É
simbólico que o momento decisivo da última Eurocopa tenha sido o gol de um
imigrante, Éder, nascido na ex-colônia portuguesa de Guiné-Bissau. Exatamente
agora, quando forças como Boris Johnson, no Reino Unido, e Marine Le Pen, na
França, destilam seu ódio aos estrangeiros, o mundo recebe um forte sinal do
quanto essas populações imigrantes foram fundamentais para construção de quase
tudo que é mais importante para o Ocidente.
Acostumamo-nos
ao longo dos últimos meses aos discursos demagógicos que apontavam a chegada de
imigrantes como o fator responsável pela crise econômica nos países
desenvolvidos. Muito embora os estrangeiros ainda representem pequena parcela
do total na população desses países, são eles que boa parte dos políticos mais
queridos pela nova direita radical responsabilizam pelas perdas do mercado.
Publicado
originalmente em sua página no facebook
Na
verdade, a crise enfrentada na Europa é de responsabilidade daqueles que mais
ganharam dinheiro nos tempos de bonança. Foram os mais ricos que nos tempos de
crescimento europeu acumularam recursos retirando a possibilidade de melhora do
restante da população e prejudicando a capacidade dos estados de manter seus
programas de bem estar social. Se faltam empregos agora, não é porque
imigrantes estão ocupando os postos de trabalho. É porque novos postos não
estão sendo abertos e antigos estão sendo deslocados com o objetivo de aumentar
margens de lucro.
Portanto,
é preciso repelir acusações racistas de que um perfil específico de pessoas na
população é a origem de todos os males sociais. Assim como há brasileiros de
todos os tipos de pensamento e comportamento, há imigrantes com essa mesma
diversidade. Estrangeiros não são simples hospedeiros de uma nova cultura para
substituir a outras. São indivíduos que trazem de outras origens saberes que se
chocam com os nossos para produzir novas e melhores sínteses.
Eis
a dinâmica multiculturalista que o mundo globalizado e conectado em rede nos
impõe. Pessoas com diferentes ideias estranham mutuamente seus comportamentos
para produzir acúmulos mais sofisticados quanto ao seu comportamento. No
exercício da tolerância organizamos melhor nossas diferenças para um objetivo
comum. Essa é a receita do sucesso econômico de cidades como São Paulo, Londres
ou Nova Iorque.
No
atual estágio de conexão alcançado pelos transportes e a comunicação,
especialmente a internet, já está claro que negar a participação de
estrangeiros na dinâmica social significa dar as mãos ao atraso. O dinamismo
dessa nova aldeia global que emerge no século XXI é dado pela organização das
nossas diferenças para construção de um bem comum. Quando Éder se fez decisivo
nesta Eurocopa, independente da importância que o futebol tem para cada um de
nós, o recado foi claro. De algum modo somos todos imigrantes, herdeiros de
tradições que não eram nossas, mas que são essenciais na significação de quem
somos e de para onde caminhamos.