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A identidade comunista não está ultrapassada

 

Foto histórica dos 13 presos políticos trocados pelo embaixador americano Charles Burke Elbrick, na base aérea do Galeão, Rio de Janeiro, antes de partirem para o exílio no México, em setembro de 1969. Registro marca a história da luta armada de esquerda no Brasil. Outros dois presos políticos foram agregados ao grupo na ida ao México. Fonte: Wikipedia.

Por Alexandre Lucas, Colunista

Teve um tempo em que negar a identidade comunista era uma necessidade de sobrevivência individual e coletiva. Os comunistas tiveram de usar pseudônimos, entrar na clandestinidade, desaparecer dos holofotes oficiais e silenciar a sua existência, ao mesmo tempo que precisaram reafirmar princípios e aglutinar forças políticas para derrotar os períodos de Estado de Exceção no país: Estado Novo e a Ditadura Militar.

Na história brasileira, as organizações comunistas foram as mais atacadas: O PCdoB (Partido Comunista do Brasil) e o PCB (Partido Comunista Brasileiro), principais organizações dos comunistas no país, tiveram seus dirigentes e militantes presos, torturados, perseguidos e assassinados.  Há cerca de 100 anos, os comunistas tem que conviver e enfrentar cotidianamente a intensa campanha anticomunista, nos mais diversos níveis e segmentos da sociedade. A campanha anticomunista tem capilaridade social e é difundida pelos diversos aparelhos ideológicos do estado, que vai desde as instituições religiosas, escolas ao conglomerado de empresas de comunicação e de produtos.   O discurso da classe dominante é a narrativa da manutenção do estado burguês, da ditadura da burguesia, ou seja, a luta anticomunista se justifica para elites econômicas, detentoras do capital, como mecanismo de redução e esfacelamento da organização, dos espaços de poder e das conquistas da classe trabalhadora.

Os comunistas, a partir de amplo leque de forças políticas do campo democrático e progressista, tiveram papel essencial no processo de redemocratização do país, após 21 anos de ditadura militar. Desde os meados da década oitenta do século passado, os comunistas e suas organizações podem usar suas cores, suas siglas e seus símbolos como a foice e o martelo que simboliza historicamente o entrelaçamento do proletariado e do camponês.

Com a abertura democrática no país, crescem também as abordagens de percepção social, as formas de organização e de luta da sociedade. Formas isoladas de perceber e resolver os problemas sociais vão ganhando espaço e fragmentando a luta pela transformação social. É notório neste período o crescimento do conceito de “orguinização” da sociedade, crescimento das mais diversas ONG com discursos de substituição do papel do estado, como também do denominado movimento identitário.  As quais têm demandas socialmente negadas e que precisam ser fortalecidas no seio da luta da classe trabalhadora pelo seu processo de emancipação.

A redemocratização continua impondo aos comunistas e as suas organizações o enfrentamento ao anticomunismo e ao mesmo tempo a defesa de princípios teóricos sobre a concepção das relações geradoras de exploração e opressão. 

A todo tempo tentam impor uma narrativa de que ser comunista está ultrapassado, como se as relações de exploração, opressão e a desigualdades sociais e econômicas tivessem sido superadas.

As últimas eleições demonstraram uma peculiaridade que precisar ser percebida no contexto de aglutinação de forças sociais de caráter orgânico. A direita de feição fascista e a chamada da esquerda identitária, ambas tiveram um bom desempenho eleitoral, a partir da afirmação de seus princípios e uma comunicação com o mesmo teor, isso não aconteceu de forma relâmpago, mas processual.

Os comunistas hoje não precisam mais esconder as suas identidades. Vivenciamos uma atmosfera política favorável à ampliação da comunicação e da formação que reafirma a  identidade comunista. 

A identidade comunista se afirma a partir dos princípios teóricos e não se assemelha ao achismo, espontaneísmo e idealismo.  Refirmar Lênin continua sendo atual: "Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário". Ao mesmo a  identidade comunista deve se incorporar a uma comunicação que  reafirme a sua própria identidade.  A Coca-Cola por exemplo, maior símbolo do capitalismo no mundo, não abre não da sua identidade, não se bebe Coca-Cola sem rótulos. No campeonato de futebol os times não jogam sem termo, para não confundir os torcedores. No campo da política os comunistas não podem jogar sem sua identidade. É se reafirmando que os comunistas fazem crescer a sua militância e a sua densidade eleitoral. É possível se afirmar, sendo amplo, falando para além dos pares e sem negar identidades e princípios.  

Resistência negra e as páginas rasgadas da ditadura

 

Movimento Contra a Discriminação Racial, nas escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, no ano de 1978. (FOTO/ Reprodução/ Outras Palavras).

Lideranças perseguidas e assassinadas. Escolas de samba e bailes soul monitorados. Pesquisas e debates sufocados. Militares agiram para vender ao mundo a falaciosa “democracia racial” — uma história que, agora, começa a ser contada

No carnaval passado, a Estação Primeira da Mangueira abalou a Sapucaí com o samba-enredo Histórias para ninar gente grande em que dizia cantar “A história que a História não conta”, seguindo uma tradição importante do samba brasileiro de crítica social e de transmissão de memória coletiva. Da mesma forma, faz quarenta anos que se conta na tradição oral das rodas de samba paulistas que a composição de Geraldo Filme, Silêncio no Bixiga, fora entoada no enterro de Pato N´água, exímio sambista, que teria sido assassinado pelos esquadrões da morte, na então “cidade da garoa”, nos tempos mais sombrios da ditadura militar.

