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Eleição municipal acentua a derrota do bolsonarismo

 

(FOTO/ Evaristo Sa/ AFP).

Sopra de súbito uma brisa amena: as eleições municipais, que já supusemos secundárias, têm tudo para representar uma mudança de rumos a bem do Brasil. Central, nisso tudo, a ascensão de Guilherme Boulos e Luiza Erundina em São Paulo, a resultar da união das forças progressistas em torno de seu nome. Aquilo que para CartaCapital é óbvio tornou-se evidente aos olhos dos movimentos políticos que classificamos de esquerda, por sobre de miúdos interesses partidários em proveito de paróquias e facções.

A sensação do tempo perdido


Os Carta chegaram a São Paulo da Itália em agosto de 1946, o casal Giannino e Clara, os filhos Luis e Mino. O pai atendia ao chamado de Chiquinho Matarazzo, filho do fundador Francisco, para orientar a reforma da Folha de S.Paulo, da qual o conde tinha maioria acionária. Giannino era um jovem jornalista de 41 anos que preferiu o Brasil à direção do principal jornal de Gênova, II Secolo XIX.

A família vinha da Guerra, durante a qual Giannino fora sequestrado e encarcerado pelos janízaros de Mussolini, no melhor estilo instaurado no Brasil pelo Tribunal do Santo Ofício de Curitiba. Ao escolher a proposta de Matarazzo, Giannino viu no Brasil a terra prometida e segura, diante do que temia, um novo conflito mundial. De fato, se deu, mas foi a Guerra Fria.

Mal chegou a família, o projeto de Ma-tarazzo se desfez, ele não dispunha da maioria absoluta e um pequeno grupo empresarial, muito antes de Frias e Caldeira, entrou em cena e aviou a receita necessária para que outros se apossassem do jornal.

O conde, em compensação, era sócio de outros empresários de origem italiana em uma nova e promissora editora, o Instituto Progresso Editorial, responsável pelo lançamento de muitos autores europeus e dos principais americanos dos anos 20 ainda não traduzidos.

O Brasil era o país do futuro, com todos os méritos que a natureza lhe assegurara, e São Paulo uma cidade bem-comportada de 1 milhão e meio de habitantes e 50 mil carros. O Cadillac do conde Matarazzo ostentava a chapa número 1. Quando os Carta chegaram, os postes da Avenida São João, a grande artéria central, exibiam cartazes gigantescos de Rita Hayworth, protagonista do filme Gilda, em exibição no Cine Marabá. Foi uma acolhida sedutora.

O nome de batismo de Mino é Demetrio, herdado do avô paterno. O menino achava-o pesado demais e passou a ser simplesmente Mino, e assim passou a assinar desenhos, aquarelas, quadros e pequenas telas a óleo, bem como contos relâmpagos, reunidos debaixo do título geral de Esquisitices. Ele queria ser pintor e escritor quando crescesse.

O irmão mais novo, Luis, aos 11 anos já era exímio na máquina de escrever, e como tal cuidou de batucar sobre papel condizente os textos do irmão. Ele queria ser jornalista.

Conto estes momentos da minha vida para explicar como os Carta chegaram confiantes, foram bem recebidos e logo se deram bem. No IPE, meu pai conheceu outro jornalista, Paulo Duarte, que acabou por levá-lo ao Estadão para realizar ali o trabalho que haveria de fazer na Folha. Meu irmão e eu fomos estudar no Colégio Dante Alighieri e a vida fluiu com naturalidade e sem percalços.

E aqui estou agora, a enfrentar a minha Olivetti sem ter atingido em momento algum a eficácia de Luis, a começar pelo fato de que meus dedos têm a inexorável tendência de se inserir entre as teclas com resultados lamentáveis. E assim convoco a memória neste meu ocaso pessoal, ao tentar expor os pensamentos que me tomam neste exato instante.

Fui jornalista por razões mercenárias, embora sempre tenha cultivado ideias opostas às dos patrões. Minha conversão ao jornalismo, digamos assim, consciente e responsável, meu tombo a caminho de Damasco, aconteceu no longo espaço de tempo invadido pela ditadura.

Foi então que percebi a serventia desta complexa profissão sempre que praticada com fidelidade canina à verdade factual e com indomável espírito crítico, na fiscalização desassombrada do poder onde quer que se manifeste.

