Representatividade negra na literatura é instrumento de afirmação política


É a partir de escrevivências que Conceição Evaristo demarca o lugar da cultura afro no Brasil, projetando sentimentos do povo com foco no feminismo / Foto: Reprodução - Diário do Nordeste.

Há um termo simultaneamente poético e forte para designar a escrita gestada a partir do cotidiano, das lembranças e da experiência de vida pessoal e de todo um povo: escrevivências. Quem o trouxe à vista foi a escritora mineira Conceição Evaristo - um dos nomes mais importantes e necessários da literatura brasileira contemporânea - exatamente para dar destaque aos sentimentos de toda ordem que atravessam a condição de ser afrodescendente no País que dividimos morada.

Ao singrar pelas páginas a costurar alegrias, emoções, gritos e sussurros de uma camada da sociedade ainda tão fortemente marginalizada, excluída e silenciada, a autora faz da arte um poderoso instrumento de luta contra o racismo e o machismo instalados no alicerce da população.

Um triste panorama a se considerar num território em que negras e negros são a maioria, conforme pesquisa divulgada em novembro do ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nela, se constatou que o número de brasileiros que se autodeclararam pretos aumentou 14,9% entre os períodos de 2012 e 2016, resultando em uma nação de maior parte afro. Neste Dia da Consciência Negra, conferir relevo a iniciativas que prezam pelo respeito e afirmação da identidade de matriz africana neste solo, se faz, portanto, bastante imperativo.

De Cruz e Sousa (1861-1898) a Joel Rufino dos Santos, passando por Maria Firmina dos Reis (1825-1917) e Elisa Lucinda, a literatura que contempla o segmento é ampla e bebe de diferentes matrizes para alavancar significativas reflexões. Em comum entre elas: um cuidadoso trabalho com as palavras de modo a fazer com que o que foi escrito possa gerar engajamento. Configure-se, enfim, como afirmação política.

Inspirado por essa realidade, o Verso traz um apanhado de algumas das principais vozes no âmbito das letras nacionais e internacionais que fazem valer esse intento e injetam alta voltagem crítica nos textos que assinam. Carolina Maria de Jesus (1914-1977) integra esse time. Moradora da antiga favela do Canindé, em São Paulo, é conhecida pelos relatos em seu diário, reveladores de uma rotina miserável, de total degradação da mulher negra, pobre, mãe, escritora e favelada que era.

Descoberta pelo jornalista Audálio Dantas - que, encarregado de fazer uma matéria na favela onde ela morava, acabou a conhecendo e percebeu o quanto Carolina tinha a dizer - é autora do livro "Quarto de despejo", obra-referência para compreensão do Brasil indigesto em que vivemos, além de várias outras de semelhante amplitude e importância.

Militância

Outras potentes vozes se somam a Carolina Maria de Jesus e a inicialmente citada Conceição Evaristo para bradar força e ativismo afro. Figura que tem ganhado cada vez mais repercussão no País devido à publicação do livro "Quem tem medo do feminismo negro?", Djamila Ribeiro é mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordena a coleção Feminismos Plurais, da Editora Letramento, pela qual lançou "O que é lugar de fala" (2017).

Feminista, filósofa e acadêmica paulistana, Djamila Ribeiro é referência no estudo sobre o ativismo negro. FOTO: ALEX BATISTA / REVISTA GOL

Na principal obra sob sua assinatura, ela se utiliza de nomes do porte de Sueli Carneiro, Alice Walker, Chaimamanda Ngozi Adichie e Bell Hooks para abordar temáticas como os limites da mobilização nas redes sociais, as políticas de cotas raciais e as origens do feminismo negro no Brasil e nos Estados Unidos. Um recorte bastante amplo do que acomete os tempos atuais, feito destacado pela pesquisadora Simone Ricco em artigo escrito por Vagner Amaro, fundador da Editora Malê - voltada para publicação de autores e autoras negros.

Segundo a estudiosa, "a gente quer falar de literatura brasileira, mas de um recorte dela, o que está sendo produzido na literatura nacional contemporânea e destacando a produção negra. E muitos não sabem o que está acontecendo, não conhecem os autores, não têm ideia de como é o texto e ficam presos, muitas vezes, associando a literatura negra a um texto mais panfletário e muitas vezes não é o que acontece. A militância ocorre de uma forma bem mais literária".

Em voga

Já em outro âmbito, dos escritores estrangeiros outrora ofuscados que ganharam maior destaque no Brasil com a recente publicação de obras, James Baldwin (1924-1987) é um dos que merecem maior atenção. Personagem de renome da literatura americana do século XX, nasceu em Nova York e é autor de uma vasta e relevante obra de ficção e não-ficção.

Entre os assuntos abarcados pelo seu guarda-chuva, estão a luta racial e questões de sexualidade e identidade. "O quarto de Giovanni" e "Terra estranha" são as obras editadas recentemente em solo nacional, pela Companhia das Letras.

Já Toni Morrison nunca perde o pique de ser bem-vinda e comentada ao redor do globo por deixar como legado a vivência das negras norte-americanas ao longo dos séculos XIX e XX. Ela já venceu o Pulitzer e foi a primeira escritora negra a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1993, atestando o quão longe pode ir um tratamento esmerado sobre o genuinamente ser negro. (Com informações do Diário do Nordeste).

Professores Nicolau Neto e Maria Telvira debatem Lei 10.639/2003 durante semana de filosofia da UFCA


Mesa debate avanços e desafios da Lei 10.639/2003 durante IX Semana de Filosofia da UFCA. (Foto: Wellia Felipe).


