Desde
muito cedo Jean Piaget demonstrou sua capacidade de observação. Aos onze anos
percebeu um melro albino em uma praça de sua cidade. A observação deste pássaro
gerou seu primeiro trabalho científico. Formado em Biologia interessou-se por
pesquisar sobre o desenvolvimento do conhecimento nos seres humanos. As teorias
de Jean Piaget, portanto, tentam nos explicar como se desenvolve a inteligência
nos seres humanos. Daí o nome dado a sua ciência de Epistemologia Genética, que
é entendida como o estudo dos mecanismos do aumento dos conhecimentos.
Convém
esclarecer que as teorias de Piaget têm comprovação em bases científicas. Ou
seja, ele não somente descreveu o processo de desenvolvimento da inteligência
mas, experimentalmente, comprovou suas teses.
Resumir
a teoria de Jean Piaget não é uma tarefa fácil, pois sua obra tem mais páginas
que a Enciclopédia Britânica. Desde que se interessou por desvendar o
desenvolvimento da inteligência humana, Piaget trabalhou compulsivamente em seu
objetivo, até às vésperas de sua morte, em 1980, aos oitenta e quatro anos,
deixando escrito aproximadamente setenta livros e mais de quatrocentos artigos.
Repassamos aqui algumas idéias centrais de sua teoria, com a colaboração do
“Glossário de Termos”.
1 - A inteligência para Piaget é o mecanismo
de adaptação do organismo a uma situação nova e, como tal, implica a construção
contínua de novas estruturas. Esta adaptação refere-se ao mundo exterior, como
toda adaptação biológica. Desta forma, os indivíduos se desenvolvem
intelectualmente a partir de exercícios e estímulos oferecidos pelo meio que os
cercam. O que vale também dizer que a inteligência humana pode ser exercitada,
buscando um aperfeiçoamento de potencialidades, que evolui "desde o nível
mais primitivo da existência, caracterizado por trocas bioquímicas até o nível
das trocas simbólicas" (RAMOZZI-CHIAROTTINO apud CHIABAI, 1990, p. 3).
2
- Para Piaget o comportamento dos seres vivos não é inato, nem resultado de
condicionamentos. Para ele o comportamento é construído numa interação entre o
meio e o indivíduo. Esta teoria epistemológica (epistemo = conhecimento; e
logia = estudo) é caracterizada como interacionista. A inteligência do
indivíduo, como adaptação a situações novas, portanto, está relacionada com a
complexidade desta interação do indivíduo com o meio. Em outras palavras,
quanto mais complexa for esta interação, mais “inteligente” será o indivíduo.
As teorias piagetianas abrem campo de estudo não somente para a psicologia do
desenvolvimento, mas também para a sociologia e para a antropologia, além de
permitir que os pedagogos tracem uma metodologia baseada em suas descobertas.
3 - “Não
existe estrutura sem gênese, nem gênese sem estrutura” (Piaget). Ou seja, a
estrutura de maturação do indivíduo sofre um processo genético e a gênese
depende de uma estrutura de maturação. Sua teoria nos mostra que o indivíduo só
recebe um determinado conhecimento se estiver preparado para recebê-lo. Ou
seja, se puder agir sobre o objeto de conhecimento para inserí-lo num sistema
de relações. Não existe um novo conhecimento sem que o organismo tenha já um
conhecimento anterior para poder assimilá-lo e transformá-lo. O que implica os
dois pólos da atividade inteligente: assimilação e acomodação. É assimilação na
medida em que incorpora a seus quadros todo o dado da experiência ou
ëstruturação por incorporação da realidade exterior a formas devidas à
atividade do sujeito (Piaget, 1982). É acomodação na medida em que a estrutura
se modifica em função do meio, de suas variações. A adaptação intelectual
constitui-se então em um "equilíbrio
progressivo entre um mecanismo assimilador e uma acomodação complementar"
(Piaget, 1982). Piaget situa, segundo Dolle, o problema epistemológico, o do
conhecimento, ao nível de uma interação entre o sujeito e o objeto. E
"essa dialética resolve todos os conflitos nascidos das teorias,
associacionistas, empiristas, genéticas sem estrutura, estruturalistas sem
gênese, etc. ... e permite seguir fases sucessivas da construção progressiva do
conhecimento" (1974, p. 52).
4
- O desenvolvimento do indivíduo inicia-se no período intra-uterino e vai até
aos 15 ou 16 anos. Piaget diz que a embriologia humana evolui também após o
nascimento, criando estruturas cada vez mais complexas. A construção da
inteligência dá-se portanto em etapas sucessivas, com complexidades crescentes,
encadeadas umas às outras. A isto Piaget chamou de “construtivismo sequencial”.
A
seguir os períodos em que se dá este desenvolvimento motor, verbal e mental.
A.
Período Sensório-Motor - do nascimento aos 2 anos, aproximadamente.
A
ausência da função semiótica é a principal característica deste período. A
inteligência trabalha através das percepções (simbólico) e das ações (motor)
através dos deslocamentos do próprio corpo. É uma inteligência iminentemente
prática. Sua linguagem vai da ecolalia (repetição de sílabas) à palavra-frase
("água" para dizer que quer beber água) já que não representa
mentalmente o objeto e as ações. Sua conduta social, neste período, é de
isolamento e indiferenciação (o mundo é ele).
B.
Período Simbólico - dos 2 anos aos 4 anos, aproximadamente.
