Política
para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da
população resume-se a eleições.
Pessoas
menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o "ano da
política", fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país, do
qual não escapa um ensino alheio ao tema.
Nação
de base escravocrata, às camadas subalternas brasileiras sempre foi negado o
direito de efetiva participação no jogo político.
Como
concessão permite-se o exercício do voto, dentro de regras restritivas, feitas
sob modelo para perpetuação das elites tradicionais no poder.
O
descompasso entre presidentes da República eleitos a partir de programas de
governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no
Congresso conservadoras e patrimonialistas têm sido uma constante da política
brasileira desde a metade do século passado.
O
suicídio de Vargas e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura
Andrade em 1964 ao declarar vaga a presidência da República legalmente ocupada
pelo presidente João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira,
na qual enquadra-se até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros. Cabem aí
também as chantagens exercidas por grupos parlamentares contra os governos Lula
e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.
Diferentemente
da eleição majoritária, onde os candidatos a chefe do executivo falam às
grandes massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e
senadores apóiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência,
herdeiros que são do velho coronelismo eleitoral.
E
no Congresso, sem compromisso ideológico com o eleitor, defendem os interesses
dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos
do campo e da cidade, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas.
São
candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico,
proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de
oferecer em larga escala. No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão
não estão interessados em mudanças. Por pertencerem, no geral, aos herdeiros
dos escravocratas (reais ou ideológicos), a existência de um eleitorado
esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses.
Por
isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da
política, criminalizado-a sempre que possível.
As
raízes da tensão histórica existente entre o executivo e o legislativo
brasileiros não fazem parte da pauta da mídia nacional.
Como
também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas
para uma necessária e urgente reforma política.
Entre
elas, por exemplo, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de
diferentes Estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o
financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação
são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.
O
dever social da mídia seria o de ampliar esse debate, levando-o à toda
sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política
nacional. Mas ela não presta esse serviço.
Prefere
destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os "bate-bocas"
nas CPIs. São temas que caem como uma luva nas linhas editoriais dos grandes
veículos, movidas por escândalos e tragédias espetaculares, sempre tratadas
como "fait-divers", sem causas ou consequências, apenas como show.
O
resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a
atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo
aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos.
A
definição de uso corrente de que "são todos iguais" reflete essa
imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.
No
caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da
população, a situação é ainda mais grave.
O
Brasil é a única grande democracia do mundo onde não existem debates políticos
regulares nas redes nacionais abertas.
Só
aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a
ideia popular de que política resume-se a eleições.
Ao
exercerem no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação,
em sua maioria, brincam com o fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao
golpismo.
Fonte: Carta Maior
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