Carta
aberta ao general Antonio Hamilton Mourão
Caro
general Antonio Mourão, desde sábado (16), é que se multiplicam vossa
manifestação nas redes sociais, blogues, sites, portais e afins por conta de
tua última palestra, em Brasília, em evento ligado à maçonaria quando, em
ameaça velada, falaste abertamente de intervenção militar, como se contasses
com o amparo ou chancela de seus companheiros de armas, ou seja, o próprio
generalato tupiniquim.
Por
Paulo Fonteles Filho, publicado no Viomundo
Na
caserna, o tiro saiu pela culatra.
Ao
invés de um palavrório decente, apaziguador em momentos de crise democrática –
sim, porque a democracia e os direitos do povo foram usurpados por Temer e sua
quadrilha – assistimos, atônitos, a antiga cantilena de um militar estreludo,
talvez um delfim tardio dos tiranos que ensejaram um golpe militar em 64 e que
levaram as forças armadas brasileiras a cometer crimes insidiosos, de
lesa-pátria, com torturas, assassinatos, exílios, perseguições, censura e
desaparecimentos forçados.
Entre
militares decentes deves estar passando vergonha, muita vergonha, general.
Sim,
porque quero crer que há militares decentes, gente preocupada com o futuro do
país e não somente em fazer verborragia bolsonazi e o discurso do medo, próprio
dos fascistas de plantão, ávidos por quarteladas, linchamentos e carne humana
violada.
Confesso
general, desde ontem estou me remoendo.
O
sentimento que nos alcança é de assombro.
Meus
amigos, família, pessoas que amo estão intimidadas, sequestradas pelo pavor que
tal irresponsabilidade enseja.
Os
dias estão muito estranhos e o medo é uma potente arma ideológica, assim foi no
Reich de Hitler ou no “Brasil Grande” do Garrastazu.
Sabe
general, sou de uma geração de perseguidos políticos.
Meus
pais eram estudantes da Universidade de Brasília (UNB), amantes das liberdades,
do Chico Buarque e dos Beatles e sem cometer qualquer tipo de crime — a não ser
o de opinião — foram presos em outubro de 1971 e submetidos a terríveis
torturas, além de condenações pela famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN),
dispositivo que transformou o Brasil num purgatório de lobos bem felpudos.
Eu
nasci na prisão e tive um irmão gerado no cárcere: o serpentário dizia que
“Filho dessa raça não deve nascer” e isso ocorreu dentro das dependências do
próprio Ministério do Exército, lugar onde dás expediente como servidor público
federal.
Deves
saber que no subsolo do teu ganha-pão foi um patíbulo para a infâmia.
Minha
mãe, general Mourão, me pariu com 37 quilos, foi cortada e costurada sem
anestesia e não disse um ai.
Depois
de nascido — entre as feras do PIC — fui sequestrado porque não haviam algemas
para os meus pulsos de recém-nascido.
Imagina
que um bebê de poucos dias era considerado inimigo do status quo, aliás, muitas
crianças assim foram tratadas pelo regime do terror.
Talvez
a Hecilda, minha mãe, atual professora da UFPa, tenha sido a única mulher a ter
tido dois filhos na prisão, sob peia.
Meu
pai foi morto em 1987 e seu assassinato foi organizado por um ex-agente da
comunidade de informações, James Vita Lopes.
Paulo
Fonteles, pai amoroso de cinco filhos, era advogado e defendia posseiros no
Araguaia.
O
que o Brasil precisa general, com urgência, é a reconstrução da democracia, um
judiciário independente, uma mídia imparcial, um parlamento sensível aos interesses
da maioria na forma do respeito ao voto popular, de mais direitos, de Estado
Democrático e respeito à soberania nacional, além de uma forte cruzada contra a
ignorância, a corrupção, o racismo, a misoginia e a homofobia.
O
fascismo levará o país à convulsão, além das vidas de uma geração que tem a
responsabilidade com a felicidade coletiva.
É
muito doloroso falar sobre isso general Antonio Mourão e lembrar que muitos
foram mortos pela histeria malsã que repetes, como um ventríloquo de satanás.
Mas
minha tarefa também é a lembrança de que os tumbeiros que mancharam nosso solo
de vergonhas, como na escravidão ou na ditadura militar de 64, jamais poderão
ficar impunes.
Tenho
pena de ti general, estás num quarto escuro e sem janelas, vitima da própria
bílis que lanças no ar.
#DitaduraNuncaMais