A Universidade Federal do Cariri, campus Juazeiro do Norte – CE, vem promovendo desde o dia 19 a Semana de Filosofia. O evento anual é organizado pelo Centro Acadêmico de Filosofia tendo em 2018 como tema “O Lado Negro da Filosofia: Africanidades, Educação e Resistência”, visando proporcionar o compartilhamento de experiências e conhecimentos entre estudantes, pesquisadores, docentes e demais membros da comunidade.

Segundo informações da coordenação do evento, as ações deste ano contará com mesas redondas, rodas de conversa, oficinas, minicursos, vivências e apresentação de produções acadêmicas e não-acadêmicas e a escolha da temática partiu da necessidade de “fazer afrontamento à ausência de estudos e pesquisas sobre africanidades e filosofia africana na UFCA e na academia de modo geral”, além de pretender “afrontar a problemática da construção e perpetuação de um espaço hegemonicamente branco, assim como a importância de reafirmar a necessidade da política de cotas raciais e sua efetivação na prática”. “Outro aspecto fundamental é pensar a permanência das pessoas negras nas instituições de ensino superior que são estruturalmente racistas”, argumentou-se.

A Semana está sendo norteada a partir de três eixos centrais inter-relacionados - africanidades, educação e resistência -, objetivando, dentre outros, refletir e fazer enfrentamento aos longos anos de injustiça e invisibilização epistemológica para com as produções de autores e correntes filosóficas de pensamento não-eurocêntricas, nesse caso específico, as de origem africana e afrodescendente. Para tanto, vem desenvolvendo uma ampla e diversificada programação.

Professora Maria Telvira fala sobre os projetos antirracistas no Brasil e o papel da escola. (Foto: Wellia Felipe).

Na quarta-feira, 21, a professora doutora do Departamento de História da URCA, Maria Telvira e o professor especialista e ativista do GRUNEC, Nicolau Neto, participaram de uma mesa redonda que tinha como proposta discutir "Os Avanços e Desafios da Lei 10.638/2003: História e Cultura Afro-brasileira na Educação Básica”.

Telvira versou sobre a trajetória da educação e a luta do povo negro pela libertação com enfoque sobre “os projetos antirracista no Brasil e o papel da escola”. Ela trouxe a luz diversas iniciativas, coletivas e individual, de pessoas negras em educar crianças e jovens de pela negra. Ela citou como exemplo a iniciativa do professor “preto” Pretextato dos Passos e Silva que, no século XIX (ainda no período escravocrata) criou uma escola específica para esta parcela da população.

A professora relata que no Brasil as elites Brancas sempre fizeram de tudo para não se “misturar” com o povo negro, se valendo do próprio caso de Pretextato para referendar sua posição. Segundo ela, o próprio professor relatou na época que “em algumas escolas os pais dos estudantes de pele branca não queriam que seus filhos e filhas “ombreiassem” com os de pele negra. Ele discorreu ainda que o pais carrega traços de um sistema escravista implementado em mais de três séculos e que a falsa ideia de igualdade é o principal obstáculo para a construção de um projeto de escola antirracista. E concluiu afirmando que antes de 2003 nada de concreto se tinha nas escolas sobre a história e cultura afro-brasileira, africana e indígena e ressaltou que o que se vem discutindo é sobre desigualdades raciais que gera uma desigualdade de oportunidades. O que acaba confrontando a igualdade formal expressa na Constituição de 1988 e a igualdade real inexistente na sociedade brasileira.

Já Nicolau falou especificamente dos avanços e dos desafios da lei. Ele destacou que ali estava de discutindo sobre uma lei federal que completou 15 anos e que ela é importante porque “já deu uma grande contribuição para nós, enquanto país, uma vez que que trata-se de um documento a nível federal e que com peso legal”. “Por ela e a partir dela”, disse, “construiu-se ferramentas pedagógicas legalizada que pode garantir, de bem utilizada, que todos nós tenhamos acessos a conteúdos antes silenciados que corroborem para a formação humana/cidadã baseado na nacionalidade, na identidade e na diversidade do povo negro e indígena”.

Professor Nicolau Neto versou sobre os avanços e desafios da lei 10.639/200 durante a IX Semana de Filosofia da UFCA. (Foto: Wellia Felipe).

Ao se debruçar nos 15 anos da lei que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica, Nicolau arguiu que a própria obrigatoriedade permite que ela (lei) se torne uma realidade, pois de alguma maneira se aborda nas salas de aula. O que, segundo ele, faz com que “fiquemos vigilantes para a forma com que se aborda”. “Muitas vezes são discussões fora de propósito e que podem levar a perpetuação do racismo e das desigualdades”.

Para Nicolau há em algumas escolas um histórico de professores e professoras que decidem trabalhar os conteúdos – muitas vezes com fortes ligações com os movimentos sociais negros -, e que ainda colaboram e incentivam os demais companheiros de jornada de outras disciplinas a trabalharem nesse sentido. “Isso é um desafio que foi colocado a partir da lei e vem se tornado um forte e bom desafio pedagógico”, ressaltou.

Por isso a lei já e uma realidade nas escolas, embora ainda não tenha sido efetivada plenamente. É uma realidade quando vemos que atinge alguns profissionais. É uma realidade quando ela nos impõe a enfrentar cotidianamente as adversidades, muitas vezes impostas no próprio ambiente de trabalho”.

Na parte final, o professor destacou os principais desafios no que pese a aplicabilidade da lei. Para Nicolau, a maior dificuldade em implementar essa discussão vem dos próprios ambientes de ensino. Seja pela ausência de formação na área, seja por tendo, se recusam a efetivá-la. “Por que isso ocorre? ”, indagou. “Ocorre”, em virtude do imaginário do povo brasileiro que desvaloriza as nossas raízes; que não reconhece a história do povo negro no que pese as vivências e as identidades. É um imaginário que se arvora em dizer que todos somos iguais e que não há racismo no pais e que por isso abordar essas questões leva a um “racismo reverso”, o que segundo o professor, “é descabido”.  Tudo isso acaba por contribuir ainda mais na resistência nas escolas em aplicar a lei.

