Mostrando postagens com marcador protagonismo negro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador protagonismo negro. Mostrar todas as postagens

Carnaval deu o recado sobre o protagonismo negro no Brasil, diz Cida Bento

 

Cida Bento. (FOTO/ Reprodução).

Se em algum momento pudemos ter dúvidas sobre o quanto ecoam nas periferias e favelas as vozes de intelectuais e ativistas que lutam por um país que reconheça a força da cultura que emana de sua população, os Carnavais dos últimos anos não deixam dúvidas.

A maioria das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro (oito em 12 escolas) e de São Paulo (sete em 14 escolas) trouxe para a avenida enredos que homenagearam personalidades negras, a cultura afro-brasileira e o protagonismo negro na história do país. E fizeram duras críticas ao racismo e ao assassinato da juventude negra.

O recado foi dado!

Esse processo não começa agora e não ocorre por acaso, mas atinge um pico neste período de nossa história, no qual, não por coincidência, alcançamos um nível de violência racial que é o maior dos últimos 30 anos, em cidades como o Rio de Janeiro, segundo demonstra o Mapa da Violência no Brasil.

Personalidades negras queridas e respeitadas pela população brasileira que haviam sido atacadas nos últimos seis anos por órgãos do governo federal numa tentativa de desonrá-las foram exaltadas, homenageadas nas ruas, por milhares de sambistas. Num dos maiores e mais lindos espetáculos a que temos o privilégio de assistir.

E é assim que constatamos que o que acontece de negativo no Legislativo, no Executivo e no Judiciário, muitas vezes na calada da noite, vem sendo acompanhado por olhares atentos e críticos das periferias e favelas.

As escolas de samba são um território complexo onde muitas vezes não temos na liderança pessoas negras, como, aliás, acontece na maioria das organizações brasileiras e onde a luta pelo poder pode repetir a mesma lógica violenta e excludente que observamos em outras instituições brasileiras.

Mas é também um espaço de aquilombamento, de compartilhamento das raízes culturais pela música, pela dança e pelo teatro. E, nesse sentido, é território fértil para a ampliação da crítica social e da democracia, já que múltiplas vozes, LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, pessoas negras e indígenas buscam se manifestar.

E um diferencial marcante nesse contexto de Carnaval vem sendo a maneira crescente com que aparece a valorização das religiões afro-brasileiras.

Num país que é laico, segundo a Constituição de 1988, não poderiam ocorrer relações de dependência com nenhum culto e, principalmente, não poderia haver perseguição ou impedimento do funcionamento de cultos de qualquer natureza.

Mas isso vem acontecendo!

A despeito de nossa Constituição ter consagrado o princípio de liberdade de crença, de culto, de liturgias e de organização religiosa, crescem as denúncias de violações de direitos no campo do credo religioso contra judeus, muçulmanos, dentre outros grupos. E as religiões afro-brasileiras vêm sendo duramente atingidas por diferentes formas de violência, como agressões físicas e verbais a religiosos, ameaças, pichações em templos e lugares públicos e propagandas de ódio veiculadas na internet.

São frequentes, ainda, as denúncias de invasão dos templos, praticadas por maus policiais, sem mandado judicial e a qualquer hora do dia ou da noite.

Assim é que foi muito animador ver as escolas de samba, em 2022, trazerem para a rua os orixás: narrarem a história de Oxóssi, cantarem Exu ou Oxalá, divindades das religiões de matriz africana.

Isso nos lembrou que a laicidade do estado brasileiro não é um elemento de restrição do pertencimento e expressão religiosos, pelo contrário, é uma riqueza que marca nossa sociedade tão diversa.

?Assim, que possamos contribuir para que essa crítica de parcela expressiva da nossa população à violência social, em particular a religiosa que se manifestou na avenida, se manifeste também nas eleições. Com a certeza de que podemos e vamos fazer a diferença.

_________________

Texto publicado originalmente em sua Coluna na Folha de S. Paulo e reproduzido no CEERT.

Conheça 5 filmes e séries na Netflix e valorize protagonistas e obras negras

 

(FOTO/ Divulgação).

 A Netflix, empresa americana de streaming de mídia, se tornou rapidamente uma das maiores produtoras de conteúdo original e distribuição de entretenimento em todo o mundo. E no Brasil a história não é diferente: de crianças com um tablet nas mãos até televisões vendidas com o aplicativo em destaque no controle remoto, o serviço se tornou uma parte cotidiana da vida dos brasileiros.

Jarid Arraes: A importância de protagonistas negras na literatura



Desde o lançamento do meu livro “As Lendas de Dandara” no mês de Julho, tenho falado repetidamente sobre a importância de protagonistas negras na literatura e como elas ainda são difíceis de encontrar nas prateleiras das maiores livrarias.

Quando decidi escrever As Lendas de Dandara, eu tinha em mente o tipo de mensagem que gostaria de passar com aquela história. Para qualquer criança, exercer a capacidade imaginativa e conseguir se colocar no lugar dos protagonistas heroicos e aventureiros é algo muito importante e parte fundamental do desenvolvimento. Mas muitas crianças crescem sem personagens como elas – reais ou fictícias – em quem se espelhar. Somente com muita pesquisa é possível encontrar materiais com protagonistas negros separados de estereótipos raciais, pois ainda atualmente há pouquíssima diversidade na literatura, nos filmes e nas histórias infantis.

Para as meninas e mulheres negras, conhecer uma personagem como Dandara dos Palmares poderia fazer uma enorme diferença. Ainda hoje, ouvir falar de mulheres negras como Dandara é quase impossível – nem a mídia e nem as escolas falam sobre sua existência e seus feitos. Ela e outras heroínas negras da história do Brasil ficaram relegadas ao esquecimento.

Quem não tem pais conscientes, cresce sem esses exemplos positivos. E para muita gente isso soa como bobagem, mas os impactos causados na autoestima podem ser muito profundos. No caso da literatura, a ausência de personagens negras que ultrapassam os papéis estereotipados limita as possibilidades imaginativas das crianças e também faz com que elas se tornem adultas sem referências positivas da negritude.

Para aquelas pessoas que convivem com pessoas negras, ainda há esperança, pois o referencial passa a ser os personagens da vida real: a avó inteligente, a mãe corajosa e o pai que é sensível e ajuda as pessoas. Mas para quem não possui essas referências, nunca ver pessoas negras associadas com conquistas positivas, capacidades admiráveis e enredos inspiradores é algo que colabora ainda mais para a internalização e perpetuação do racismo.

Por isso, escrever e ler protagonistas negras é algo que influencia crianças e adultos. Seja porque temos a possibilidade de ver um espelho refletindo nossa aparência e nos dizendo que temos, sim, potencial para realizar feitos significativos, ou porque temos a chance de romper a narrativa racista que ainda domina a sociedade. Em muitos casos, a ficção é a porta de entrada para reflexões imprescindíveis sobre equidade e respeito.

Pode ser um desafio quebrar as barreiras do mercado literário, da mídia e da divulgação. Despertar o interesse das pessoas e ensinar a importância da representatividade e da diversidade é o primeiro passo para que tenhamos livros com mais pluralidade e criatividade. Afinal, falta muita imaginação a quem só consegue enxergar heróis e heroínas com a pele branca e os cabelos lisos.