Durante a ditadura, entendi o valor insubstituível do registro preciso dos fatos e Hannah Arendt tratou de me inspirar. Illo tempore, submetido a uma censura feroz, costumava repetir, para mim mesmo e para quem quisesse ouvir, uma frase da pensadora alemã: “Não há esperança de sobrevivência humana sem haver homens dispostos a dizer o que acontece, e que acontece porque é”.

Houve quem dissesse que eu inventara a segunda parte da passagem do ensaio “Entre o Passado e o Futuro”. Por que é? Que significa isso? Pois é. Hannah Arendt induziu-me também a pensar que o tempo não existe, que a eternidade, se quiserem a imortalidade está em cada átimo da nossa vida registrado para sempre, aparentemente efêmero e no entanto eterno.

Disse átimo, e esta também é medida humana. A vida de cada qual cabe dentro de uma moldura em que entramos por completo, inclusive aquilo que esquecemos. Einstein disse, de resto: “O tempo é a persistente ilusão”.

Neste átimo busco entre o fígado e a alma outro momento igual a este, de desencanto profundíssimo, causado pela situação do País. O golpe de 1964. O golpe dentro do golpe de 1968. A torpe figura que na redação do Jornal da Tarde girava os olhos à procura do pecado. Veja apreendida nas bancas, depois a censura.

O auge do terror de Estado em 69 e começo dos anos 70 e sua retomada nos primeiros anos 80. A derrota das Diretas Já. Sim, foram situações difíceis, não o suficiente, porém, para gerar este atual desencanto. Eu acreditava que ao terminar a ditadura, o País acharia o caminho certo.

O primeiro abalo a esse gênero incauto de fé veio com a chamada redemocratização, uma cilada do destino que sagrou presidente aquele que comandara a rejeição da emenda das Diretas. E me fez pensar na atualidade do príncipe de Salina, quando sugeria mudar alguma coisa para não mudar coisa alguma. Segundo abalo, a eleição de Collor, com o apoio da mídia nativa, a denominá-lo “caçador de marajás”.

Terceiro, o governo de Fernando Henrique, senhor da “estabilidade”, do triunfo do neoliberalismo à brasileira, da reeleição comprada, da maior bandalheira da história (a privatização das comunicações), da míngua das burras do Estado e da falência do Brasil.

Voltei a visitar a esperança com a eleição de Lula, e CartaCapital o apoiou, sem restrições quase sempre, tanto mais em meio ao “mensalão” e da primeira campanha de Dilma Rousseff, embora ele tenha acreditado na famigerada conciliação e aderido, ao menos em parte, ao neoliberalismo, sem detrimento do nosso apoio na sua segunda eleição e nas duas de Dilma. Reconhecemos em Lula o único presidente capaz de dar passos importantes no plano social e de afirmar a independência do País no plano internacional.

Nunca como neste átimo eterno, e nos que virão a me dizer que sou, o País me pareceu tão distante daquele que conheci ao chegar 71 anos atrás. A casa-grande e a senzala então ainda estavam de pé e havia um Brasil risonho e outro muito triste, e resignado na sua tristeza, mas era razoável imaginar que a Idade Média tivesse os dias contados.

Hoje voltamos a tempos muito anteriores aos da minha chegada, sofremos um golpe desfechado pelos próprios Poderes da República com a indispensável contribuição da propaganda midiática e o apoio de setores da Polícia Federal. Há autênticas quadrilhas no poder, a serviço da casa-grande, a qual nunca viveu fase tão favorável, de prepotência, arrogância e irresponsabilidade.

Que esperar de 2018? Como acreditar que Lula não seja condenado na segunda instância e que os golpistas, até hoje tão bem-sucedidos na operação de desmonte do País, se disponham a entregar a Presidência a um candidato de oposição? Nestas condições, até o pleito presidencial está em xeque.

O que pode detê-los? À medida que a crise e o desequilíbrio social se aprofundam e o projeto de saque do País avança, os quadrilheiros serão derrotados por seus próprios desmandos. Neste contexto o desafio de Lula à injustiça e ao insano desgoverno ganha uma extraordinária grandeza, na sua determinação de ir até as últimas consequências. E com ele estamos, na certeza de que seu gesto dará frutos, a partir do fato de que cala fundo e mais calará.