Universitários e professores fizerem intervenções após as falas de Telvira e de Nicolau. (Foto: Rodrigo Manfredine).
Para Nicolau, outro grande desafio é fazer com que as pessoas envolvidas diretamente no processo de ensino-aprendizagem nos estabelecimentos oficias entendam “que nós precisamos educar para as relações étnico-raciais”.  

Por fim, disse:

"se há resistência em aplicar a lei haverá também por nossa parte resistência, pois essa é a nossa marca. A nossa história nos credencia a ter esperança de que as futuras gerações possam ter um ensino sem a necessidade de leis para destacar o óbvio. Que essas futuras gerações possam ter acesso a esses conteúdos a serem estudados”.

Após as falas, universitários/as e professores/as fizeram intervenções. O evento segue hoje e amanhã com minicursos, rodas de conversas. A Mesa de encerramento debaterá o tema “A carne mais barata do mercado...: a racialidade em tempos de fascismo” com os professores Me. Maria Yasmim (UECE) e Edson Xavier (URCA).




12 autoras negras para ler e lembrar que o Dia da Consciência Negra é o ano inteiro


Conceição Evaristo fala durante "Latinidades - Festival da Mulher Afro Latina Americana e Caribenha 2013".
(Foto: Reprodução/Hypeness)
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Quantas autoras negras você já leu? Provavelmente, poucas. Quem fez o Enem este ano teve até um gostinho da obra de Conceição Evaristo, autora mineira nascida em 1946 que podia se tornar a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na ABL, mas perdeu o posto para o cineasta Cacá Diegues.

Felizmente, algumas iniciativas já buscam oferecer mais espaço a mulheres negras na literatura, como esta livraria especializada em escritoras negras ou esta editora que buscava uma autora negra com um livro inédito para publicação. Acontece que, mais do que publicar, essas mulheres precisam ser lidas – e nossa seleção promete te ajudar a selecionar algumas obras incríveis para começar.

Maria Firmina dos Reis

Primeira romancista brasileira, essa moça nascida em 1825 no Maranhão é autora de livros como Úrsula e A Escrava. Além de escrever, era professora e fundou uma aula mista e gratuita para alunos que não podiam pagar pela educação.

Pintura de Maria Firmina dos Reis, de autoria de Tony Romerson Alves.
(Foto: Wimimedia Commons).

Chimamanda Ngozi Adichie

Chimamanda é um dos nomes queridinhos da atualidade. A nigeriana autora de Americanah, Hibisco Roxo, No Seu Pescoço, Sejamos Todos Feministas, Meio Sol Amarelo e Para educar crianças feministas (ufa!) ficou conhecida por um poderoso TED em que relata os perigos de se contar uma história única sobre a África – vai por mim, você merece ver.

Chimamanda Ngozi Adichie.
Carolina Maria de Jesus


Se você ainda não ouviu, pode ter certeza de que vai ouvir falar muito sobre ela. Carolina Maria de Jesus trabalhava como catadora de lixo e escrevia nas páginas que encontrava nas ruas. Seu livro mais famoso é Quarto de Despejo – Diário de uma favelada, mas ela também assina obras como Casa de Alvenaria, Pedaços de fome e Provérbios.

Carolina Maria de Jesus autografando o livro Quarto de Despejo, em 1960.
(Foto: Arquivo Nacional).


Alice Walker

Em seu livro Rompendo o Silêncio, Alice Walker relata suas passagens por Ruanda, Congo, Palestina e Israel, quando foi convidada por organizações feministas e de direitos humanos. Seus comentários em tom poético lhe renderam duas premiações: um Pulitzer e um National Book Award. Outra obra da autora, A Cor Púrpura, foi adaptada para o cinema e indicada a 11 Oscars.

Alice Walker. (Foto: CC BY-SA 2.0 Virginia De Bolt - Wikimedia Commons).

Elizandra Souza

Natural da zona sul paulista, Elizandra é jornalista, mas também poetisa. Seu livro Águas de Cabaça aborda temáticas relacionadas ao candomblé. Se não bastasse, ela é também criadora do fanzine Mjiba que hoje se tornou um projeto maravilhoso, com direito a lançamento de livros de outras mulheres porretas como ela.




NoViolet Bulawayo

Natural do Zimbábue, NoViolet é autora do impactante Precisamos de Novos Nomes, que relata sob a ótica de uma criança temas sérios que vão de assassinatos políticos a estupros. É quando a protagonista Darling vai estudar nos Estados Unidos que as reflexões sobre a vida na África se transformam em uma forma de entender suas origens.


NoViolet Bulawayo / Foto: Paul Kariuki Munene.

Djamila Ribeiro

Esse mulherão dá uma aula sobre racismo, sexismo e, de quebra, sobre a sociedade como um todo. Em O que é lugar de fala? ela reflete sobre esse termo que já se tornou quase clichê e parte daí para debater sobre desigualdades. Seu segundo livro, Quem tem medo de feminismo negro, virou um dos ícones sobre o assunto no Brasil – e muita gente fez questão de levá-lo às urnas para deixar aquele recado nas últimas eleições.


Djamila Ribeiro /Foto:CC BY 3.0 Agência PT - Wikimedia Commons.


Jenyffer Nascimento

Pernambucana, Jenyffer é poeta que lançou recentemente seu primeiro livro solo: Terra Fértil. O lançamento foi feito através do coletivo Mjiba e retrata temas como amor, identidade, racismo e machismo.


Jenyffer Nascimento / Foto: Elaine Campos - Reprodução - Facebook.