Neste
período surge a função semiótica que permite o surgimento da linguagem, do
desenho, da imitação, da dramatização, etc.. Podendo criar imagens mentais na
ausência do objeto ou da ação é o período da fantasia, do faz de conta, do jogo
simbólico. Com a capacidade de formar imagens mentais pode transformar o objeto
numa satisfação de seu prazer (uma caixa de fósforo em carrinho, por exemplo).
É também o período em que o indivíduo “dá
alma” (animismo) aos objetos ("o
carro do papai foi 'dormir' na garagem"). A linguagem está a nível de
monólogo coletivo, ou seja, todos falam ao mesmo tempo sem que respondam as
argumentações dos outros. Duas crianças “conversando”
dizem frases que não têm relação com a frase que o outro está dizendo. Sua
socialização é vivida de forma isolada, mas dentro do coletivo. Não há
liderança e os pares são constantemente trocados.
Existem
outras características do pensamento simbólico que não estão sendo mencionadas
aqui, uma vez que a proposta é de sintetizar as idéias de Jean Piaget, como por
exemplo o nominalismo (dar nomes às coisas das quais não sabe o nome ainda),
superdeterminação (“teimosia”),
egocentrismo (tudo é “meu”), etc.
C.
Período Intuitivo - dos 4 anos aos 7 anos, aproximadamente.
Neste
período já existe um desejo de explicação dos fenômenos. É a “idade dos
porquês”, pois o indíviduo pergunta o tempo todo. Distingue a fantasia do real,
podendo dramatizar a fantasia sem que acredite nela. Seu pensamento continua
centrado no seu próprio ponto de vista. Já é capaz de organizar coleções e
conjuntos sem no entanto incluir conjuntos menores em conjuntos maiores (rosas
no conjunto de flores, por exemplo). Quanto à linguagem não mantém uma
conversação longa mas já é capaz de adaptar sua resposta às palavras do
companheiro.
Os
Períodos Simbólico e Intuitivo são também comumente apresentados como Período
Pré-Operatório.
D.
Período Operatório Concreto - dos 7 anos aos 11 anos, aproximadamente.
É
o período em que o indivíduo consolida as conservações de número, substância,
volume e peso. Já é capaz de ordenar elementos por seu tamanho (grandeza),
incluindo conjuntos, organizando então o mundo de forma lógica ou operatória.
Sua organização social é a de bando, podendo participar de grupos maiores,
chefiando e admitindo a chefia. Já podem compreender regras, sendo fiéis a ela,
e estabelecer compromissos. A conversação torna-se possível (já é uma linguagem
socializada), sem que no entanto possam discutrir diferentes pontos de vista
para que cheguem a uma conclusão comum.
E.
Período Operatório Abstrato - dos 11 anos em diante.
É
o ápice do desenvolvimento da inteligência e corresponde ao nível de pensamento
hipotético-dedutivo ou lógico-matemático. É quando o indivíduo está apto para
calcular uma probabilidade, libertando-se do concreto em proveito de interesses
orientados para o futuro. É, finalmente, a “abertura para todos os possíveis”.
A partir desta estrutura de pensamento é possível a dialética, que permite que
a linguagem se dê a nível de discussão para se chegar a uma conclusão. Sua
organização grupal pode estabelecer relações de cooperação e reciprocidade.
5
- A importância de se definir os períodos de desenvolvimento da inteligência
reside no fato de que, em cada um, o indivíduo adquire novos conhecimentos ou
estratégias de sobrevivência, de compreensão e interpretação da realidade. A
compreensão deste processo é fundamental para que os professores possam também
compreender com quem estão trabalhando.
A
obra de Jean Piaget não oferece aos educadores uma didática específica sobre
como desenvolver a inteligência do aluno ou da criança. Piaget nos mostra que
cada fase de desenvolvimento apresenta características e possibilidades de
crescimento da maturação ou de aquisições. O conhecimento destas possibilidades
faz com que os professores possam oferecer estímulos adequados a um maior
desenvolvimento do indivíduo.
“Aceitar o ponto de vista de Piaget,
portanto, provocará turbulenta revolução no processo escolar (o professor
transforma-se numa espécia de ‘técnico do time de futebol’, perdendo seu ar de
ator no palco). (...) Quem quiser segui-lo tem de modificar, fundamentalmente,
comportamentos consagrados, milenarmente (aliás, é assim que age a ciência e a
pedagogia começa a tornar-se uma arte apoiada, estritamente, nas ciências
biológicas, psicológicas e sociológicas). Onde houver um professor
‘ensinando’... aí não está havendo uma escola piagetiana!” (Lima, 1980, p.
131).
O
lema “o professor não ensina, ajuda o
aluno a aprender”, do Método Psicogenético, criado por Lauro de Oliveira
Lima, tem suas bases nestas teorias epistemológicas de Jean Piaget. Existem
outras escolas, espalhadas pelo Brasil, que também procuram criar metodologias
específicas embasadas nas teorias de Piaget. Estas iniciativas passam tanto
pelo campo do ensino particular como pelo público. Alguns governos municipais,
inclusive, já tentam adotá-las como preceito político-legal.
Todavia,
ainda se desconhece as teorias de Piaget no Brasil. Pode-se afirmar que ainda é
limitado o número daqueles que buscam conhecer melhor a Epistemologia Genética
e tentam aplicá-la na sua vida profissional, na sua prática pedagógica. Nem
mesmo as Faculdades de Educação, de uma forma geral, preocupam-se em aprofundar
estudo nestas teorias. Quando muito oferecem os períodos de desenvolvimento,
sem permitir um maior entendimento por parte dos alunos.
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