Uma cidade branca: livro desconstroi mito da democracia racial



Precisa-se de uma boa lavadeira e engomadeira branca para lavar em sua própria casa.” “Lavadeira branca para senhor só.” “Lavadeira, que saiba engomar, branca, para casa de família.” “Precisa-se de perfeita cozinheira estrangeira, que durma no aluguel, tratar-se Av. Paulista, 60.” O racismo no início do século 20 no Brasil não era velado, como mostram esses anúncios publicados originalmente no jornal Diário Popular, entre 1912 e 1913. A escravidão no Brasil durou mais de 350 anos e marcou de maneira profunda a formação econômica, social, política e cultural do país – e seus efeitos perversos continuam até hoje.

Negros na lavoura do café: oligarquias eram profundamente racistas. 
É por isso que o historiador Ramatis Jacino debruçou-se em pesquisas durante quatro anos, na tentativa de compreender as razões e os mecanismos da exclusão da mão de obra negra na cidade de São Paulo, o epicentro econômico e financeiro do país nas primeiras décadas da República. Resultado de trabalho que lhe deu o título de doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP), o livro Transição e Exclusão – O Negro no Mercado de Trabalho em São Paulo Pós-Abolição – 1912/1920 (Nefertiti Editora, 226 págs.) constata que houve uma opção por “branquear” o mercado de trabalho por parte das elites, que ao privilegiar os imigrantes europeus negaram ao homem e à mulher negra ocupações valorizadas socialmente e mais bem remuneradas.

A ideia de pesquisar a exclusão do negro no mercado de trabalho ao final do período escravista surgiu durante a minha graduação, quando pensei em buscar as razões da atual discriminação que homens e mulheres negras vivenciam no mercado de trabalho e na sociedade”, afirma Jacino. O autor comprovou que mesmo atividades historicamente consideradas “ocupações de negros” – serviços domésticos, comércio de rua, atendimento a saúde e demais atividades até então consideradas desprezíveis para brancos – começaram a ser disputadas pelos imigrantes europeus. Estes eram favorecidos por “ações administrativas” protagonizadas pelos setores abastados da cidade e até mesmo pela legislação que, implícita ou explicitamente, proibia que homens e mulheres negras ocupassem certas vagas.

As razões para esse “branqueamento” do mercado de trabalho, segundo o pesquisador, são as opções ideológicas das elites daquele período, em especial das oligarquias cafeeiras paulistas. “Por serem profundamente racistas, compreendiam que o crescimento e a modernização do país pressupunha o ‘branqueamento’ do seu povo. Os efeitos desse ‘branqueamento’ são econômicos, pois homens e mulheres negros ainda estão condenados aos trabalhos mais insalubres, mais mal remunerados e mal valorizados socialmente; são sociais, pois os descendentes de escravizados continuam marginalizados; são políticos, pois estão sub-representados nos espaços de poder; e são culturais, uma vez que a extraordinária contribuição cultural dos descendentes de africanos permanece desprezada, demonizada, criminalizada ou, na melhor das hipóteses, tratada como ‘folclore’”, lamenta Jacino.

Quem frequenta as palestras do escritor Ferréz conhece Bolonha, Mauro Maurício, Nêgo Jaime, Júnior, Dona Néia e Sebastião, heróis e anti-heróis que o autor criou para histórias curtas que apresenta em eventos e saraus realizados pelas periferias.

Agora, eles fazem parte do livro Os Ricos Também Morrem (Ed. Planeta, 192 págs.), um apanhado de causos urbanos do cotidiano rude das cidades. Com linguagem ágil, próxima à do rap, o principal nome da literatura marginal brasileira traz à tona sua crítica habitual: as injustiças e a desesperança moram ao lado e não do outro lado do Atlântico.

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