Toni Morrison

Com um retrato cru da experiência da mulher negra, Toni Morrison já entrou para o seleto grupo de escritores que podem se gabar de ter levado para casa um Prêmio Nobel de Literatura. Vale ler Jazz, um romance que evidencia as consequências do assassinato de uma jovem no Harlem.


Toni Morrison. Foto: CC BY-SA 2.0 Angela Radulescu - Wikimedia Commons.


Cristiane Sobral

Misturando prosa com poesia, Cristiane Sobral é autora de três livros: Não Vou Mais Lavar os Pratos; Espelhos, Miradouros, Dialéticas da Percepção; e Só por Hoje Vou Deixar Meu Cabelo em Paz. Sua obra retrata os desafios da mulher negra de forma leve, mas sem nunca deixar de lado a postura engajada.


Cristiane Sobral / Foto: Reprodução - Facebook.


Mel Duarte

Paulista, Mel Duarte é autora de Fragmentos Dispersos e Negra, Nua e Crua, mas sua obra vai muito além das páginas dos livros. Escritora, ativista e produtora cultural, ela possui até poemas inspirados em Jair Bolsonaro.




Conceição Evaristo

Ela abriu esse texto, mas merece também um lugar de destaque aqui no finzinho da lista. Seu primeiro poema data de 1990 e continua escrevendo. Doutora em literatura e nascida em uma favela de Belo Horizonte, Conceição Evaristo é autora de Olhos d’Água, Ponciá Vicêncio, Becos da Memória, Poemas da Recordação e Outros Movimentos. (Com informações do Hypeness).

Brasil concentrou 40% dos feminicídios da América Latina em 2017


Índices latino-americanos de violência contra a mulher motivada por condição feminina sugere atraso dos governos na formulação de políticas públicas de prevenção aos crimes. (Foto: CC 2.0 - Urban Isthmus).


A cada dez feminicídios cometidos em 23 países da América Latina e Caribe em 2017, quatro ocorreram no Brasil. Segundo informações da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU), ao menos 2.795 mulheres foram assassinadas no continente, no ano passado, em crimes motivados pela identidade de gênero. Desse total, 1.133 foram registrados no Brasil.

O levantamento também ranqueia os países a partir de um cálculo de proporção. Nessa perspectiva, quem lidera a lista é El Salvador, que apresenta uma taxa de 10,2 ocorrências a cada 100 mil mulheres, destacada pela Cepal como "sem paralelo" na comparação com o índice dos demais países da região.

Em seguida aparecem Honduras (5,8), Guatemala (2,6) e República Dominicana (2,2) e, nas últimas posições, exibindo as melhores taxas, Panamá (0,9), Venezuela (0,8) e Peru (0,7).

Totalizando um índice de 1,1 feminicídio a cada 100 mil mulheres, o Brasil encontra-se empatado com a Argentina e a Costa Rica.

Colômbia (0,6) e Chile (0,5) também apresentam índices baixos, mas têm uma peculiaridade, que é contabilizarem somente os casos de feminicídio cometidos por parceiros ou ex-parceiros das vítimas – chamado de feminicídio íntimo.

Muitas violências

Veiculado a poucos dias do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher – no próximo domingo (25) – o comunicado da Cepal também assinala como um dos principais desafios para se abordar corretamente o tema a compreensão de que todas as formas de violência que afetam as mulheres estão determinadas, para além de sua condição sexual e de gênero, por diferenças econômicas, etárias, raciais, culturais, de religião e de outros tipos.

Na avaliação da comissão, esse discernimento permitiria que as políticas públicas considerassem a diversidade das mulheres e as diversas formas de violência direcionada a essa parcela da população.

Segundo o Instituto Patrícia Galvão, as diretrizes que norteiam as classificações aplicadas na América Latina para se tratar de feminicídio abarcam a diversidade de contextos dessas mortes. Embora distintas, as 13 linhas revelam que o desprezo ou a discriminação da vítima devido à sua "condição de mulher" são componentes constantes em todas ocorrências.

São relacionados, por exemplo, além do feminicídio íntimo, o feminicídio sexual sistêmico, em que a vítima também é sequestrada e estuprada, e o feminicídio lesbofóbico ou bifóbico, configurado quando a vítima é bissexual ou lésbica e é assassinada porque o agressor entende que deve puni-la por sua orientação sexual.

Adequação das leis

Ao divulgar relatório, na quinta-feira (15), a Cepal ressaltou que a gravidade do feminicídio já fez com que 18 países latino-americanos tenham modificado suas leis para que o crime seja assim tipificado, o que implica no agravamento da pena.

Os países que já promoveram essa alteração em sua legislação foram os seguintes: Costa Rica (2007), Guatemala (2008), Chile (2010), El Salvador (2010), Argentina, México (2012), Nicarágua (2012), Bolívia (2013), Honduras (2013), Panamá (2013), Peru (2013), Equador (2014), República Dominicana (2014), Venezuela (2014), Paraguay (2016) e Uruguai (2017).

No Brasil, a caracterização desse tipo de crime foi detalhada em 2015, com a lei 13.104, que classificou o feminicídio como crime hediondo. (Com informações da RBA).

“Fausta Venâncio David: o exemplo, o ensino, a devoção”. Conheça a patrona do altaneirense José Evantuil



O professor e sindicalista altaneirense José Evantuil foi empossado na cadeira 01 da Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe no dia 14 de julho do ano em curso no auditório da Escola Municipal de Ensino Fundamental 18 de Dezembro, no centro de Altaneira.

Durante sua posse, ele apresentou trabalho de pesquisa sobre a professora Fausta Venâncio, ou simplesmente “Dona Fausta” como passou a figurar no imaginário do povo altaneirense. A pesquisa constitui requisito necessário para os acadêmicos e acadêmicas ingressarem e permanecerem como “imortais”. Além “de contribuir de alguma forma para o despertar da arte de escrever, uma maneira de garantir que se tenha produtividade”, pontuou certa vez o presidente da Seccional Araripe, Adriano Sousa.

