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Movimento iniciado em 2015 em Beberibe trabalha uma infância sem racismo


Movimento por uma infância sem racismo em Beberibe - CE / Imagem: Reprodução - Facebook - Circo Multicor.

Iniciado no ano de 2015, o movimento, desenvolvido no município de Beberibe no estado do Ceará traz a marca da relação entre o sonho e a realidade, num processo de construção coletiva, repleto de aprendizados e desafios. O trabalho partiu de um projeto de leitura que em 2010 desenvolvi numa escola pública local, enquanto professora de ensino fundamental, no desenvolvimento do trabalho de intervenção literária afrobrasileira para discutir questões relacionadas a identidade e analisar as relações étnico-raciais  na escola e comunidade por meio da literatura afro-brasileira, quando me deparei com uma cena de racismo que me fez refletir sobre a educação étnico-racial oferecida às nossas crianças e adolescentes. Esse cenário sinalizava seguir adiante. Após trabalhos de pesquisa nas escolas públicas, junto a profissionais sobre as situações de racismo na escola, foram observados dois aspectos fundamentais: que as crianças negras são vítimas de chacota e imagens depreciativas que prejudicam sua auto-estima, afastando-as da convivência em grupo.

Outro aspecto referia-se a situação da escola que apesar da implantação da Lei 10.639/03 que estabeleceu as Diretrizes da educação das relações étnico-raciais e posterioriromente alterada pela Lei 11.645/08 (BRASIL, p. 17-29), ainda limitava-se a ações pontuais. O racismo, na maioria das vezes, é naturalizado por ela, e não efetivadas as denúncias. Os  professores em sua maioria, não conseguem fazer um debate mais aprofundado da temática, principalmente no Ensino Fundamental I, a literatura afro-brasileira sequer era conhecida. O que ocorre são esforços individuais sobre o assunto “Pesquisa Direta – Lima1, 2011”.

Em 2014 a gestão municipal aprovou expandir a experiência para nove escolas da rede municipal e na linha da política de proteção envolvendo grupos de Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) do município. Por outro lado, buscou-se impulsionar os profissionais para o desenvolvimento de práticas pedagógicas de elogio à diversidade e de superação do preconceito racial, propondo uma infância livre do racismo, incluindo assim questões como identidade e raça. Sendo um trabalho contínuo e anual, inserido nos planejamentos de atividades dos espaços educacionais e de convivência, envolvendo ações de atendimento direto, destacando elementos literários afro-brasileiros e demais linguagens, como poesia, teatro, dança e música, para que crianças e adolescentes tenham contato com temas variados e que expressem respeito às diferenças sociais, étnicas e culturais do povo brasileiro, bem como ações itinerantes e envolvimento com entidades da Sociedade Civil, famílias e comunidade.

O que era um objetivo tornou-se o projeto: Beberibe Multicor – Um movimento por uma infância sem racismo. Apoiado pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCA), o qual o indicou a concorrer ao Edital de Apoio aos fundos desse Conselho formalizado pela Fundação Itaú Social, sendo aprovada a parceria através de recursos para o ano de 2015.

Uma das ações executadas pela gestão municipal em parceria com a Sociedade Assistencial de Beberibe (SABE) - Organização da Sociedade Civil, sem fins lucrativos com 34 anos de história em Beberibe, foi a publicação de 06 obras literárias infanto-juvenil de autores regionais e locais, acerca da temática, totalizando a distribuição de 4.000 livros no território local e outros estados.

No ano de 2018 a SABE assume a execução do Projeto, trazendo uma das ações itinerantes do movimento para tornar-se O Circo Multicor – Arte e Educação por uma Infância sem Racismo, como espaço de referência na valorização do patrimônio histórico e cultural dos afrodescendentes, no atendimento a 1.400 crianças e adolescentes das 34 escolas da Rede Municipal de Ensino e 04 comunidades tradicionais do município de Beberibe, na perspectiva de combater o racismo na infância por meio de vivências, intervenções artísticas e literárias, incluindo ações de mobilização dos atores sociais que compõem o SGD.

