Vamos
ouvir falar muito dos 20 anos do Plano Real, mas por motivos muito mais
políticos e eleitoreiros do que por razões cívicas e históricas.
Isso
ficou claro na capa desta semana da Veja. Uma bomba relógio sugeria que a
estabilidade econômica – o principal feito do Plano Real – está prestes a
explodir por culpa sabemos bem de quem, na visão da Veja.
A
mensagem central dos que lembrarem efusivamente o Real é exatamente esta: a
inflação está aí e temos que tirar os petistas do poder.
É,
naturalmente, uma falácia eleitoreira.
As
duas décadas do Real merecem algumas considerações que só o tempo permite.
A
mais importante é que quem criou a hiperinflação – num determinado momento a
taxa voava a 80% ao mês, sob o ministro Mailson da Nóbrega, hoje dando aulas de
economia por aí – foi o mesmo grupo que hoje quer voltar ao poder.
Numa
definição mais ampla, os conservadores. Ou, numa linguagem que me é mais cara,
o 1%.
Repito:
o 1% fez a hiperinflação e hoje, cinicamente, tenta se apresentar como detentor
da fórmula de debelá-la.
A
inflação, no início dos anos 60, era uma coisa. Com a ditadura militar, o
problema virou crônico e crescente graças a uma das mais desastrosas invenções
econômicas da história brasileira: a correção monetária.
O
criador foi uma das figuras mais reverenciadas da direita brasileira: o
economista Roberto Campos, Bob Fields para a esquerda, homem forte da economia
do primeiro governo militar, o do general Castello Branco.
Campos
criou um monstro. A correção monetária, que deveria proteger o dinheiro, acabou
por se tornar um combustível impiedoso para a inflação.
Planos
e mais planos econômicos fracassaram na tentativa de liquidar a inflação por
conta, antes e acima de tudo, do mecanismo de correção criado por Roberto
Campos.
Sempre
houve, também, uma má vontade potente do 1% em enfrentar para valer a inflação.
Por motivos óbvios: o 1% sempre ganhou muito com a inflação.
Quem
perdia com a inflação eram os pobres, que não tinham sofisticadas aplicações
financeiras à disposição para proteger seu patrimônio esquálido.
A
inflação era um fator a mais de desigualdade no Brasil. Os ricos – sobretudo os
bancos, mas não só eles – ganharam muito dinheiro com ela.
Alguém
tinha que ceder para que a estabilidade viesse – mas a elite só aceitou fazer
alguma forma de sacrifício quando a situação se tornara simplesmente
insustentável.
Foi
aí que entrou em cena o Plano Real.
Outra
vez: a doença econômica fora criada exatamente pelos conservadores que hoje
fingem ter a exclusividade da cura. Mais que isso: pretendem não ter nada a ver
com a origem do mal.
O
PT, por mais erros que tenha cometido nestes doze anos de poder, já mostrou que
é absolutamente capaz de controlar os preços. As estatísticas mostram que a
inflação média sob FHC foi maior do que sob Lula e sob Dilma.
Mais
que tudo, duas décadas depois, o maior drama econômico nacional está longe de
ser a inflação.
O
real pesadelo se chama desigualdade social.
Esta
deveria ser a prioridade nacional nestes dias: reduzir a abjeta iniquidade que
marca o Brasil.
Os
níveis de desigualdade brasileiro equivalem aos da Europa de 100 anos atrás.
Números
recém-publicados mostram que no processo de redução da desigualdade dos últimos
anos o 1% não perdeu nada.
O
que o Brasil exige, hoje, é um plano – já que falamos do Real – que retire a
sociedade dos extremos de opulência e miséria.
Via
Diário do Centro do Mundo