Conheça os jovens revolucionários às avessas


O estereótipo do jovem, principalmente após a década de 1960 e, em especial, das revoltas de maio de 1068, é formado por características como a rebeldia, o questionamento da autoridade dos pais, a liberação sexual e o uso de drogas. Entretanto, os estereótipos são sempre uma simplificação pobre da realidade, ainda mais num país tão fora dos padrões e difícil de classificar como o Brasil. Por isso, alguns jovens fazem questão de contrariar esta definição ao adotar ideias e comportamentos bem diferentes.

A internet tem sido um meio bastante usado por esses jovens para se reunirem, trocarem afinidades e expressarem sua opinião a respeito dos temas citados acima – e muitos outros. Rafael de Carvalho é um deles: em 2013, o administrador de sistemas de 25 anos criou o Canal da Direita, presente como canal no Youtube e página no Facebook (esta última com 77.454 curtidas). Segundo ele, “nossa missão é, antes de tudo, ajudar a formar uma oposição pró-Brasil ao invés de partidária como vemos por aí”.

Rafael avalia que o Brasil, especialmente a juventude, é vítima de uma doutrinação do pensamento de esquerda, presente em universidades e no meio cultural. “Apesar de ter a hegemonia política e cultural nas mãos, a esquerda não tem toda a juventude aos seus pés. Se tivéssemos no Brasil uma educação aliada à formação política sem doutrinação, certos políticos que chegaram ao planalto não seriam eleitos nem para vereador”. Esta percepção é compartilhada por Weverlim Cavalcante, estudante de direito em Maceió, 18 anos, criador da página UJC (União Juventude Conservadora, 3.473 curtidas no Facebook): “Quando o PT entrou no poder começou a haver uma doutrinação pesada do marxismo, leninismo, gramscismo, entre outras teorias comunistas, que foi moldando os modos de pensar da nossa juventude”.

O professor e pesquisador da FESPSP, Rodrigo Estramanho de Almeida, 31 anos, discorda da ideia de que as universidades sejam pólos esquerdistas: “professor não é a única classe que forma opinião política, e não há dados para provar que eles pensam assim. Não existe relação de causa e efeito, o perfil tem a ver com passado, história, construção da realidade, instituições”. Todavia, ele aponta para um perfil progressista da juventude paulistana, como notado na pesquisa O jovem e o futuro na cidade de São Paulo, coordenada por ele e produzida pelo Núcleo de Pesquisa em Ciências Sociais da FESPSP. Quase metade dos 409 entrevistados concordou totalmente com a afirmação “As recentes manifestações políticas são positivas para a cidade de São Paulo”. Este desejo por mudança, expressado nas ruas em junho de 2013, é, para Rodrigo, uma mostra da insatisfação do jovem brasileiro com a ordem política e social atual, o que nos impede de classificá-lo como conservador (no sentido de querer conservar a ordem vigente ou voltar a alguma anterior).

Apesar desse desejo por mudanças, Renato Essenfelder, professor do curso de jornalismo na ESPM e no Mackenzie, 33 anos, observa tendências conservadoras em alguns jovens. “Embora o discurso público seja um, em privado vejo o conservadorismo arraigado: a menina que faz sexo é depravada, o homossexual que demonstra afeto em público é sem vergonha, o usuário de droga é marginal ou ‘lesado’”. Além de professor, Renato escreve crônicas no blog Males Crônicos, do Estadão, e recebeu muitas críticas em seu texto, explicitamente irônico, Ai, que

Saudades da ditadura. “Foram mais de 500 comentários, e pelo menos 70% eram pró-ditadura. Não sei dizer quantos dos internautas eram jovens, o público era muito heterogêneo”.

A adoção desse papel de minoria mal-representada é um ponto-chave para entender o motivo de alguns jovens – a até ex-rebeldes como o músico Lobão – assumirem posições conservadoras. Essa postura é resumida claramente por Rafael de Carvalho: “numa sociedade coletivista como a nossa, que crê que os interesses das abstrações sociais (classe, raça, gênero etc.) são mais importantes que o indivíduo, o jovem conservador é o verdadeiro revolucionário”. Rodrigo Estramanho, por sua vez, percebe uma contradição neste posicionamento e acredita que “isso é uma confusão semântica enorme, que deriva de uma confusão em relação à realidade. Quem é conservador quer manter ou voltar a uma situação. Isso é um ponto de vista, não vejo que esteja assim”.

No campo político, Rodrigo nota a presença de “questões religiosas e institucionais, que orientam certo tipo de comportamento” e acabam por influenciar candidatos progressistas, impedindo-os de assumir opiniões como a defesa do aborto. “Precisamos avançar muito no debate dessas questões”, completa. Em relação a esses temas, Weverlim é taxativo ao declarar sua oposição ao “aborto, pedofilia, prostituição, redução da maioridade sexual, casamento homo afetivo e a legalização das drogas”, colocando a discussão de direitos, como o casamento entre homossexuais, no mesmo grupo de crimes como a pedofilia.

Como referências do pensamento conservador atual, Weverlim cita “a família Bolsonaro, Rachel Sheherazade e Paulo Eduardo Martins”, acrescentando que na UJC Margareth Thatcher e Ronald Reagan também assumem esse papel. Renato Essenfelder lamenta a influência de Bolsonaro e Sheherazade por seu discurso raso: “Um país que teve Roberto Campos, para citar um político, e Paulo Francis, para ficar em um jornalista, não pode se contentar com eles”.

Apesar de usar um tom aparentemente radical na defesa de suas ideias, o discurso desses jovens alia-se ao pluralismo para o desenvolvimento da sociedade, pois “sendo assim, haverá um equilíbrio ideológico e social”, nas palavras de Weverlim. E como todos os opostos e rivais na história, esquerda e direita, liberalismo e conservadorismo nos costumes, parecem não sobreviver sem o outro. “Precisamos incentivar a diversidade, as vocações”, diz Rodrigo. Para ele, o conservadorismo de uma parcela dos jovens, assim como a popularidade de figuras conservadoras, os protestos de junho de 2013 e a Comissão da Verdade, “são sintomas de democracia”. “Precisamos definir o Brasil que queremos, e é a juventude que vai fazer isso”, conclui.


A análise é do Jornalista Luiz Vendramin Andreassa e foi publicado originalmente no Diário do Centro do Mundo



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