Constato, bastante além da mera melancolia, que o Brasil de hoje regrediu brutalmente em relação àquele que conheci faz quase 72 anos, e a sensação dolorosa é a do tempo perdido. Temo que o País tenha assumido o rosto, melhor, a catadura que merece. O desafio exemplar de Lula, no entanto, e estranhamente, me anima em meio ao desencanto, quaisquer venham a ser seus resultados. (Por Mino Carta, do CartaCapital).

Mino Carta. (Foto: Reprodução).

‘A Idade Média é nossa’, por Mino Carta


Volta e meia, ao deplorar o caos em que precipitamos, ouço como resposta que o mundo inteiro está mal, muito mal. Há, de fato, uma crise mundial cuja razão conhecemos de cor e salteado. Nesta moldura, o Brasil tornou-se uma caricatura neoliberal, com a decisiva contribuição do ministro Meirelles, o homem de todas as estações.

Não me consta, entretanto, que em inúmeros países, a começar pelos europeus, medre a Idade Média, bem ao contrário do que ocorre na terra da casa-grande e da senzala, onde é possível um golpe perpetrado pelos três poderes da República, apoiados pela propaganda midiática e por contingentes da Polícia Federal.

No CartaCapital - É de se excluir categoricamente que nos países civilizados um presidente ilegítimo e corrupto permaneça no poder e que uma liderança como a de Lula seja condenada sem provas.

É inegável que diversas experiências mafiosas dão certo mundo afora e têm influência política, mas em lugar algum do mundo democrático lograram assumir o poder nacional. Aqui as quadrilhas chegaram lá com a bênção da casa-grande e agem como bem entendem para cuidar exclusivamente dos seus interesses. Mesmo assim permito-me supor que Totò Riina e Bernardo Provenzano agiriam com menos açodamento.

Sim, o mundo não atravessa uma quadra feliz, o Brasil, contudo, está infinitamente pior, único na sua desgraça se for possível compará-lo a países civilizados. Pergunto aos meus botões se a comparação é viável.

Respondem prontamente, não é. Este Brasil tem duas palavras para definir uma nação ainda inexistente, povo e povão, aquela refere-se a todos, como sustenta um caro amigo, a outra aponta a choldra, a malta, a plebe. E chamamos de classe média a porção minoritária da população, privilegiada, de pouco a demais, no confronto com o resto, largamente majoritário.

A civilização implica a presença de uma classe média muito ampla para englobar até mais de 70% dos cidadãos, politizados, lidos, em boa parte dispostos a sair às ruas para protestar contra a injustiça. Na terra da casa-grande, vai-se às ruas quando a Globo manda.

Na terra da casa-grande, 60 mil cidadãos são assassinados anualmente sem que o número espantoso tire o sono de quantos podem erguer muralhas em torno de suas vivendas e contratar seguranças e escoltas armadas.

A nata da sociedade nativa exibe frequentemente a mesma feroz ignorância dos aspirantes às suas benesses, o mesmo racismo e os mesmos preconceitos, e isso tudo explica o jogo fácil da propaganda midiática à falta de conhecimento e espírito crítico, ainda mais porque o ódio de classe sempre se revela no momento azado.

A medievalidade do País sustenta-se na insensatez e na incapacidade orgânica dos privilegiados de respeitar o semelhante, e o prêmio é a monstruosa desigualdade. E se Lula é condenado a nove anos e seis meses de prisão, o mesmo número dos seus dedos (de caso pensado?), não falta quem se regozije sem perceber que absolutamente único é o comportamento dos inquisidores curitibanos, a contar com o beneplácito de uma Suprema Corte de fancaria, impunes ao cometerem um crime judiciário.

Não é por acaso que um juiz destacado da Mani Pulite, na qual Sergio Moro diz inspirar-se, Gherardo Colombo, afirmou depois de uma visita ao Brasil no ano passado: “Se nos portássemos como o juiz e os promotores curitibanos, nós é que acabaríamos na cadeia”.

Como se sabe, Moro e Deltan Dallagnol foram treinados nos Estados Unidos. Não é que faltem na terra de Tio Sam áreas de excelência, a despeito da CIA, do Pentágono e dos estrategistas do Departamento de Estado, recantos frequentados pelos nossos inquisidores.

Confesso que não me desagrada a decadência do império, tão prepotente, arrogante e hipócrita. E Donald Trump, com seu topete a favor do vento sobre o deserto da calva, me traz à memória um dos tardios imperadores romanos, na linha de Calígula, que nomeou senador seu cavalo Incitatus.