Geraldo Filme, talvez já ciente dos apagamentos intencionais ou não da história, e frente ao contexto de forte repressão militar, deixou registrado na memória afetiva e intelectual afro-brasileira e popular o samba que até hoje faz parte das boas rodas de São Paulo. A homenagem que fez ao “sambista de rua” ficou conhecida também, em algumas versões, como um registro sensível da experiência negra durante os anos de chumbo.

 

(…) Escolas

Eu peço silêncio de um minuto

O Bixiga está de luto

O apito de Pato N’água emudeceu

Partiu

Não tem placa de bronze

Não fica na história

Sambista de rua morre sem glória (…) (FILME, 1969)

 

O icônico samba ainda é um guardião das memórias até hoje não reveladas da última ditadura, já que nenhum livro de História que circula nas salas de aula das  escolas brasileiras, públicas ou privadas, discute o impacto da ditadura militar sobre a população negra e suas expressões culturais e políticas. De fato, a historiografia nacional e a produção acadêmica especializada no assunto, no Brasil e fora dele, construíram uma narrativa sobre o período que deixou à margem segmentos sociais expressivos do povo brasileiro. A Comissão Nacional da Verdade, um marco para o escrutínio da memória do nosso passado recente e que trouxe grandes contribuições para o enfrentamento dos tabus do regime autoritário vigente entre 1964 e1985, reproduziu o racismo estrutural ao silenciar-se sobre a temática racial e sobre as formas de resistência negras durante o período. Essa lacuna tem efeitos perversos pelos menos em dois aspectos: 1) na invisibilidade ou no apagamento da presença negra nas lutas (armadas) e outras formas de resistência ao regime militar; e 2) nos desdobramentos dos efeitos da ditadura – sejam em termos de um pensamento autoritário ou em formas e técnicas de repressão – sobre a população negra e periférica durante e após o período autoritário. Não à toa, quando jornalistas e jovens investigadores se deparam com documentos oficias sobre a questão racial ou com casos no contexto democrático que se assemelham ao período do regime militar (a exemplo de prisões ilegais e arbitrárias, da tortura, dos assassinatos ou dos desaparecimentos forçados de pessoas negras e periféricas sob o poder das autoridades policiais) não sabem ao certo a quem recorrer para dar maior inteligibilidade à “caixa preta” do período autoritário e seus efeitos deletérios no período democrático.

Afinal, como a ditadura militar impactou a vida dos negros brasileiros?

O estabelecimento do regime militar teve múltiplos impactos sobre a questão racial no Brasil. Censura, controle de informação, guerra ideológica, vigilância, exílios, cassações, perseguições, prisões, remoções em favelas, tortura, assassinatos, omissões no enfrentamento aos grupos de extermínio, de justiçamento e de esquadrões da morte, desaparecimentos forçados, desarticulação do ativismo e de organizações negras, além do sufocamento do debate sobre o preconceito, a discriminação e as desigualdades raciais no país. Nos termos de Lélia Gonzalez, após o Golpe de 1964, houve um verdadeiro “silenciamento, a ferro e fogo, dos setores populares e de sua representação política” (1982, p.11).

Um exemplo paradigmático, porém pouco conhecido, é o caso de Esmeraldo Tarquinio, deputado negro pela Baixada Santista. Atento às demandas populares e negras da região, a trajetória do então deputado foi marcada por um conflito racial com os militares. Logo após o Golpe, Tarquino fez discurso sobre a retração democrática no país, ao que um general violentamente retrucou: “Se no Brasil não tivesse democracia, um preto comunista que nem você não seria deputado”.  E logo acrescentou: “Vá para Rússia lavar latrina. Lá que é o seu lugar!”. O referido episódio permaneceu na memória do ex-deputado e, sempre que teve oportunidade, remontava esse caso como fator explicativo para a sua cassação anos depois, o que o impediu de assumir o cargo de prefeito na cidade de Santos, para o qual fora eleito democraticamente. Em seu lugar, o General Costa e Silva nomeou um interventor federal, já que Tarquinío teve seus direitos políticos suspensos por dez anos e nunca mais teve oportunidade de exercer sua vocação política; em 1982, quando novamente pôde se candidatar, morreu às vésperas das eleições.

Poucos sabem, mas o silenciamento oficial durante o regime também gerou a supressão da pergunta sobre raça/cor no censo de 1970.  Pela primeira vez na história do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não se pôde coletar dados capazes de informar sobre as diferenças nas condições de vida da população brasileira segundo o seu pertencimento racial. A supressão da pergunta impactou diretamente a produção acadêmica e a luta antirracista, que se nutria desses dados oficiais para realizar as análises e denúncias sobre as fortes e persistentes desigualdades raciais brasileiras.

Acrescente-se a este a retração dos estudos acadêmicos sobre a temática racial. A agenda de pesquisa sobre relações raciais desenvolvida no processo de institucionalização do campo científico das ciências sociais, a exemplo das pesquisas realizadas por Florestan Fernandes e seus orientandos, perdeu o espaço que tinha na principal universidade brasileira, posto que os militares interferiram diretamente na carreira universitária de estudiosos cujos resultados das investigações questionavam o mito da democracia racial, de um lado, e o argumento da ausência de preconceito racial, de outro.  Como certa vez disse o historiador Thomas Skidmore, os militares não chamavam de subversivos apenas os guerrilheiros com suas armas, mas também os cientistas com suas ideias.  Nas palavras do sociólogo Antônio Sérgio Guimarães, “foi nesse período que a democracia racial passou a ser um dogma, uma espécie de ideologia do Estado brasileiro” (1999, p. 66). É irônico notar que, em pleno contexto de retração de direitos civis, políticos e sociais, a diplomacia brasileira tenha insistido tanto em mostrar para o mundo as supostas relações harmônicas entre negros e brancos, livres de preconceitos e discriminações de cunho racial, escondendo graves violações aos direitos humanos e negando ou minimizando os casos de crescentes desigualdades.