Evantuil conta que Dona Fausta viveu até os 101 anos. Ela nasceu em 12 de outubro de 1915, em Santana do Cariri e faleceu em 17 de dezembro de 2016 em Altaneira. Por aqui, Fausta fixou residência no pós emancipação política em 1958, montando em sua morada uma mini escola de apenas uma sala que funcionou até os anos 90 do século passado. O acadêmico relatou que ela chegou a participar de campanha que culminou na construção da capela de São José, localizada no centro da cidade e que foi assediada para se envolver na política no grupo de Frutuoso José de Oliveira, mas que optou pela área educacional. Ela foi inclusive a primeira professora deste município. Mencionou ainda que esteve mais presente na vida dela nos anos que antecederam seu falecimento. “Costumava fazer visita-la sempre no dia 12 de outubro, dia do seu aniversário”, disse. Para ele, ter Dona Fausta como patrona da cadeira que terá assento é uma das formas de poder render homenagens a esta figura que sempre teve relação estreita de prestação de trabalho aos altaneirenses.

No seu trabalho intitulado “Fausta Venâncio David: o exemplo, o ensino, a devoção”, ele faz um passeio pelo seu histórico de vivência na comunidade, sua participação decisiva no processo educacional do município de Altaneira - tida como a primeira professora -, até o seu envolvimento com a política partidária.

Seu pulso firme e o desapego as benesses do poder foi um marco nas suas decisões políticas. Derrotado o seu grupo politico e após rejeitar diversos convites a assédios para assumir posições, optou pelo chão da sala aula. Ali em meio as crianças realizou todos os seus desejos de semear sonhos sem nada querer em troca”, descreve o entusiasmado Evantuil.

Abaixo o trabalho sobre sua Patrona.

A VIDA NA COMUNIDADE

Nome: Fausta Venâncio David, nasceu em Santana do Cariri, em 12 de outubro de 1915. Passou infância e adolescência entre os Sítios Lagoa de Don’ana e Taboquinha. Perdeu o pai quando ainda era muito jovem. Fato que a “fez forte para suportar a dureza da vida que teve que levar”. Aprendeu a ler com as tias. E quando já sabia tudo teve a estrada da vida como mestra.

Fausta Venâncio ainda bem jovem. (Foto: Acervo da Família).

Nunca amou ao luxo. Sempre via a flor como símbolo do que é a estrada do homem. Hoje é lindo e perfumado, a manhã já não existe mais. Pois era uma rosa o que mais gostava de ganhar. Logo enfeitava-se o cabelo e o resto era só sorriso.

Foi com essa simplicidade que a garota Fausta iniciou a participação na comunidade de Santa Tereza.

A dureza que a vida lhe reservou tornou-a forte para encarar a vida com sorrisos. Ela logo escolheria lidar com tantos sorrisos inocentes e sinceros das crianças.

Moça bela, órfã, culta e sincera. Tantas qualidade para ser uma boa dona de casa, mas não era o seu forte servir de espelho para alguns filhos. Optou por ser redentora de uma legião de alunos. Tantos que perdeu a conta.

Aos 13 anos, viu-se diante da necessidade de ajudar a formar o povoado que escolheu para viver. E a Vila Santa Tereza viu uma jovem decisiva encorajando tantos outros jovens a angariar recursos para construção da Capela de Santa Tereza. Talvez ali teve que aprender a conquistar o mundo com simpatia e doçura. Liderou grupos de jovens pelos sítios e vizinhança a busca de donativos e “esmolas” para impulsionar os gastos da construção sob a liderança de Frutuoso, atitude que foi um marco da primeira construção pública do povoado nos idos 1927. Marcaria também a descoberta da vida devota que assumiria até ao fim da vida, voltada para servir ao próximo.

O talento espiritual de servir aos caprichos da devoção aos trabalhos da igreja logo foram decisivos para voltar o foco de serviços ao ensino de crianças e a juventude do lugar.

Em 1939 criou sua primeira escola, chamada de Escola particular 13 de Maio. A longa devoção e dedicação às novenas, quermesses, leilões e a todas as alegrias proporcionadas dos festejos do mês mariano, e a devoção a Maria, pode está por trás da motivação de escolha do nome da escola.

Por 53 anos funcionou a escola Particular 13 de Maio. De 1939 a 1992. Residiu e exerceu a pedagogia por mais de cinco décadas à Rua Apolônio de Oliveira, ali no canto inferior da Praça Manuel Pinheiro de Almeida, até ao fim da vida.

Na década de 60 oficiou como titular no 1º Cartório do Registro Civil por Farias Brito sediado no recém criado município de Altaneira, como Oficiala do Registro Civil. O status de Oficiala do Registro Civil colocou Fausta no caminho de outros tantos que viriam aos anais da nação como brasileiros por suas mãos, em registro de nascimento, óbitos e casamentos no estado civil.

Suas convicções políticas firmes pode configurar como a única pessoa a passar mais tempo fora da situação política. Nunca se dobrou por empregos ou proteção de quem quer que seja.
A década de 60 foi decisiva na carreira política. Já na primeira eleição e na ocasião da corrida pelo comando do município, decidiu acompanhar o grupo liderado por Frutuoso José de Oliveira, vice na chapa do Dr. Vicente da Frota Cavalcante, ambos derrotados por Feneleon Pereira.

Viria a rejeitar todas os convites de todos os prefeitos que a chamasse para ocupar qualquer função na administração pública.