O império definha, mas o Brasil reedita a sua vocação de súdito. Mais uma das consequências do golpe de 2016, e nada é mais simbólico de um desastre esculpido por Michelangelo em dia de grande inspiração do que o pacote do homem de todas as estações.

Desde a reeleição de Dilma Rousseff, ao clangor dos panelaços e dos idiotas de camiseta canarinho, pretendeu-se que bastava derrubar a presidenta para sermos felizes. O pacote de Meirelles não poupa quem quer que seja, a começar pelos senhores da indústria em demolição. Pagam seu grotesco pato amarelo.

Mino Carta. Foto: Divulgação.

"O golpe levou ao poder quadrilhas que agora se digladiam entre si", afirma Fundador da CartaCapital


No mês passado, o fundador da revista CartaCapital, Mino Carta, escreveu seu último editorial para a publicação. O diretor de redação da revista semanal, criada em 1994, afirma que o periódico passa por uma grave crise econômica. "Estamos vivendo dias muito difíceis, estamos à beira do desastre final", declarou em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.

Do Brasil de Fato - Para contornar o desafio, porém, a revista apostou no modelo de crowdfunding, o financiamento coletivo. Em janeiro deste ano, a CartaCapital criou uma campanha para que os leitores se tornem sócio-assinantes da publicação. Os parceiros da revista têm possibilidade de publicar artigos, acesso exclusivo às áreas de comentários e participação em reuniões de pauta.

O modelo, segundo ele, tem tido bons resultados no exterior nos últimos anos: a revista brasileira se inspirou no diário britânico The Independent e na revista estadunidense Newsweek. "Aqui estamos em um bom começo, um começo animador porque os primeiros resultados são muito bons. Mas o caminho é longo e não se resolve da noite pelo dia", disse o jornalista.

Além das dificuldades que o fazer jornalístico já enfrenta de maneira geral — crise de credibilidade, de financiamento e disputa com as redes sociais na Internet — a concentração da verba governamental da publicidade é mais uma barreira à existência de veículos da imprensa alternativa. Durante o governo golpista de Michel Temer (PMDB), o gasto federal com publicidade cresceu 65% no primeiro semestre de 2016 em comparação com o mesmo período de 2015. E a maior parte do recurso foi destinada aos veículos da já tradicional grande imprensa do país.

Para ele, o aumento da verba é o pagamento ao apoio que estes veículos deram e continuando dando ao golpe. "Quem tentou resistir, de alguma maneira, evidentemente é ignorado, esquecido, escanteado", afirmou o diretor de redação da CartaCapital. Para mino, o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) "levou ao poder quadrilhas que agora se digladiam entre si".

Ainda assim, ele criticou a falta de políticas públicas para democratização comunicação nos 13 anos dos governos petistas com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma (2003-2016). Na conversa concedida por telefone, o fundador da CartaCapital afirmou que o partido "não soube executar certas tarefas que lhe cabiam na qualidade de partido de esquerda". "O PT no poder portou-se como todos os demais partidos e favoreceu brutalmente a Globo, que é o seu principal inimigo", avaliou.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

Brasil de Fato: Em seu último editorial na CartaCapital, você afirma que "estamos asfixiados financeiramente por um governo ilegítimo" e pelo abandono de "setores do empresariado que tinham compromisso com a diversidade e a pluralidade". Quais foram as implicações do processo de golpe para a comunicação alternativa?

Mino Carta: O golpe levou ao poder algumas quadrilhas que agora estão se digladiando entre si. É uma guerra de máfias e um dos resultados é que eles racionam com seu palanque a publicidade. Eu não considero a CartaCapital uma mídia alternativa, porque diria que é uma revista muito bem feita, bem impressa e em condições de competir com a chamada grande mídia brasileira — que é hedionda. Os alternativos devem estar pior do que nós, suponho, porque seus meios são pequenos e, ao mesmo tempo, tem o uso do papel, isso na mídia impressa… Então eles devem estar em grandes dificuldades, imagino.

O governo de Michel Temer aumentou a publicidade em grandes jornais…

Aumentou de uma forma brutal. De um modo geral, toda a chamada grande mídia foi beneficiada extraordinariamente por esse governo totalmente ilegítimo, enquanto o resto é perseguido, tanto os alternativos quanto a revista CartaCapital.