Esse discurso ideológico, no entanto, foi confrontado pelas lideranças negras. Talvez, uma das mais expressivas delas tenha sido aquela realizada pelo exilado Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro, que deixou o Brasil, em 1968, rumo aos Estados Unidos, de onde passou a denunciar para o mundo a existência de racismo no Brasil. O confronto entre Nascimento e o governo militar ficou registrado no livro Sitiado em Lagos (1981), em que o autor revela as tentativas de difamação e de guerra ideológica do Itamaraty para colocar em descrédito e silenciar as denúncias do intelectual negro exilado.

Internamente, a forma coletiva de confronto mais expressiva desse contexto foi a formação do Movimento Contra a Discriminação Racial, nas escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, no ano de 1978. Sublinhe-se que um dos motores daquela manifestação foi o caso de Robson Silveira da Luz, que, acusado de roubar frutas, foi levado à delegacia da zona Leste de São Paulo, onde veio a óbito.  Mortes como essa, com nítidas evidências de tortura sequer são arroladas no quadro das vítimas da ditadura militar. Isso revela que há muito a se problematizar sobre a frágil, mas “sagrada” divisão entre “presos políticos” e “presos comuns” no período de 1964 a 1985.

Assim como muitas organizações críticas ao regime, lideranças, atos, encontros e seminários negros estiveram sob vigilância cerrada dos agentes de segurança, uma vez que, sob aquele regime, falar do racismo era entendido como um ato subversivo, como se tratar do assunto gerasse o “ódio racial”, tema arrolado na lei de segurança nacional, conforme nos revelou a pesquisa pioneira de Karin Kössling. Curiosamente, até onde se sabe, nenhum grupo ou ato racista foi investigado pelos militares, os militantes negros que combatiam a discriminação racial, todavia, tiveram suas vidas sistematicamente controladas pelos aparatos da repressão.

As ações de monitoramento e de censura não se limitavam aos espaços tradicionais do “fazer política”, a exemplo de sindicatos, jornais, movimentos sociais, organizações estudantis e partidos, havia também monitoramento constante dos agentes de segurança e repressão aos territórios e espaços de sociabilidade negra – como escolas de samba e bailes soul. Sem contar, as censuras e alterações de trechos de letras das composições de samba-enredo. Ainda no plano da produção artística, o crítico de cinema e sociólogo Noel Carvalho mostrou o impacto da censura no filme Compasso de espera, que tinha como tema central os preconceitos e conflitos raciais na sociedade brasileira. O conteúdo era considerado de teor subversivo, em contraste com a imagem de paraíso racial que o regime imprimia para dentro e para fora do país.

Talvez sejam por essas e outras razões que o diretor baiano Wagner Moura escolheu negritar as linhas tortuosas da ditadura militar, ao levar para telas de cinema a vida do guerrilheiro Carlos Marighella, na pele de Seu Jorge. Guardadas as devidas peculiaridades históricas, em som e em imagem, há que se notar em Moura, assim como em Geraldo Filme, a preocupação de demover dos escombros da ditadura alguns dos seus silêncios e silenciamentos. Cada um a seu modo, ambos registram fatos e experiências históricas, disputam os símbolos e as narrativas vividas sob a ditadura militar e trazem à memória social dos brasileiros e das brasileiras seus traumas coletivos. Tarefa ainda mais urgente num contexto político assolado por apologia à tortura, pelos clamores de grupos  (ainda) minoritários nas ruas em favor do retorno ao regime militar, pelo aparelhamento ideológico da extrema direita nas instituições de cultura (a exemplo da Cinemateca), pela desqualificação das comissões da verdade e das investigações sobre as vítimas, os crimes e criminosos da ditadura (vide as recentes bravatas presidenciais  e suas declarações indignas  direcionadas ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e à ex-presidente  do Chile e atual Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet, pela legitimação das violações aos direitos humanos por parte de governantes do poder executivo (casos das declarações e atos aberrantes dos governadores do Rio de Janeiro e de São Paulo, que incentivam e legitimam assassinatos em favelas e em territórios periféricos), pela censura às expressões plurais de ideias e formas de viver o amor (a recente cruzada ideológica do Crivella na Bienal do livro), pela militarização das favelas, pelas intervenções nas universidades públicas, pelas ameaças às liberdades  de cátedra, de associação e organização política, aos direitos individuais e conquistas sociais.

Com efeito, falar da ditadura militar e trazer os fatos e a verdade sobre esse período tornou-se, mais do que nunca, dever imperioso e ético de nossos tempos, seja para explicar o passado e seus vínculos com o presente ou para compreender e confrontar os agentes, os discursos e as práticas de violência rotinizadas pelos atuais representantes do Estado brasileiro. Em tempo: confrontar a história é lição que aprendemos no carnaval passado.  É aprendizado para não esquecer jamais.

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Por Flavia Rios, publicado originalmente no Outras Palavras.