Não era de esperar reação diferente. Fausta iniciou sua atuação na comunidade liderada por Frutuoso na ocasião da construção da capela. Seu pulso firme e o desapego as benesses do poder foi um marco nas suas decisões políticas. Derrotado o seu grupo politico e após rejeitar diversos convites a assédios para assumir posições, optou pelo chão da sala aula. Ali em meio as crianças realizou todos os seus desejos de semear sonhos sem nada querer em troca.

Conciliou o funcionamento de sua escola ao mesmo tempo com todas as outras atividades e sua devoção.

Teve uma vida toda dedicada as atividades da igreja. Recomendava os falecidos e desvalidos que passavam na igreja. Na inexistência de atendimento, era Fausta que confortava os corações de parentes presentes e com dulçura ditava doces palavras a dura e longa caminhada da alma adormecida em corpo presente. Um credo! Algumas Ave Marias! Tornava a ser a mesma professora de cada dia.

Após passar a sobreviver de apenas uma aposentadoria de um salario mínimo por mês, finalmente dá descanso a velha palmatória. Faleceu a 16 de fevereiro de 2016 em sua residencia em Altaneira aos 100 anos.

O ARDOR COMUNITÁRIO

É difícil de explicar o tamanho da motivação por ações comunitárias de Fausta quando se observa a forma que a mesma dedicou-se dentro da comunidade por tantas décadas a fio.

Estreia no voluntariado trabalho de arrecadar fundos para fundar aqui as bases da obra espiritual da igreja, ainda pela ocasião da fundação do povoado de Santa Tereza. Obra vitoriosa e promissora até aos dias de hoje. Arrecadou “esmolas” e donativos em forma de coletas para a construção da Capela de São José, na é era de Santa Tereza. A construção inciou em 1927 e inaugurada em 1936. Ali Fausta pode celebrar as primeiras missas ao lado do jovem padre Joaquim Sabino.

O empreendedorismo voltado para os mais carentes aflora a cada instante. Aos 23 anos inicia a árdua missão de levar a instrução, o ensino no “desarme” de meninos leigos e pobres de sua comunidade. Um pequeno passo para ela, mas um grande salto de emancipação pessoal para aqueles que só podiam tirar esperança do cabo das ferramentas de trabalho braçal.

Tal vocação empreendedora culminaria com uma sala abarrotada de meninos de todas cores e tamanhos sedentos de saber. Carentes de carinho. Fugindo da roça e do destino selado dos pais. Para talvez  ser cidadãos da praça. E muitos foram ao longe.

A vocação ajudar a comunidade desenvolver-se se arvorou no campo da organização dos festejos em homenagem aos ícones religiosos. Sempre fez parceria com a irmã Raimunda(Dodó) e Chiquinha Almeida no zelo das coisas da igreja. Por anos a fio, foram elas que estiveram a frente dos festejos, e organização de novenas, em suas datas, a festa da padroeira e o apoio as missas encomendadas aos falecidos.

A partir de 1949, continua a escrever sua linda História em Altaneira. De comportamento que ela mesma se auto declara como uma pessoa “carrasca”. Tudo pela autorização verbal outorgada pelas próprias famílias em disciplinar as crianças, fazendo as vezes de pai ou mãe. “eu era dona do rebanho dos meninos”, como firmou em entrevista a estudantes que a procuravam para falar sobre sua história. Não temos dúvidas que as dificuldades do Magistério moldavam uma personalidade que não encontrou facilidade alguma na vida.

Foi o status de escola particular, apenas por não ser ligada a administração municipal, as mensalidade eram simbólicas, “10, 20 mil réis de pagamento por aluno”. Muito pouco, pra manter a própria sobrevivência e às vezes inalcançável as posses de muitas famílias.

No bojo da sua pedagogia de caráter pessoal, incluía-se alem rigor a aprendizagem da Língua Portuguesa, mas também Moral e Cívica, Estudos Sociais e Catecismo.

Sua residencia sempre permaneceu acessível a vizinhança e aos compadres. Possuidora de tantos afilhados sempre os tratava como se filhos fosse.

DEVOÇÃO, ORGANIZAÇÃO E VOCAÇÃO

De devoção católica, foi a que mais deixou acentuar as marcar do evangelho. Com o lema viver para servir. Talvez nas raízes da família tenha obtido a convenção na fé em Deus. A menina órfão não podia se dar ao luxo de agarrar-se ao conforto espiritual já que a vida só reservava-lhe os castigo e o sofrimento. A fé era essencial.

A verdadeira devoção sempre foi dedicada aos santos e aos pecadores. Impunha aos seus alunos conhecimentos básicos de catecismo como alicerce para uma vida no temor a Deus, respeito aos mais velhos e postura de cidadão honrados.

No calendário anual de atividades religiosas incluía a frequência as missas semanais, novenas de São José de 12 a 19 de março, novenas por todo o mês de maio em reverência a Maria Santíssima, novenas de 6 a 15 de outubro, pela ocasião dos festejos a Santa Tereza Dávila, reverência aos mortos com visita ao cemitério local em 2 de novembro, na visita de cova e reverencia ao natal do menino Jesus.

A mais fiel aos costumes e tradições católicas, sendo a única a preservar o costume de usar o véu preto durante as missas.

O hábito de rezar pelos falecidos se mostrava muito forte quando via a movimentação de chegada de algum corpo na igreja. Numa época que o azul de caixões de “anjos” se confundia com o azul do céu, pela grande mortalidade de crianças e mesmo adultos. Logo aproximava-se indagando pelo nome do falecido. Ao saber o inseria no “pé” da reza fazendo as melhores recomendações para que alcançasse sorte de receber o perdão e ir ao um bom lugar ao seio do Pai. Assim agradava tanto a vivos como a mortos.