São perseguidos de que maneira?

Perseguidos no sentido de que não existem simplesmente. Eu te confesso uma certa irritação, também em relação ao PT [Partido dos Trabalhadores] porque o partido esteve no poder por 13 anos e foi incapaz de democratizar a mídia brasileira. Até mesmo aplicando a Constituição e todas as leis que se manifestam com extrema clareza contra o monopólio.

Essa nossa mídia está na mão de poucas famílias, todas elas são porta-vozes da Casa Grande pelo simples fato de que todas elas fazem parte do inquilinato da Casa Grande, a começar pelos senhores Marinho [proprietários da Rede Globo de Televisão]. É essa a situação do momento e o golpe simplesmente aprofundou isso.

O PT no poder não soube executar certas tarefas que lhe cabiam na qualidade de partido de esquerda. Se tivéssemos tido uma esquerda verdadeira e um grande partido de esquerda, o povo brasileiro não estaria no estado de aturdimento que ele está, fadado a permanecer por muito tempo. O PT no poder portou-se como todos os demais partidos e favoreceu brutalmente a Globo, que é o seu principal inimigo.

E como este aumento de publicidade reverberou, na prática, na cobertura e na atuação da imprensa neste último ano?

É um jogo entre amigos e entre bons companheiros. Eles estão recebendo em troca ao apoio que deram ao golpe e que continuam dando a um governo totalmente ilegítimo, então recebem o prêmio. Quem tentou resistir, de alguma maneira, evidentemente é ignorado, esquecido, escanteado. Nós estamos vivendo dias muito difíceis, estamos à beira do desastre final. Não temos publicidade, como disse naquele meu último editorial, e não temos ajuda de quem poderia nos ajudar.

O Página12, na Argentina, é amparado pelos sindicatos, que cuidam de manter vivo o veículo, que tem um desempenho igual da CartaCapital. Eles sustentam o jornal e aqui, não.

A revista CartaCapital foi acusada de ser beneficiária do esquema Lava Jato, de ter recebido R$ 3 milhões… Você acredita que este episódio, de alguma forma, contribuiu para esta situação ou impactou de alguma forma o veículo?

Se calaram sobre este episódio porque é ridículo. Realmente, tivemos publicidade da Odebrecht. Isso significa o quê? Que a Odebrecht nos comprou? Quanto a empresa deu para a Globo e para os demais jornais? Garanto que muito mais do que deu para a revista CartaCapital. A preocupação com a CartaCapital é porque, realmente, ela faz oposição.

É como dizer que Lula tem um tríplex em Guarujá ou sítio em Atibaia. São coisas ridículas, mas e se tivesse? Qual seria o pecado? O sr. [Sérgio] Moro conduz uma operação absolutamente irregular. Um dos grandes juízes italianos que trabalharam na [operação] Mãos Limpas, à qual Moro se diz inspirar, veio ao Brasil no ano passado… Um juiz importantíssimo. Encontrei com ele, inclusive. Era um dos líderes da força-tarefa da Mãos Limpas. Quando voltou para a Itália, ele disse textualmente: "Se nós tivéssemos feito o que o Moro faz no Brasil, nós é que acabaríamos em cana". É isso, porque quem manda é a prepotência absoluta e tudo bem.

Isso deveria indignar o povo, mas o povo não tem capacidade de se indignar, é resignado. Tirando certos movimentos, como o movimento dos sem-terra e dos sem-teto [MST e MTST]. Ali tem lideranças que passam aos seus filiados e seguidores o verbo correto, a ideia certa. O PT foi um desastre, não soube fazer isso. Essa que é a verdade.

A CartaCapital está apostando agora em "sócios-assinantes". Financeiramente, como você enxerga o caminho para a mídia alternativa?

É um caminho comprido, eu acho. Não é algo que se resolve de um dia para outro. É um caminho correto e que está dando muito certo fora do Brasil, em vários lugares. É inegável isso. E aqui estamos em um bom começo, um começo animador porque os primeiros resultados são muito bons. Mas o caminho é longo e não se resolve da noite pelo dia; pelo contrário. Mas os balanços poderão ser feitos dentro de seis meses a um ano. Neste modelo que na linguagem em inglês é o chamado de crowdfunding. É o modelo que está dando muito certo em outros lugares e nós achamos que acabará dando certo também aqui. Se tivermos tempo.