Milton Nascimento ganhará um filme contando sua trajetória

 

Por Nicolau Neto, editor

Milton Nascimento é um das personalidades brasileiras mais destacadas na música. Aos 78 anos, o cantou usou sua página no Instagram na noite do último domingo (11) para comunicar que ganhará um filme contando sua trajetória.

O que foi o AI-5?


O Ato Institucional nº 5 foi decretado em 1968, durante o governo de Artur Costa e Silva. (FOTO/ FGV/CPDOC).

O Ato Institucional nº 5, conhecido usualmente como AI-5, foi um decreto emitido pela Ditadura Militar durante o governo de Artur da Costa e Silva no dia 13 de dezembro de 1968. O AI-5 é entendido como o marco que inaugurou o período mais sombrio da ditadura e que concluiu uma transição que instaurou de fato um período ditatorial no Brasil.

AI-5 completa 51 anos, entre repúdio à ditadura e defensores do autoristarismo


AI-5 completa 51 anos, entre repúdio à ditadura e defensores do autoritarismo.
(FOTO/ Reprodução).

Como neste ano, o 13 de dezembro de 1968 também caiu em uma sexta-feira. Já era noite quando o ministro da Justiça, Gama e Silva, anunciou o resultado da 43ª reunião do Conselho de Segurança Nacional, no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Os 24 integrantes do Conselho haviam discutido o Ato Institucional número 5, o AI-5, que abriu o período mais violento da ditadura iniciada em 1964. Passados 51 anos, autoridades ligadas ao governo falam com desenvoltura sobre o tema, admitindo até mesmo uma reedição, conforme o comportamento da oposição.

Textos de Carlos Marighella são reunidos em novo livro


O VOLUME REEDITA O RARO TEXTO POR QUE RESISTI À PRISÃO, DE 1965.
(FOTO/Reprodução/CartaCapital).

A Ubu Editora lança Chamamento ao Povo Brasileiro, uma reunião de ensaios, cartas, manifesto e poemas de Carlos Marighella. O livro de 320 páginas é luminar em ao menos dois sentidos. O primeiro por permitir que o pensamento do “inimigo número 1” da ditadura civil-militar volte a circular, evidenciando como parte essencial da história brasileira ainda é desconhecida pela maioria. E também pela trágica atualidade dos escritos, que giram em torno de 1929 a 1969, mas abrigam paralelismos sem precedentes com o que está acontecendo no Brasil de hoje.

Bolsonaro encerra grupos responsáveis por identificar ossadas de vítimas da ditadura


Quando era parlamentar, Bolsonaro posou ao lado de cartaz que ironizava as buscas por desaparecidos políticos da ditadura / Reprodução/Facebook. 

O governo Jair Bolsonaro (PSL) determinou na última semana o encerramento do Grupo de Trabalho Perus, responsável por identificar corpos de desaparecidos políticos da ditadura militar (1964-1985) entre as 1.047 caixas com ossadas da vala comum de um cemitério na zona oeste de São Paulo (SP), e o Grupo de Trabalho Araguaia, responsável pela busca e identificação dos restos mortais da guerrilha do Araguaia. A informação foi confirmada na manhã desta segunda-feira (22) pelo jornal O Estado de S. Paulo. Ambos os grupos são atingidos pelo decreto 9.759, que extinguiu conselhos e comissões que permitiam a participação da sociedade civil no governo federal.

31 de março: nada a celebrar, por Samia Bomfim


Há 43 anos, Vladimir Herzog foi torturado e morto pela
ditadura militar brasileira. (FOTO/Mirante Lab).
Hoje completam-se 55 anos do início do golpe, quando os militares retiraram um governo legítimo do poder e deram início a uma ditadura sangrenta, marcada pela perseguição política, pela cassação de parlamentares, de direitos, pelas torturas, assassinatos e desaparecimento de manifestantes e de cidadãos e cidadãs que fizeram parte da oposição ao regime, pelo fechamento do Congresso Nacional e pelo cancelamento das eleições diretas para presidente da República.

Paulo Coelho descreve em artigo como foi torturado: “É isso que Jair Bolsonaro quer celebrar?”


Paulo Coelho. (FOTO/Reprodução).
O escritor Paulo Coelho publicou, nesta semana, artigo no Washington Post onde, por conta do anúncio do presidente Jair Bolsonaro de querer comemorar ‘devidamente’ o golpe de 31 de março, descreve tortura sofrida por ele durante o regime militar.

O escritor conta que, em 28 de maio de 1974, seu apartamento foi invadido por um grupo de homens armados. “Começam a revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock”, diz.

Ditadura dava injeções para secar o leite de mães presas que amamentavam e abusava sexualmente de mulheres


Ditadura dava injeções para secar leite das maçes presas que amamentavam e abusava sexualmente das mulheres.
(FOTO/Reprodução do vídeo).

Mães torturadas com os filhos na barriga ou separadas deles a força ainda no período de amamentação. O Jornal da Record está exibindo a série “As crianças e a tortura. A história de pessoas que nasceram nos porões da ditadura”.

Em momento de debate sobre censura, relembre 10 músicas proibidas pela ditadura militar


Um dos grandes discos da história da música brasileira,
Milagre dos Peixes (1973), de Milton Nascimento).
(FOTO/Reprodução/Hypeness).
Desde que o Brasil existe enquanto país que a censura vigora, em maior ou menor intensidade, no campo cultural ou político, cerceando princípios tão básicos quanto a liberdade de expressão e de opinião. Mesmo após a constituição de 1988, que supostamente garante por princípio tais liberdades, são diversos os casos de censura que passaram por cima de tais determinações constitucionais essenciais, e permitiram que juízes e liminares proibissem expressões, diversas vezes no campo das artes.

