melhorias nos serviços públicos. Mesmo que em seu
surgimento as manifestações tenham sido organizadas por grupos de esquerda, os
setores liberais e conservadores foram perspicazes em cooptar o sentimento que
o movimento de rua trazia.
Desde
então, é transpassado nas entrelinhas que as circunstâncias são negativas,
ainda que concretamente nada tivesse se alterado de forma substancial até
então, a não ser a redução do ritmo da atividade econômica. Nos principais
meios de imprensa, o enfoque em problemas pontuais era destacado sem uma
análise ampla sobre as questões.
Em
linha semelhante, a organização da Copa do Mundo no Brasil em 2014 obteve uma
crítica sistemática, seja de grupos sociais, seja dos veículos de comunicação.
Ainda que os custos da Copa fossem ínfimos ao lado do que se gasta com serviços
públicos, a lógica de senso comum, ou seja, sem base em elementos científicos,
afirmava a existência de ineficiência na gestão pública, desperdício e,
adjacentemente, descrédito com os políticos. Cumpre frisar que a organização da
Copa foi bem-sucedida.
Esses
dois momentos marcaram inflexões na percepção pública: as jornadas de junho de
2013 e a realização da Copa do Mundo em 2014. Tais situações foram sucedidas
por uma enxurrada de análises pobres, desqualificadas e de senso comum. A
despeito do baixo nível analítico, esse prisma se torna majoritário e se
dissemina.
Há,
assim, uma difusão de pessimismo sobre a situação do País, pouco baseada em
evidências quantitativas, mas que hegemoniza a “opinião pública”. Paralelamente a essas ocorrências, o julgamento
do “mensalão” (2012) e a “Operação Lava Jato” (2014) cristalizam a perspectiva
equivocada de que os impostos são majoritariamente desviados e a saída para tal
problema está na redução das atividades estatais.
O
discurso vulgar e despolitizado “contra a
corrupção” é meramente um artifício ideológico para instituir um projeto
político com uma determinada visão sobre a sociedade e sobre a economia.
Trata-se de uma visão falaciosa que generaliza casos pontuais, ignora e/ou
naturaliza a ação estatal na distribuição da renda, sobretudo por meio de
serviços públicos.
Ao
contrário do que se imagina corriqueiramente, serviços públicos como educação,
saúde e previdência são recentes em termos históricos, custam caro e trazem
benefícios não tão visíveis como a redução da mortalidade infantil e a
ampliação da expectativa de vida.
Do
total da carga tributária do Brasil, 35,8% em 2012, por exemplo, 3,84 pontos
percentuais foram destinados para a saúde (BRASIL, 2015a), 6,0 pontos
percentuais foram para educação (INEP, 2015).
A
previdência é centralizada no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS),
porém existem também organismos estaduais e municipais. Considerando apenas o
INSS, o gasto em percentual do PIB é de 7,7 (BRASIL, 2015b). A soma dessas três
rubricas perfaz 17,54% do PIB, o que representa 49,0% da arrecadação. Os juros
nominais despendidos pelo setor público, em 2012, foram de 4,9% do PIB.
Ao
lado dos argumentos vulgares acerca da carga tributária brasileira, há
comparações com os serviços públicos de outros países com renda per capita
muito superior à brasileira. Ou seja, o discurso de senso comum que visa a
deslegitimar o Estado ignora a história do país e a realidade socioeconômica.
A
história mostra que a redução da ação estatal aprofunda desigualdades,
amplifica conflitos e tenciona a sociedade. Piketty (2014) explicitou sobretudo
o primeiro ponto. Ao mesmo tempo, um Estado menor atende a interesses
específicos, vale citar, há um segmento social que não precisa de saúde,
educação e previdência públicas.
Parece
ser um dos desafios do campo progressista atualmente desnaturalizar a ação do
Estado por meio do resgate histórico de sua configuração, desobscurecer seus
benefícios e qualificar o rebaixado debate de “ineficiência generalizada”.
*Eonomista,
pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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