Você falou um pouco de medidas estruturais no campo da comunicação que estiveram aquém nos governos Lula e Dilma. Quais você acredita que são imediatas no caso, por exemplo, de um novo governo progressista?

Em primeiríssimo lugar, é preciso aplicar a Constituição. É simples. Depois, devemos estudar à luz de outras medidas que podem ser suplementares e, eventualmente, serão muito importantes. Mas o começo da história se dá pela Constituição, pela carta que foi rasgada pelos golpistas. Esse é o começo da história. Apliquem a Constituição.

E também não chamem para dirigir as comunicações pessoas da Globo. Colocaram a senhora [Helena] Chagas para dirigir a Secom [Secretaria Especial de Comunicação Social], como fez a Dilma. Isso é um acinte. Ou ela está mal informada ou ela caiu, realmente, no logro monumental. Como é possível terem chamado esta senhora? Ou o Paulo Bernardo, para cuidar da comunicação? É chamar a raposa para cuidar do galinheiro. É uma piada. Mostra, inclusive, a incompetência dos nossos governantes em um tempo em que eles tinham a faca e o queijo na mão, mas não souberam nem usar a faca, nem comer o queijo.

E como está seu otimismo em relação a possibilidade de eleições diretas ou o pleito de 2018?

Ah, isso é evidente. A única solução, neste momento, seria chamar eleições. Diretas eu não diria porque quando houve aquela campanha para as diretas já, que foi derrotada pelo [José] Sarney que depois se tornou presidente da República. Esses são os engodos do destino brasileiro. Mas, hoje, deveríamos falar em eleições antecipadas realizadas em outubro próximo. É a única saída inteligente e pacífica para esse angu de caroço que está aí.


Os resultados serão, de qualquer maneira, animadores se houver estas eleições porque certamente o golpe será desfeito. É inegável. Se vão chegar ao poder homens competentes ou não, há de se verificar. Mas o golpe será desfeito. Esse governo que está aí é ilegal porque lhe falta apoio do voto popular. É totalmente ilegítimo. Se houvesse eleições antecipadas, o golpe seria desfeito e voltaríamos a uma situação de legalidade.

O jornalista Mino Carta, diretor de redação da CartaCapital/ Reprodução/ CartaCapital.

O impeachment de Dilma Rousseff prova que o país carece de saúde mental, diz Mino Carta


Quem, ainda dotado de um resquício de espírito crítico embora dado à autoflagelação, se dispôs a assistir às sessões de segunda 29 e terça 30, derradeiros quadros do ato da farsa trágica intitulado Impeachment, o segundo, provavelmente, terá de cair em depressão profunda.
Publicado originalmente na Carta Capital


O conjunto da obra imposto ao País, desde a eclosão do escândalo da Petrobras até os dias de hoje ao longo de um enredo tortuoso e apavorante na sua insensatez, levará aquele cidadão, peculiar em relação à maioria, a se render à evidência: o maior problema do Brasil, muito antes do desequilíbrio social e da corrupção, é o quociente de inteligência baixo, baixíssimo. Um país que se permite um golpe desta natureza carece de saúde mental.

E é o caso de rir?
No palco o espetáculo engloba a plateia por inteiro, mesmo que muitos se suponham meros espectadores, e representa um povo primitivo, da cúspide da pirâmide à base. Cordial não é certamente, como sinônimo de alegre, bonachão, malemolente. E a pirâmide, a bem da verdade, é mais um estranhíssimo contubérnio com um cone, ponta de agulha em vez da cúspide e uma base imensa e compacta. Um Frankenstein geométrico e social.

 A resignação na base explica-se ao evocar três séculos e meio de escravidão, que deixaram a marca da chibata no lombo de dezenas de milhões de cidadãos privados da consciência da cidadania e geraram um preconceito feroz, conquanto hipocritamente negado até por quem, a despeito do “pé na cozinha”, agregou-se, ao enricar, a uma aristocracia de fancaria.

A resignação do povão merece pena em lugar de tolas interpretações. Ao cidadão ainda em condições de exercer o espírito crítico há de doer entre o fígado e a alma a forma pela qual a prepotência vinga e o cenário se aquieta, como se a farsa trágica em andamento fosse obra dos fados, gregos, obviamente.