A comemoração forçada da ditadura: Anátema


(FOTO/Reprodução).
Anátema é uma palavra grega relacionada a ser maldito, estar separado, desterrado, sem comunicação.

Nos escritos do Novo Testamento da Bíblia, o apóstolo Paulo usa a palavra para se referir a quem se separa, se coloca distante de Jesus Cristo e dos princípios do Evangelho de amor, de paz com justiça, de misericórdia, de despojamento, de inclusão e de tolerância.

Na TV Bandeirantes, Bolsonaro diz que “não houve ditadura, mas alguns probleminhas”


Na TV Bandeiranres, Bolsonaro diz que "não houve
ditadura,mas alguns probleminhas".
(FOTO/Reprodução/CartaCapital)
.
Em entrevista a programa da TV Bandeirantes na tarde desta quarta 27, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que “não houve ditadura no Brasil”, mas “alguns probleminhas”. Para ele, o período tido como um dos mais nefastos da história do país foi, na verdade, um obstáculo para que o Brasil não se tornasse comunista.

Festejar a ditadura merece repúdio social e político, opina MPF


Passeata dos Cem Mil contra Ditadura Militar no Brasil.
(FOTO/Reprodução/Mídia Ninja).
Em nota, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e o Ministério Público Federal (MPF) manifestaram repúdio às declarações de Jair Bolsonaro, que orientavam instituições militares a celebrar o Golpe de 1964, no dia 31 de março.

A nota é assinada por Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Domingos Sávio Dresch da Silveira, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Substituto, Marlon Weichert, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, Eugênia Augusta Gonzaga Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta.

Há um Brasil doente que tem saudade das execuções de opositores na ditadura


Corpo do jornalista Vladimir Herzog pendurado em cela do Exército. Ele foi morte pela ditadura, que tentou forjar um suicídio em 1975. (Foto: Reprodução/ Blog do Sakamoto).

O Brasil lida com o seu passado como se tivesse feito as pazes com o presente. Não, não fez. E o impacto de não resolvermos o que aconteceu durante a última ditadura militar (1964-1985) se faz sentir no dia a dia das periferias das grandes cidades e na porção profunda do interior, com parte do Estado e de seus agentes aterrorizando, reprimindo e torturando parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). Sejam eles agentes em serviço ou fora dele, na forma de milícias urbanas e rurais.

Em nome de uma suposta estabilidade institucional, o passado não resolvido e anistiado permanece como fantasma. Não são apenas as famílias dos mortos e desaparecidos políticos que vivem assombrados pelas verdades não contadas e os crimes não admitidos daquela época. Diariamente, os mais pobres sofrem nas mãos de uma banda podre da polícia que adota métodos refinados na ditadura a fim de garantir a ordem (nas periferias das grandes cidades) e o progresso (na região rural).

Um documento secreto liberado pelo Departamento de Estados norte-americano mostrou que o general Ernesto Geisel aprovou a manutenção de uma política de execuções sumárias de adversários em 1974. O ditador brasileiro, que governou entre aquele ano e 1979, teria orientado João Baptista Figueiredo – então chefe do Serviço Nacional de Informações e que seria seu sucessor – a seguir com os assassinatos que começaram no governo do general Médici. Ou seja, a autorização vinha da cúpula do governo.

Quem percebeu a importância do documento, no qual o governo reconhece executar dissidentes, e o postou nas redes sociais foi Matias Spektor, colunista da Folha, e professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. O memorando é assinado pelo diretor da CIA na época, William Colby, e relata uma reunião com Geisel. É citada a execução sumária de, pelo menos, 104 pessoas.

Contar histórias como a desse documento é fundamental. Os assassinatos sob responsabilidade da ditadura devem ser conhecidos e discutidos nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de nossas crianças e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada. Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente. E, portanto, sua construção – até agora incompleta e imperfeita – deve ser um esforço coletivo. Mesmo enfrentando ações como o do ''Escola Sem Partido'', que tem como consequência equacionar a barbárie com a civilização.

O problema é que, diante da realidade ultrapolarizada do debate público no Brasil, isso parece ser uma tarefa inútil. Pois não adianta mostrar informações como essa para uma parcela da sociedade que defende o retorno da ditadura militar não pelo desconhecimento dos métodos utilizados, mas, pelo contrário, por saudade deles.

Mesmo que não tenha nascido muito após aqueles acontecimentos. Em sites e redes de ultraconservadores, o memorando foi celebrado como um exemplo de algo que deve ser copiado para o futuro e de competência da ditadura em proteger o país. Assim, sem pudor algum.

Essa parcela tem apoiado a candidatura do deputado federal Jair Bolsonaro para a Presidência da República, sonhando que ele traga os ''bons tempos de volta'', botando ordem e acabando com a roubalheira. Ignoram, dessa forma, a farta documentação que mostra a corrupção em estatais e em obras públicas, nos anos militares, ou mesmo o comportamento promíscuo entre empresas privadas e a ditadura.