Agradecemos a oportunidade de contar a nossa história com a possibilidade de que ela chegue a outros muitos terreiros desse nosso chão chamado Brasil.

Venham nos conhecer! (Com informações do Circo Multicor).

“Eu sou Madiba! Sou a voz da igualdade”: A experiência de uma escola no cumprimento da Lei 10.639/03



Hoje tive uma experiência muito significativa. Fui conhecer de perto a Escola Pública Municipal de Educação Infantil (EMEI) Nelson Mandela.

A riqueza dos momentos vivenciados na Emei Nelson Mandela contribuíram de forma muito bonita, significativa e intensa na minha formação enquanto pedagoga, mas também me fez sentir representada como parte da humanidade no processo de escolarização. Digo isso pois sinto-me representada como parte da humanidade quando vejo a escola ensinando as nossas histórias, sobre os nossos povos, sobre as nossas culturas, proporcionando uma educação significativa que renuncia ao padrão eurocêntrico de ensino.

Por Sheila Perina de Souza*, no Geledes

Durante a visita aconteceu algo que me marcou muito. Enquanto as crianças brincavam, uma música tocava embalando suas brincadeiras no parque. A princípio, custei a acreditar, mas parei e prestei atenção. E a letra dizia assim:

Foi um grito que ecoou, Axé Nkenda!
A luz dentro de você… Acenda!
Nada é maior que o amor, entenda.
A voz do vento vem pra nos contar
Que na mãe Africa nasceu a vida Pura magia, baobá abençoado (…)
Mandela! Mandela! Num ritual de liberdade
Lá vem a Imperatriz, eu vou com ela
Eu sou “Madiba”! Sou a voz da igualdade

Era o samba enredo da Imperatriz Leopoldinense! Fiquei emocionada, elas brincavam e o samba enredo homenageava a luta de Mandela.

Nesse momento eu ouvi! Eu vi! a nossa história, a nossa cultura no cotidiano das crianças. Eu compreendi que naquela escola o 20 de novembro acontecia durante o ano todo, e a lei 10.639 não estava apenas atrelada ao discurso, ela era vivenciada!

Durante a visita, por meio das paredes que revelam muito sobre a escola, percebi que naquele espaço as crianças pequenas aprendem sobre a cultura do negro brasileiro, sobre a história do continente africano, sobre os diversos povos indígenas e sobre as questões de gênero. Elas aprendem sobre si mesmas, aprendem sua história. E assim como eu, elas entenderão a importância de sua cultura para a humanidade.

Anos atrás, a antiga EMEI Guia Lopes, atual EMEI Nelson Mandela, sofreu perseguições racistas por meio de pichações feitas no muro da escola, em decorrência do trabalho que vinha desenvolvendo sobre a questão racial. Desde então, a equipe pedagógica da escola segue firme desenvolvendo cotidianamente as questões culturais, de gênero e de raça com crianças pequenas. Um dos frutos desse trabalho é a mudança de nome da escola para Nelson Mandela. Mas, os maiores frutos produzidos nessa escola quem receberá somos nós, a sociedade. Pois conviveremos hoje com crianças, e futuramente com adultos mais humanos, conhecedores de sua cultura, conscientes de sua história e que depreendem as contribuições dos diversos povos na história da humanidade. E serão elas e eles que ajudarão a desmitificar aquela “história única” que durante tantos anos nos contaram dentro do ambiente escolar.

*Estudante de pedagogia da Faculdade de Educação da USP. Realizou parte de sua graduação em Angola, na Universidade Lueji A’nkonde. Atualmente desenvolve pesquisas na área de alfabetização em contextos multilíngues, e é estagiaria do Centro de Referencia de Promoção da Igualdade Racial-CRPIR.