Está claro, de todo modo, que o golpe de 2016 é infinitamente mais grave do que o de 1964. Este provocou reações fortes, criou uma resistência e até uma luta armada, além do anseio de democracia autêntica, como jamais se dera até então, passível de ser atingida tão logo se fossem os ditadores.

A eleição de um ex-metalúrgico à Presidência da República
pareceu a prova da democracia conquistada. Pareceu....
Se falo por mim, a ditadura me levou ao entendimento da real serventia do jornalismo e me reteve no País graças a esse entendimento, destinado a oferecer motivação a um cético convicto ao excitar seu otimismo na ação.
O golpe destes dias devolve o Brasil aos tempos mais remotos e demole inexoravelmente todos os avanços ocorridos depois de 1985. Não foram demolidas a casa-grande e a senzala, mas avanços se deram, e o maior deles está na eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002.

Foi divisor de águas na história brasileira tornar um ex-metalúrgico o primeiro mandatário. Aquele momento aparentou ser a prova provada da habilitação do Brasil à prática da democracia.

Lula teve méritos inegáveis, já apontados largamente por CartaCapital e reconhecidos mundialmente. Hoje o vemos perseguido por razões inconsistentes e até ridículas, com a pronta colaboração de uma polícia que se presta ao serviço outrora entregue pela casa-grande a capatazes e jagunços, e o beneplácito de uma Justiça de mão única.

Imaginar que a farsa trágica se encerra com o impeachment é ilusão ou parvoíce. Não faltam escribas para outro ato, o terceiro, grand finale, e nele Lula é excluído à força da disputa presidencial de 2018.

Cabe uma pergunta a quem ainda trava diálogos com seus botões: se houver eleições presidenciais em 2018, de que feitio serão? O golpe, ao rasgar a Constituição, manda às favas o presidencialismo republicano para substituí-lo pela lei do mais forte. Que surgirá dos escombros? E os eleitores, acreditarão na validade do pleito se a pesquisa de opinião e a prepotência de uma gangue sinistra que age a mando da casa-grande anulam o voto popular? Mais: se o candidato favorito é excluído ao sabor de falsas acusações?

Botões atentos responderão que a prisão de Lula é perfeitamente possível, se não provável, já que a quadrilha manda, a mesma que precipita o impeachment de Dilma Rousseff sem prova de crime de responsabilidade. A presidenta impedida defendeu-se em plenário com os argumentos justos e irretocáveis como se dirigisse a uma Câmara Alta digna da contemporaneidade do mundo e da confiança dos eleitores, e horas e horas a fio os defendeu com empenho e elegância. Aos meus botões pergunto, contudo, se não teria sido melhor dirigir-se ao povo brasileiro para ler, pacatamente, mas sem retoques, a ficha criminal daqueles que se arvoraram a julgá-la.

Sérgio Moro ainda não entendeu a possibilidade de comparar
Brasil e Itália.
Sempre tive admiração pela figura de Sansão, ele disse no lance final da sua aventura bíblica, “morra, Sansão, com todos os filisteus”, e pontualmente executou a ameaça. Dilma não dispõe da musculatura de Sansão, tampouco da mentalidade do “perdido, perdido e meio”, apesar da coragem que soube mostrar em situações diversas. Não lhe faltou energia para aguentar dois dias de uma pantomima celebrada para tornar a decisão tomada faz meses, e prolongada conforme um ritual ibérico, tão inútil quão humilhante.

Dilma teve de suportar situações deploráveis, recheadas pela retórica mais hipócrita, pelas lacunas culturais dos interrogadores, frequentemente pela lida difícil com o vernáculo, e pela aterradora atuação do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, avalista do desastre.

Pergunta Aécio Neves algo assim como “a senhora não se sente responsável pela alta do desemprego?” Dilma responde com uma aula sobre as origens e os desenvolvimentos da crise econômica mundial em vez de desancar o torquemadinha mineiro. Será que querem puni-la por causa do desemprego?

De todos, mais deplorável e revelador, o víscido desempenho do senador Cristovam Buarque. Sim, ele reconhece, Dilma é uma mulher honesta e lhe merece muita simpatia, mas as “pedaladas” são criminosas e ele tem de se render às suas responsabilidades de cidadão e de parlamentar para cumprir a missão de condená-la.