Vale lembrar que Bolsonaro foi ovacionado nas redes sociais por conta do conteúdo de seu voto pelo impeachment, em abril de 2016, por uma legião de pessoas que cabulava aula de história ou pouco se importa com a dignidade alheia. Após parabenizar o hoje presidiário Eduardo Cunha, homenageou o açougueiro e torturador Carlos Brilhante Ustra – falecido coronel e ex-chefe do DOI-Codi.

Certamente o finado comandante de um dos principais centros de repressão da ditadura não é incensado por seus belos olhos ou pela forma pela qual fazia um guizado de frango ou jogava tranca. Mas por usar a morte como instrumento de controle estatal. Ustra chegou a ser declarado pela Justiça como responsável por casos de tortura e também condenado a pagar indenização por conta da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino.

O conhecimento de História não é um dádiva, mas sim uma maldição. Porque você se torna responsável por dialogar com quem a ignora, por mais impossível que isso pareça ser. Um diálogo que deve ser paciente e não-violento, na esperança de que entendam que a dignidade humana, construção de milhares de anos dessa História, é uma conquista que deve ser defendida a todo o custo.

As Forças Armadas de hoje não são as mesmas do período da última ditadura, da mesma forma que os contextos nacional e internacional são outros. Seus líderes têm, repetidas vezes, confirmado que o comando é e será civil. E o respeito às liberdades individuais e às instituições continuará. De vez em quando, contudo, as declarações estapafúrdias de generais da ativa, mais do que os oficiais de pijama, colocam a pulga atrás da orelha sobre a sinceridade dessa estabilidade.

Os responsáveis pela parte mais sombria da ditadura, seus aliados e seguidores precisam saber que a sua versão da História – de que duas décadas de assassinatos, censura e violência foram necessárias para o bem da coletividade – não vai vingar. Pois não agiram pelo bem do Brasil. Mataram, roubaram e calaram para o bem de si mesmos. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).

Nascido no cárcere da ditadura, Paulo Fonteles Filho escreve carta ao general Mourão


Carta aberta ao general Antonio Hamilton Mourão

Caro general Antonio Mourão, desde sábado (16), é que se multiplicam vossa manifestação nas redes sociais, blogues, sites, portais e afins por conta de tua última palestra, em Brasília, em evento ligado à maçonaria quando, em ameaça velada, falaste abertamente de intervenção militar, como se contasses com o amparo ou chancela de seus companheiros de armas, ou seja, o próprio generalato tupiniquim.

Por Paulo Fonteles Filho, publicado no Viomundo

Na caserna, o tiro saiu pela culatra.

Ao invés de um palavrório decente, apaziguador em momentos de crise democrática – sim, porque a democracia e os direitos do povo foram usurpados por Temer e sua quadrilha – assistimos, atônitos, a antiga cantilena de um militar estreludo, talvez um delfim tardio dos tiranos que ensejaram um golpe militar em 64 e que levaram as forças armadas brasileiras a cometer crimes insidiosos, de lesa-pátria, com torturas, assassinatos, exílios, perseguições, censura e desaparecimentos forçados.

Entre militares decentes deves estar passando vergonha, muita vergonha, general.

Sim, porque quero crer que há militares decentes, gente preocupada com o futuro do país e não somente em fazer verborragia bolsonazi e o discurso do medo, próprio dos fascistas de plantão, ávidos por quarteladas, linchamentos e carne humana violada.

Confesso general, desde ontem estou me remoendo.

O sentimento que nos alcança é de assombro.

Meus amigos, família, pessoas que amo estão intimidadas, sequestradas pelo pavor que tal irresponsabilidade enseja.

Os dias estão muito estranhos e o medo é uma potente arma ideológica, assim foi no Reich de Hitler ou no “Brasil Grande” do Garrastazu.

Sabe general, sou de uma geração de perseguidos políticos.

Meus pais eram estudantes da Universidade de Brasília (UNB), amantes das liberdades, do Chico Buarque e dos Beatles e sem cometer qualquer tipo de crime — a não ser o de opinião — foram presos em outubro de 1971 e submetidos a terríveis torturas, além de condenações pela famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN), dispositivo que transformou o Brasil num purgatório de lobos bem felpudos.

Eu nasci na prisão e tive um irmão gerado no cárcere: o serpentário dizia que “Filho dessa raça não deve nascer” e isso ocorreu dentro das dependências do próprio Ministério do Exército, lugar onde dás expediente como servidor público federal.

Deves saber que no subsolo do teu ganha-pão foi um patíbulo para a infâmia.

Minha mãe, general Mourão, me pariu com 37 quilos, foi cortada e costurada sem anestesia e não disse um ai.

Depois de nascido — entre as feras do PIC — fui sequestrado porque não haviam algemas para os meus pulsos de recém-nascido.

Imagina que um bebê de poucos dias era considerado inimigo do status quo, aliás, muitas crianças assim foram tratadas pelo regime do terror.

Talvez a Hecilda, minha mãe, atual professora da UFPa, tenha sido a única mulher a ter tido dois filhos na prisão, sob peia.

Meu pai foi morto em 1987 e seu assassinato foi organizado por um ex-agente da comunidade de informações, James Vita Lopes.

Paulo Fonteles, pai amoroso de cinco filhos, era advogado e defendia posseiros no Araguaia.

O que o Brasil precisa general, com urgência, é a reconstrução da democracia, um judiciário independente, uma mídia imparcial, um parlamento sensível aos interesses da maioria na forma do respeito ao voto popular, de mais direitos, de Estado Democrático e respeito à soberania nacional, além de uma forte cruzada contra a ignorância, a corrupção, o racismo, a misoginia e a homofobia.

