A
influência africana no Brasil aparece em uma série de traços culturais e pode
ser vista no idioma, na comida, na música, nas manifestações religiosas e no
próprio jeito de se comportar do brasileiro. De tradição bantu, Angola foi um
dos países que mais contribuíram para essas influências.
O
povo bantu é originário de várias regiões do Continente Africano, como o Sul da
África e a África Central, na qual se encontra Angola. As várias etnias desse
povo se misturaram nos navios negreiros a caminho do Brasil e, mesmo perdendo
muito de sua individualidade no processo de escravização, traços fortes se
mantiveram até hoje. Palavras como “quitanda”,
“cafuné”, “chamego” e “moleque” são
derivadas do vocabulário de povos da região onde hoje está Angola.
“São termos relacionados a práticas de
relações domésticas, familiares, em festividades. A gente não percebe a
profundidade da influência desses costumes. As palavras, sozinhas, aparecem
como curiosidades, mas “quitanda”,
por exemplo, vem das práticas comerciais, “chamego”
e “cafuné”, dos modos de cuidar,
educar, criar os filhos”, analisa a professora de antropologia da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Luena Nunes Pereira.
Ela
considera que uma das principais heranças culturais dos povos que vieram da
África para o Brasil é o jeito de se comportar. Segundo ela, os brasileiros
incorporaram vários maneirismos dos africanos. “A maneira como a gente se conduz corporalmente, o jeito de andar,
gesticular, se comportar com os outros, com abraços e tapinhas nas costas. Isso
tudo tem uma influência africana muito forte. É como dizia Gilberto Freyre, até
no jeito de andar dos brancos você encontra um pouco de África.”
O
país também deve a Angola uma expressão artística alçada a ícone tipicamente
brasileiro. O conhecido samba nasceu do semba, angolano. O semba é dançado como
se fosse um sapateado em ritmo mais acelerado. “A matriz do samba é angolana. O toque do samba, a percussão, a rítmica,
isso é bantu. Todas as formas musicais reconhecidas como afro-brasileiras são
bantu”, explicou Luena, citando o samba, o maracatu, o jongo e o batuque.
Paula
Barreto, professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e pesquisadora do Centro de Estudos Afro-Orientais, ressalta que o
semba é um dos estilos musicais mais fortes da cultura angolana. “O samba é uma expressão cultural de
trajetória longa, mas é possível verificar essa aproximação com Angola porque o
semba continua existindo como uma parte forte da produção musical angolana. A
questão do ritmo, da marcação, da cadência, o modo de dançar, as
características mais importantes do samba.”
Outro
expoente da cultura nacional trazido pelos povos de Angola é a capoeira. A mais
antiga das formas de jogar é batizada capoeira de Angola. “É uma capoeira jogada em um andamento predominantemente lento e com
movimentos mais baixos”, diz o mestre Zulu, mineiro de 63 anos de idade, 48
deles dedicados à capoeira. Segundo ele, o jogo da capoeira de Angola é mais
estudado, estratégico, tentando induzir o oponente ao erro.
“Há muito meneio de corpo para distrair o
oponente e apanhá-lo de alguma forma. A capoeira de Angola usa muita
movimentação com as mãos no chão, muito equilíbrio de cabeça para baixo, muita
'malemolência' e, subitamente, sai um golpe.”
O
acompanhamento rítmico da capoeira de Angola e da capoeira regional,
desenvolvida no Brasil pelo Mestre Bimba, em 1927, também é diferente. Enquanto
a capoeira regional usa apenas um berimbau de afinação média, dois pandeiros e
as palmas, a capoeira de Angola é mais diversificada e explora bastante a
percussão. São três berimbaus, com três afinações diferentes – viola, médio e
gonga, este sendo mais grave –, atabaques, pandeiro, reco-reco e agogô.
Quando
falamos em herança culinária, no entanto, foi o Brasil quem mais influenciou
Angola. “A mandioca foi levada pelos
portugueses para lá e hoje é base da alimentação angolana. É um país muito
dependente da mandioca. É uma influência indígena vinda do período colonial”,
detalhou Luena. É possível, contudo, enxergar detalhes de Angola na culinária
brasileira, como a forma de cozinhar os alimentos e o uso frequente da banana,
do inhame e do azeite de dendê, muito utilizado na cozinha baiana.
Hoje,
na avaliação da socióloga da UFBA, Angola conhece muito mais o Brasil do que os
brasileiros conhecem os angolanos. “A
produção cultural brasileira chega fortemente a Angola. A música, a televisão,
a literatura. Eles acompanham nossas novelas e alguns artistas, como Martinho
da Vila. O ângulo inverso, da entrada da cultura angolana no Brasil, é que me
parece que ainda poderia crescer.”
Ela
cita que pelo menos três escritores angolanos circulam no cenário literário
brasileiro com alguma desenvoltura. José Eduardo Agualusa; o jovem Ondjaki,
vencedor, no Brasil, do Prêmio Jabuti de Literatura; e o veterano Pepetela que
destaca, em sua obra, os problemas da sociedade contemporânea de Angola.
Como
alternativa para as referências portuguesas, esses escritores beberam da fonte
literária brasileira. “Eles reconhecem
que foram influenciados por grandes nomes da nossa literatura, como Guimarães
Rosa e Jorge Amado”, diz a especialista da UFBA.
Eles
também aproveitam as semelhanças com o Brasil para poder agregar mais à sua
forma de ver o mundo e até mesmo criar seu estilo. Na opinião de Paula, é algo
que dá uma dica do que os brasileiros poderiam fazer.
“Devemos nos voltar muito mais para o
Continente Africano e, em especial, para Angola. Temos grande facilidade de
troca cultural. O idioma, o passado e a memória compartilhada colaboram. Nós
devemos e podemos nos conhecer muito mais.”
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