Não
é racional, nem ponderada. Essa é a melhor definição sobre o parecer do senador
Ricardo Ferraço à PEC 33/2012, de autoria do senador paulista Aloysio Nunes
(PSDB).
Não
se trata de racionalidade, em primeiro lugar por partir do pressuposto de que
seria uma terceira via. Aí há dois problemas. O primeiro conceitual, que está
na raiz dos discursos mal ajambrados de terceira via. Não há demérito em
propostas radicalmente opostas entre si. Elas apresentam dimensões
conflitantes, não só de argumento, mas de olhar sobre a sociedade. Uma terceira
via é sempre algo que reduz os conflitos e rebaixa os argumentos.
Mas
nem isso a PEC 33/2012 consegue ser, mesmo com o floreado parecer do relator
Ferraço, do PMDB do Espírito Santo. Não consegue porque a divergência entre
redução ou não da maioridade penal não se encontra nos dispositivos ou termos
legais que diferenciam a não redução da maioridade, a redução automática e esse
híbrido produzido pelo conservadorismo paulista. Ou seja, não está no desenho
legal de como entulhar jovens pobres e negros em centros de tortura. A oposição
entre as duas ideias está dada pela análise do problema, a opinião sobre a raiz
e as possíveis soluções. Nisso, não há qualquer mediação ou terceira via. Nem
na PEC 33/2012. Nem no malabarismo argumentativo utilizado por Ferraço em seu
parecer.
Assim,
a oposição real não está colocada pela redução para 16 anos ou manutenção nos
18 anos. Mas pela escola política, ideológica e ética de quem sabe que a raiz
do envolvimento dos jovens com atos infracionais não está na capacidade do
sujeito para entender o viés ilegal do ato. Isso é rebaixar para uma dimensão
biológica ou psicológica um problema essencialmente social, político e de
administração pública. Há mais coisas nessa discussão do que pode compreender a
baixa capacidade intelectual ou humana do conservadorismo tupiniquim.
Trata-se,
de fato, de entender que o número de jovens envolvidos com crimes contra a vida
caiu pela metade no Brasil nos últimos dez anos. Portanto, utilizar casos
pontuais de extrema violência cometidos por adolescentes e jovens como forma de
chocar a sociedade é uma indecência. E é esse tipo de bizarrice que preenche
toda a justificativa da PEC 33/2012.
Dos
“argumentos” selecionados por Ferraço da proposta do senador Aloysio Nunes, em
sete parágrafos, quatro são destinados a detalhar casos violentos cometidos por
jovens no que mais parece um relato de programa policial/investigativo do que a
justificativa de uma Proposta de Emenda à Constituição brasileira. Algo tão bem
elaborado quanto seria apontar os processos de que são parte alguns
parlamentares para jogar na vala comum todo o Congresso brasileiro.
Se
a proposta tratasse realmente de evitar uma “suposta” sensação de impunidade
aos crimes violentos, ela seria restrita a esses. Mesmo que esses crimes sejam
uma irrelevância do ponto de vista estatístico e em queda comprovada ao longo
dos últimos anos. Porém, nem esse caminho perigoso e completo da teoria
criminal e da promoção da segurança pública a proposta consegue trilhar. Por
dois motivos centrais. Ela não discute, nem na justificativa nem no parecer, o
problema da impunidade, que não atinge os adolescentes, que não dispõem de instrumentos
como a progressão de pena e, na maioria dos casos, passam mais tempo privados
de liberdade que adultos que cometem os mesmos atos. E também porque ela coloca
na vala comum todos os crimes previstos no inciso XLIII da Constituição. Ou
seja, trata como iguais o latrocínio, o estupro e o “aviãozinho” de maconha.
Mas
a melhor parte da terceira via é que ela não prevê a redução automática da
maioridade. A novidade aqui é que o Poder Judiciário vai instalar inquéritos e
decidir, caso a caso, quando o agente menor de 18 anos e maior de 16, tem a
“capacidade de compreender o caráter criminoso de sua conduta”.
A
delegação é um presente à Casa Grande que tem no Poder Judiciário sua máxima
expressão institucional. Ele vai escolher de acordo com os antecedentes
“econômicos”, “familiares”, entre outros, quem deve ser entulhado nas unidades
de internação e quem não deve. Filhos de senadores, adolescentes brancos de
classe média e alta, obviamente, não entrarão nessa lista. Com que embasamento
faço essa afirmação? Com base nos dados e nos mais diversos casos de violência
não citados pelo Senador Aloysio Nunes de adolescentes brancos de classe média
contra índios, população de rua, homossexuais e negros nas ruas do Brasil que
sempre resultam em impunidade. É essa irracionalidade política, criminal e
sociológica que preenche a terceira via do relator.
*Texto de Alessandro Melchior
publicado no Congresso em Foco
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!