Abjeta tentativa de se mostrar como varão de Plutarco, enquanto participa de um crime, este sim irrefutável. Honra ao mérito, em contrapartida, aos digníssimos senadores Roberto Requião e Lindbergh Farias.

Buarque prefere apostar no QI baixo, ao rés do chão, e nesta confiança não se diferencia dos demais golpistas. Parlamentares, juízes, promotores, policiais, empresários rentistas, barões midiáticos e seus sabujos. Muitos, entre estes, também não primam pelo brilho da mente. Umas dúvidas me assaltam em relação ao juiz Sergio Moro. Será que acredita no que diz ao afirmar a semelhança entre a Lava Jato e a Mani Pulite?

Com inefável candura, continua a afirmar que os vazamentos para a mídia foram uma arma eficaz da operação italiana. Saberá ele que a mídia peninsular está nas antípodas da nativa, no sentido de que se abre em leque em sintonia com ideologias e tendências políticas a representar todos os estratos da nação?

Como sabemos, a mídia nativa é do pensamento único, na linha do vento a soprar das alturas da casa-grande, mesmo porque seus patrões são inquilinos cativos da mansão senhorial. Moro já percebeu isso tudo e sabe que a Suprema Corte da Itália costuma agir como sentinela da lei e da sua aplicação, bem ao contrário do nosso altamente politizado STF?

Mani Pulite não pretendeu alvejar um partido e os seus líderes, e sim um sistema corrupto. Da investida escapou tranquilamente o Partido Comunista de conduta irrepreensível, em um país onde a Constituição permanece a mesma desde 1948.

A respeito do QI baixo de inúmeras personagens da farsa trágica, não tenho dúvida, bem como de uma classe A e B1 (adoto as terminologias correntes) nunca alcançada pelas lições do Iluminismo, estupidamente exibicionista, ignorante até a medula, arrogante e vulgar. Não são melhores os seus aspirantes, os brasileiros sequiosos de chegar lá, e mesmo aqueles que estão longe disso e se antecipam ao comungar com idênticas, parvas pretensões.

o víscido comportamento de alguém que pretende ser varão de Plutarco.
Com este gênero de brasileiros, um diálogo baseado na razão e na lógica é simplesmente impossível. Sabem tudo de antemão, nutridos pela torpe narrativa midiática, ou de ouvidos postos no que sai da boca dos graúdos.

Inúteis esperanças foram as de quem pretendeu trafegar pela realpolitik  e, embora de esquerda e desenvolvimentista, tentou agradar aos senhores e fez genuflexão ao deus mercado. Como se deu com a própria Dilma, ao chamar Joaquim Levy para a Fazenda.

Em sua defesa da presidenta afastada, dia 25 de agosto, o professor Belluzzo não deixou de apontar o erro grave, e nem por isso passível de punição pelo impeachment. Sem contar que Joaquim Levy jamais será tido como inimigo dos golpistas. Aliás, quem imagina ser possível um entendimento com a casa-grande comete um erro fatal: no Brasil, conciliação só das elites.

Diálogo equilibrado deste lado é também inviável, e buscá-lo exibe um QI frágil. No poder o PT enredou-se nas suas próprias carências, entre elas a ausência de crenças arraigadas por parte até de alguns de seus líderes, e portou-se como todas as demais agremiações políticas, melhor, clubes recreativos.

Muitos dos comportamentos de uma esquerda tão distante das consignas iniciais revelam, a seu modo, o QI baixo. Sem excluir os jovens revolucionários de tempos idos, tão desnutridos de leituras e de ideias, radicais extremados em nome da moda passageira.

Não tenho conhecimento suficiente para dissertar a respeito do exato significado de inteligência. Sei apenas que cada qual ao nascer recebe a sua horta de neurônios, cujo tamanho depende de uma série de fatores, a começar pelo DNA. Para dar frutos, a horta precisa ser cultivada, pelo estudo, pela leitura, pela busca do conhecimento. Nem todos têm a chance de cumprir a tarefa.

No Brasil de um Estado desinteressado da saúde mental e física do povo, certamente muito poucos. Não há como apurar quantos gênios são desperdiçados em um país onde o povo é valor descontável, quando é, de verdade, um tesouro inexplorado.

E esta também, e sobretudo, é prova de um quociente de inteligência baixo, baixíssimo.  A gritaria e os fogos ouvidos no encerramento do segundo ato da farsa trágica são próprios da festa da pobreza de espírito.