OFICIALA DO REGISTRO CIVIL

O primeiro Cartório do Registro Civil instalado no município foi comandado por Fausta Venâncio David. Um fato histórico na vida da comunidade. Muitos filhos da terra vistos apenas em ocasiões de eleição, e somado com o analfabetismo presente só tirava os documentos quando ia casar, votar ou viajar. Muitos vivendo na indigência até mesmo quando adultos. O esforço de autoridades de Farias Brito e a confiança em seu trabalho presto culminou com a importante prestação de serviço aos agora altaneirenses. Muitos vieram a pertencer a nação de fato e de direito graças ao assentamento no registro civil. Sem falar nas uniões entre casais seladas pela lei e o carimbo de Fausta Venâncio.

A ESCOLA PARTICULAR 13 DE MAIO

Interior da escola. (Imagem do filme de Dr. Eluizo Tavares 1990).

A Escola Particular 13 de Maio aponta fortes laços com sua religiosidade, pois maio é o mês de maior devoção na comunidade, sendo uma das antigas, como lembra D. Nene Rodrigues que lembra

A comunidade do Tabuleiro fazia procissão do sitio até a Capelinha na data do dia três do mês de maio. Os organizadores eram da família Luis. O grupo eram animado por uma banda do tipo cabaçal. A comunidade tinha a tradição anual dessa devoção. Com o tempo e já desfrutando do estatus de Capela de Santa Tereza, a devoção a Maria fica apenas no seio da comunidade. (Depoimento de Nene Rodruigues, de 99 anos).

Com uma vara de bambu na mão e muitas ideias na cabeça, se pôs a praticar a pedagogia para os mais oprimidos. Os pais lhe davam toda autoridade sobre o comportamento dos estudantes. Quando um pai ou mãe não concordava com o rigor da disciplina empregada em seus filhos, tratava de “tirar” o filho da escola sem mesmo informar o verdadeiro motivo, tal era o respeito conquistado na comunidade, como lembra a ex aluna Maria Lúcia de Lucena que relata:

Como aluna, sabia que D. Fausta era rigorosa. Ela colocava de castigo. Alertava os meninos tocando com a vara de bambu na cabeça. D.Fausta já estava sem paciência com tanta danação que os meninos faziam. Um dia, quando foi castigar com a vara de bambu, Lucena girou o rosto e a ponta da vara feriu o delicado rosto.... Nada aconteceu. A mãe secretamente transferiu-a para outra escola e escondeu esse fato do seu pai. (Depoimento de Maria Lúcia de Lúcena, Ex-aluna de Fausta)

No bojo da sua pedagogia de caráter pessoal, incluía-se alem rigor a aprendizagem da Língua Portuguesa, mas também Moral e Cívica, Estudos Sociais e Catecismo.

Nenhuma outra atividade deu-lhe mais notoriedade como o trabalho como professora. Vários fatores chamam a atenção, pelo fato de uma escola tão simples permanecer ativa por mais de cinco décadas.

Difícil de ser superada pelo poder público. A motivação sobrevinha da vontade de ajudar ao próximo afastar-se da ignorância e aproximar-se da luz do saber.  Iluminar mentes e encantar corações. Alimentar sonhos. Dar asas a imaginação. Um pouco de ingredientes que estiveram sempre num trabalho tão vitorioso e aplaudido. Difícil de ser superada por quem quer que seja.

O espaço físico da escola lembrava o próprio espaço familiar. Cobrava-se uma mensalidade simbólica. As crianças se acomodavam em bancos de madeira numa sala de casa comum. Olhar fixo ao velho e bom quadro negro de madeira. Em mão o manuseio de “cartas de ABC”, sob o olhar atento e a ameaça da vara de bambu.  De tempos em tempos as chamadas para arguição eram acompanhadas de competição por saber a lição. Um exercício de sorte e auto controle. Quem mais sabia assumia a carrasca missão de “dar bolos” com a palmatória nos alunos que não lembrava da tarefa. Ao final, os castigados recebiam a missão de aprende tudo novamente.

Na hora de lanchar quem podia ia rápido em casa comer qualquer coisa. Os demais permanecia apreensivos pela segunda etapa da aula. Tudo era uma fantasia em poder estudar em local tão mágico.

AS HOMENAGENS DEVIDAS PELOS SERVIÇOS PRESTADOS

Não era de não se espera que uma pessoa que serviu a tanta gente e por muito tempo ao fia e ao cabo não passasse a receber devidas homengens por aquele que tiveram a sorte de trocar com Fausta a ignorancia pela luz do saber tão escasso naquelas épocas. E essas homenagens forma notórias.

* Dr Eluizo 1990

Em 1990, por ocasião do aniversário foi reconhecida com uma justa homenagem organizada pelo médico Dr. Eluizo Tavares. O evento festivo culminou com uma missa onde renderam-lhe leituras de reconhecimento a sua personalidade e trabalho prestado. Desse trabalho de Dr. Eluizo foi produzido um documentário em curta metragem documentando seu local de trabalho em horário de aula com alunos, e a missa. Esse trabalho de Dr Eluizo versou o seu olhar sobre o município de Altaneira. Durante a missa foi lido mensagens por alunos atuais e ex-alunos. Emocionada a sua irmã Raimunda(Dodó) também dedicou-lhe uma linda poesia de gratidão por tudo que representava. Grafo os versos da poesia:

Fausta
Esta palavra tão pura
Possui encanto e ternura
E muito a se dizer
A palavra irmã traduz
Muito afeto e muita luz
E isto eu vejo em você.

Você transmite pureza
Muita alegria e beleza
No ensino das crianças
Em seus gestos há calor
Muita doçura e amor
Carinho, vida e esperança.

Você me lembra Maria
Que muito me contagia
Em ver voce nessa imagem
Eu busco em sua pessoa
Que sempre tem coisa boa
Amor, palavra e mensagem.

