Educação em língua materna




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As crenças sobre a superioridade de um falar sobre os demais é um dos mitos que se arraigaram na cultura brasileira. Toda variedade regional é, antes de tudo, um instrumento identitário, isto é, um recurso que confere identidade a um grupo social. Ser nordestino, ser mineiro, ser carioca etc. é um motivo de orgulho para quem o é, e a forma de alimentar esse orgulho é usar o linguajar da sua região e praticar seus hábitos culturais. No entanto, verifica-se que alguns falares têm mais prestígio no Brasil como um todo que outros. Por que isso ocorre?

Em toda comunidade de fala onde convivem falantes de diversas variedades regionais, como é o caso das grandes metrópoles brasileiras, os falantes que são detentores de maior poder – e por isso gozam de mais prestígio – transferem esse prestígio para a variedade linguística que falam. Assim, as variedades faladas pelos grupos de maior poder político e econômico passam a ser vistas como variedades mais bonitas e até mais corretas. Mas essas variedades nada têm de intrinsecamente superior às demais. O prestígio que adquirem é resultado de fatores políticos e econômicos. O dialeto falado em uma região pobre pode vir a ser considerado um dialeto “ruim”, enquanto o dialeto falado em uma região rica e poderosa passa a ser visto como um “bom” dialeto.

Isso ocorre em todos os países. Na França, por exemplo, o dialeto que adquiriu mais prestígio e que hoje tem o status de língua nacional é o falado na região de Paris, onde se estabeleceu primeiramente a corte francesa e, depois da Revolução Francesa, a sede da República. Quando uma variedade regional é alçada à condição de língua nacional, em virtude de um processo sócio-histórico, ela adquire maior prestígio em detrimento das demais. Porém, esses juízos de valor são ideologicamente motivados e geram preconceitos que devemos combater.

No Brasil, os falares das cidades litorâneas sempre tiveram mais prestígio que os falares das comunidades interioranas. Isso se explica porque essas cidades receberam um contingente muito grande de portugueses nos três primeiros séculos de colonização e desenvolveram falares mais próximos dos falares lusitanos. Além disso, até 1960, a capital do Brasil se situava no litoral. É natural que a sede do governo tenha mais poder político e prestígio, e esse prestígio, como vimos, acaba por se transferir ao dialeto da região. No Brasil de hoje, os falares de maior prestígio são justamente os usados nas regiões mais ricas.

Então, são fatores históricos, políticos e econômicos que conferem o prestígio a certos dialetos ou variedades regionais e alimentam preconceito em relação a outros. Mas sabemos que esse preconceito é perverso e deve ser seriamente combatido, começando na escola, pois a pluralidade cultural e a rejeição aos preconceitos linguísticos são valores que precisam ser cultivados a partir da educação infantil e do ensino fundamental.

(Stella M. Bortoni-Ricardo. Educação em língua materna. São Paulo: Parábola, 2004, p. 34-36. Adaptado.).

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