O fascismo levará o país à convulsão, além das vidas de uma geração que tem a responsabilidade com a felicidade coletiva.

É muito doloroso falar sobre isso general Antonio Mourão e lembrar que muitos foram mortos pela histeria malsã que repetes, como um ventríloquo de satanás.

Mas minha tarefa também é a lembrança de que os tumbeiros que mancharam nosso solo de vergonhas, como na escravidão ou na ditadura militar de 64, jamais poderão ficar impunes.

Tenho pena de ti general, estás num quarto escuro e sem janelas, vitima da própria bílis que lanças no ar.


#DitaduraNuncaMais


Em carta aberta, Ernestinho dá uma aula de História ao Zezé de Camargo


Caro Mirosmar, mais conhecido como Zezé de Camargo,

Acordei hoje e de cara recebi com tristeza sua entrevista, onde o senhor afirma que não houve Ditadura no Brasil e sim uma liberdade vigiada. Deixe-me lhe contar uma história.

Meu pai, assim como você e milhões de brasileiras e brasileiros, veio pra São Paulo atrás de uma vida melhor, também vindo do interior do país, no caso do meu pai e seus quatro irmãos e uma irmã saíram de Muriaé-MG, nos anos 50, todos com idade abaixo de 15 anos.

Também trabalharam na roça pra ajudar no sustento da família (ouvi dizer que também foi seu caso), ao chegar a São Paulo, período ainda da industrialização, passaram a trabalhar no pesado, meu pai Devanir trabalhava como louco de dia e à noite fazia curso para se tornar torneiro mecânico, meus tios Jairo e Joel, gráficos, e o Daniel e Derly, metalúrgicos.

A história deles se confunde com a sua e a de milhões de retirantes até aqui, só até aqui.

Diferentemente de você todos eles passaram a se indignar com o sofrimento vivido pela grande maioria de seus semelhantes, em condições de extrema pobreza causada pela enorme desigualdade social, imposta por uma política escravagista, excludente, elitista e cruel.

No início dos anos 60, todos eles já estavam comprometidos com a construção de uma resistência constitucional via sindicatos de classe, movimentos sociais e partidos políticos — assim como deve ser num estado democrático.

A eleição de 1960 levou à presidência pelo voto direto o Sr. Jânio Quadros e seu Vice João Goulart.

Com a renúncia de Jânio (forças ocultas, lembra?), João Goulart assumiria a presidência em 1961, propondo as reformas de base, Educacional, Política, Agrária e Fiscal, que atenderiam às demandas da população mais vulnerável e desprotegida economicamente.

Por essa razão, unicamente por ela, setores da elite econômica se aliaram aos militares — digo, alguns setores do Exército brasileiro — e passaram a conspirar para que o Vice-Presidente não assumisse o cargo.

Entre 1961 e 31 de Março de 1964, o que se viu no país foi uma sequencia de um jogo antidemocrático, criando uma tensão política insustentável.

Na noite de 31 de Março de 64, tiraram nosso presidente à força do cargo.

A partir daí, para manter o status quo, os militares implementaram uma das mais sanguinárias ditaduras do mundo, caro Zezé.

Perseguiram e mataram seus opositores políticos — como o Deputado Rubens Paiva, preso e morto nos porões da Ditadura — jornalistas como Wladimir Herzog, preso e morto nos porões da ditadura, artistas presos, torturados, banidos do país e muitos assassinados, também nos porões da Ditadura.

Muita gente, mas muita mesmo, de diversos setores da sociedade, resistiu à violência do estado, muitos camponeses assim como meu pai e tios, também resistiram, diferentemente de você, que virou as costas aos seus contemporâneos, à sua gente simples, da roça, que carrega em seus semblantes a pele marcada pelo sol forte do trabalho duro do campo.

Essa gente nunca se esqueceu das belas paisagens do campo, da simplicidade do interior, da solidariedade dos vizinhos, da confiança entre homens e mulheres.

Acima de tudo, eles nunca perderam a dignidade.

Meu pai Devanir José de Carvalho foi preso e torturado até a morte em 5 de Abril de 1971, aos 28 anos; minha mãe foi presa e banida do país aos 25 anos; meu tio Jairo José de Carvalho, preso, torturado e banido do país aos dezessete anos; meu tio Derly José de Carvalho, preso, torturado e banido do país aos 30 anos; meu tio Daniel José de Carvalho capturado aos 26 anos, nunca encontramos seu corpo; meu tio Joel José de Carvalho capturado aos 25 anos, nunca encontramos seu corpo; eu, aos três anos de idade, sai do Brasil clandestinamente com minha mãe, vagando por vários países, fugindo de outras ditaduras e do pavor de sermos capturados pelos senhores que “vigiavam” a sociedade brasileira.

Desculpe, caro Mirosmar, a Ditadura existiu, e foi uma das mais sanguinárias da história recente da humanidade.

Ernesto José de Carvalho

11 de Setembro 2017

Salve Allende!


Por Ernesto José de Carvalho, o Ernestinho, no Viomundo


Quando a Rede Globo irá reparar o país pelo seu apoio à ditadura militar?



Um dos dirigentes da montadora alemã Volkswagen se reuniu recentemente com o Ministério Público Federal em São Paulo para negociar uma reparação judicial ao país e ao povo brasileiro pelo fato da empresa ter participado ativamente no golpe de Estado que culminou em mais de 20 anos de ditadura militar no Brasil e as milhares de torturas e mortes de perseguidos políticos que decorreram desse ato.