Minha irmã não quero ver
Um dia você sofrer
E nem nunca ficar triste
Você não pode chorar
Para assim não magoar
Tudo de belo que existe.
(Dona Dodó), 12 de outubro de 1990

Homenagem do Poder Público

Em 12 de outubro de 2015, e já centenária a professora recebeu em sua residencia uma legião de ex-alunos, parentes, amigos e admiradores onde foi festejada a longevidade e lucidez de uma mulher que foi antes de tudo humana, carismática e forte. O poder público através da Secretaria de Cultura acompanharam a mobilização de reconhecimento pela igreja. Uma missa celebrada ali mesmo em frente a sua casa/escola. Após a missa, todos esforçavam para fazer um registro fotográfico ao lado de uma vida de 100 anos de existência, porém uma história viva que desafiava a posteridade com seus ensinamentos e encantos.

Muitos ex-alunos, esforçavam-se para garantir a menos uma foto ao lado dela como se voltasse ao jardim da infanica a imitar as cenas do cotidiano escolar.

WAGNER BRAGA DAVID

Ainda em 2015, WAGNER BRAGA DAVID deixou um novo comentário sobre uma matéria veiculada no Blog Mandibula de Altaneira. "A PROFESSORA FAUSTA VENÂNCIO COMEMORA 100 ANOS":

Nessa mensagem esse admirador e ex-aluno traduz com fidelidade seu sentimento e o que foi Fausta Venâncio.

A vida nos prepara para superar obstáculos de uma forma digna e justa. A felicidade não se subtrai a custa de sonho e egoísmo. Existem pessoas que emergem ao mundo com a missão de fazer o bem e de forma justa e incansável; cumpre seu lema até o destino final dos seus dias. Não mais que isto, sem nutrir dentro de si a usura da busca por bens materiais, onde nunca lhe foi maior que os sonhos que externava através do brilho dos seus olhos. Sonhos ela distribuía aos outros,sem mensurar nada e incansável; em troca a vida lhes oferecia o sacrifício. Nunca buscou vender ideias nem nutrir ilusões fantasiosas. Mas dentro do seu mundo justo e grandioso soube como ninguém tirar da escuridão da ignorância pessoas que jamais conhecia. Buscou mostrar que no intimo de cada ser humano existe a luz do saber, da educação e acima de tudo a dignidade que todos nós possuímos. Ser justo, é elementar a qualquer ser humano. Ser digno não é produto de barganha e nem de auto afirmação. A humildade, dentro de cada um de nós existe e é passada para todos com quem convivemos. Não mais que isto, é saber conviver com o principio da harmonia em coletividade, é saber ofertar aos que merece tudo que desejamos para nós mesmos. Dedicar a vida a educar o próximo, foi a missão desta senhora a qual é merecedora de todas as dedicações que um ser humano possa desejar. A sua grandeza e ações, não há adjetivos para qualificar o tamanho da sua importância e exemplo de pessoa honrada que deixou para todos que conviveu e poderão num futuro, outras pessoas, saberem quem a Senhora Fausta Venâncio David foi e representou com o seu legado. Meu muito obrigado minha Tia pela convivência e carinho. seria egoísmo querer a senhora para sempre neste mundo. Apenas seja merecedora do silencio da paz que Deus dentro do seu mundo lhe espera. Para todos nós sera uma lacuna sem alguém a repor a sua falta”. Ósculos, Wagner Braga David.

DENOMINAÇÃO DE ESCOLA MUNICIPAL INFANTIL FAUSTA BENANCIO

Em 2017, e portanto já falecida Fausta homenagem através de Projeto de Lei da Câmara atribuído o seu nome ao da escola infantil Disneylandia. Passou a denominar-se Fausta Venâncio, com funcionamento na Rua Apolônio de Oliveira, nº 473, Centro, Altaneira – Ceará, Lei 698 de autoria da vereadora Silvânia Andrade. Homenagem justa.

Ao longo desse trabalho pudemos perceber a importância de Fausta Venâncio David para a história altaneirense. Enquanto viveu esteve a disposição de todos para oferecendo sua contribuição para o desenvolvimento intelectual e cultural de seu povo. No entanto faz-se necessário que agora agradeçamos por tudo o que se engrandece pelo seu nome.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nome de Dona Fausta sempre povoou meus pensamentos tomando o primeiro lugar para figurar na Galeria dos Patronos da Academia de Letras do Brasil Seccional Araripe. Mas tive as dificuldades peculiares de biografar uma pessoa ilustre porem que nunca ocupou cargos públicos. Tudo que empreendeu fez por ideias patrióticos e idôneos.

Por vezes bateu o receio natural de que não encontrasse os dados necessários para a pesquisa ideal, dado que a mesma viveu uma centena de anos e por não ter construído uma família nuclear, e de fato, fiz esse trabalho com resquícios de pesquisas colhidas com antecedência.
A escassez de parentes em grau próximo, foi um desafio gigantesco. É tanto que incorri ao risco de quase na hora da impressão deste trabalho ainda está por construir parte dele. Foi tudo muito pressionado pelo prazo e tempo de conclusão. Mas valeu a pena.

Meus primeiros passos na Academia de Letas do Brasil Seccional Araripe foi em 05 de agosto de 2017, a posse na Cadeira 1 aconteceu em outubro seguinte. Para minha alegria, os dados para esta pesquisa foram possível através de depoimentos, documentos do Registro Civil, e da convivência que tive por privilegio com a homenageada por mais de uma década.
Portanto, resta-me torcer para que os leitores entendam a verdadeira mensagem que tentei projetar com o imensurável legado entre nós construído.
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Trabalho encaminhado via correio eletrônico a redação do Blog Negro Nicolau (BNN).