As acusações são frutos do relatório da CNV – Comissão Nacional da Verdade, tendo como base os inúmeros depoimentos e documentos reunidos através das Centrais Sindicais, Associações, pesquisadores e por próprios ex-funcionários da matriz brasileira que foram vítimas das atrocidades cometidas pelo regime militar. Segundo informações, existem fortes indícios de que a fábrica da Volkswagen foi utilizada para a prática de interrogatórios e torturas pelos militares.


A voz da Ditadura.
Trata-se da primeira empresa que teve estreitos vínculos com o regime ditatorial a assumir a sua participação e buscar de forma concreta, se não quitar sua dívida histórica, pelo menos tentar contribuir para que algo dessa natureza jamais volte a acontecer no país. Uma das propostas que estão em análise seria construir um memorial em conjunto com outras instituições para que aquele período não seja esquecido pelas gerações futuras. Outra proposta seria uma cobrança financeira a ser depositado no Fundo de Interesses Difusos.

É um passo extremamente importante para a responsabilização das corporações que de uma forma ou de outra contribuíram para a época mais obscura dessa nação. Com essa atitude a Volkswagen, que já se encontra às voltas com mais um escândalo internacional, tenta demonstrar um mínimo de dignidade para com os cidadãos brasileiros e para com a democracia, que entre tantos percalços, ainda estamos tentando fortalecer e consolidar não só no Brasil, mas como em toda a América Latina.

O problema é que ainda é pouco, muito pouco. Várias foram as empresas nacionais e multinacionais dos mais variados ramos de atividade que apoiaram o regime ditatorial brasileiro e que em troca de seu apoio, conseguiram fazer fortuna às custas de vidas de milhares de inocentes, da dor de seus familiares e da suspensão dos direitos civis de toda uma nação. É imprescindível que cada uma delas também seja responsabilizada e pague, da melhor forma possível, pelo terrível mal que fizeram motivados pela mais pura ganância.

A Rede Globo de Comunicações é um caso à parte em toda essa história e uma das mais notórias empresas da velha mídia nacional a alavancar os seus negócios e a tirar bastante proveito da interrupção na democracia brasileira. É bem verdade que não foi a única do ramo jornalístico. Os barões da mídia familiar nacional, sem exceção, se viram diante de uma grande oportunidade de negócio para os seus empreendimentos. Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, todos tiraram a sua parcela no acordo preestabelecido.

Mas nada foi tão escandaloso quanto a nossa velha conhecida Rede Globo. O absurdo de sua atuação na ditadura militar foi tão gritante que a própria empresa resolveu fazer, em 2013, uma meia culpa, muito aquém do necessário, pelo seu apoio aos generais. No documento intitulado “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”, as organizações Globo afirmaram, entre outras coisas que, “à luz da história, o apoio se constituiu um equívoco”.

Não. Definitivamente não estamos tratando de um simples “equívoco”. Nem mesmo de um “erro” despropositado. Se tinha uma coisa que Roberto Marinho, o então presidente das Organizações Globo, não era, é ser uma pessoa “equivocada”. Mal-intencionada com certeza, mas nunca equivocada. Até hoje a poderosa Rede Globo e todo o seu império construído em muita parte sobre o sangue de brasileiros tombados na ditadura militar, mede meticulasamente os seus passos para conseguirem tudo o que lhes convém. Os custos que os seus interesses podem ter para o Brasil não é e nunca foi exatamente a sua principal preocupação. Não foi na Ditadura e não é agora.

É incrível que uma empresa com tamanho histórico de desserviços ao país, inclusive com práticas criminosas de sonegação fiscal, jamais tenha sido cobrada pela sua postura anti-ética e anti-democrática. Pelo contrário, continua livremente fazendo uso das mais escancaradas formas de manipular a opinião pública para que a democracia brasileira mais uma vez esteja subjugada aos seus interesses econômicos e financeiros, tal qual fizeram ao estampar nas páginas de O Globo, em 02 de Abril de 1964, um dia após a instalação do golpe, o seu nefasto editorial onde proclamava cinicamente o “ressurgimento da democracia”. Segue um trecho:

Vive a nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opiniões sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.”.

Sabemos os “dias gloriosos” que se seguiram a partir daí. O mais incrível é que novamente a Rede Globo tenta desestabilizar um governo democraticamente eleito para que seus interesses particulares sejam mais uma vez atendidos. Sob o mesmo discurso de “Governo irresponsável”, os Marinhos, eles sim, tentam arrastar o país para o que consideram sua “vocação e tradições”, ou seja, a subserviência ao capital internacional, a desigualdade social em níveis alarmantes e a concentração de toda a renda nacional nas mãos de uns poucos privilegiados.

Já está mais do que na hora das Organizações Globo pagarem pelos crimes de lesa-pátria que cometeram e continuam a cometer no Brasil. É simplesmente inadmissível que uma empresa que se ancora numa concessão pública, atente contra os interesses nacionais, contra a soberania de uma nação e contra a vontade declarada e irrestrita da maioria dos brasileiros sem sequer ser incomodada. Já está mais do que na hora do Governo brasileiro e principalmente os cidadãos brasileiros dizerem em alto e bom som às Organizações Globo, que não iremos mais admitir as suas interferências no processo democrático e no futuro da nação.

E a primeira coisa a fazer é cobrar-lhes um alto preço pelo seu apoio à ditadura militar.