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‘Pantera Negra: Wakanda Para Sempre’ exalta a força e o poder feminino

 

Foto: Divulgação/ Marvel.

Com uma história tocante sobre como superar o luto através da luta, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (10) o filme ‘Pantera Negra: Wakanda Para Sempre’.

A expectativa para o filme era grande, já que a morte de Chadwick Boseman, que faleceu aos 43 anos vítima de um câncer colorretal, pegou a todos de surpresa em 2020. O ator nunca havia declarado publicamente a sua luta contra a doença.

Com a decisão da Marvel de não substituir o ator principal, o filme explora como o reino de Wakanda lida com a partida de seu líder. Com isso, o filme também presta uma grande homenagem ao legado de Boseman.

O primeiro filme da franquia bateu recordes de bilheterias, com a arrecadação de 1,3 bilhão de dólares, e trouxe para as telas a representatividade tão esperada pelos fãs do primeiro herói negro no universo da MCU (‘Universo Cinematográfico da Marvel’, em tradução livre).

Agora sem a estrela principal, a direção de Ryan Coogler com o roteiro de Joe Robert Cole, acerta ao trazer as personagens de Angela Bassett (rainha Ramonda) e Letitia Wright (Shuri) aos papéis principais.

A gente tem que destacar o protagonismo das mulheres do filme. São elas que estão no centro da história”, diz Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça de Geledés.

Além das personagens já conhecidas pelo público, a trama apresenta Riri Williams, a ‘Coração de Ferro’. No longa, ela é uma jovem cientista que cria uma máquina capaz de captar o vibranium, poderoso minério que todos acreditavam existir apenas em Wakanda. É a partir desta descoberta que a história se desenvolve.

O filme equilibra bem as cenas de ação e os diálogos de comédia. Mas aqui, o foco principal é mostrar a importância dos laços afetivos para enfrentar as adversidades.

O amor na sua forma mais simples é muito importante e é disso que o filme trata. A gente vem vivendo momentos muito difíceis em relação a todo o cenário, não apenas brasileiro, então acho importante que esse tema seja uma referência para as pessoas negras”, reflete Suelen Girotte, coordenadora do Centro de Documentação de Geledés.

O personagem Namor, interpretado por Tenoch Huerta, se destaca ao trazer um anti-herói humanizado que tenta proteger o seu povo da escravidão e exploração dos colonizadores.

No entanto, o maior trunfo do filme que foi aplaudido e levou a plateia às lágrimas aconteceu na cena pós-créditos. O filme resgata a emoção do princípio da narrativa ao frisar que o legado de Boseman e do Pantera Negra seguem vivos. Para sempre.

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Com informações do Geledés.

Professor de História lança eBook sobre as tradições africanas milenares presentes no filme Pantera Negra


Professor de História lança eBook sobre tradições africanas milenares
presentes no filme Pantera Negra. (FOTO/Reprodução/Mundo Negro).

Quantas vezes você assistiu o filme Pantera Negra? Eu pelo menos umas cinco vezes, duas no cinema. O meu encantamento pelo filme passa longe das questões dos efeitos especiais do Estúdio Marvel. A beleza e os mistérios de Wakanda foi o que me fez amar o longa premiado do diretor Ryan Coogler.

Estrela de ‘Pantera Negra’ vai lutar pela igualdade de gênero na ONU


O poder das mulheres negras pela equidade de gênero / Foto: Reprodução - Hypeness.

Se você sentiu saudades da General Okoye, pode se acalmar. A Organização das Nações Unidas acaba de anunciar que a atriz e dramaturga Danai Gurira, umas das estrelas de Pantera Negra, será embaixadora da Boa Vontade da ONU Mulheres.

A norte-americana terá como missão principal dar apoio e visibilidade ao trabalho das Nações Uniidas em prol da igualdade entre homens e mulheres. A estrela de outro sucesso, Vingadores: Guerra Infinita, recebeu o título honorário da ONU em lugar mais que especial.

Gurira foi oficializada no cargo durante o Festival Global Citizen Mandela 100, que aconteceu em Joanesburgo, na África do Sul. Antes do anúncio da nomeação, Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora-executiva da ONU Mulheres, reconheceu a importância da atriz para a equidade de gênero.

Como autora, artista e ativista em busca do empoderamento feminino e da igualdade de gênero, com seu olhar aguçado para os direitos humanos, ela está unicamente qualificada para comunicar e inspirar”.

Danai Gurira não poderia estar mais feliz com a notícia. Durante a cerimônia na África do Sul, local marcado pela expressividade da luta de Nelson Mandela, ela explicou como o amor feminino se reflete na sua obra.

Minha paixão pelas mulheres e meninas (sempre) foi o foco das narrativas que eu crio, bem como dos papeis que consegui interpretar. Sempre busquei romper os limites e contar as histórias daqueles que são frequentemente marginalizados e ignorados. Estou muito feliz em me unir à ONU Mulheres para amplificar muitas outras histórias de todo o mundo e para dar voz aos que estão trabalhando incansavelmente para tornar a igualdade de gênero uma realidade.”, declarou a atriz, de origem norte-americana e zimbabuense.

A consagração de um dos destaques de Pantera Negra como embaixadora da Boa Vontade aconteceu em meio às atividades da ONU para os 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres. O tema deste ano é #MeEsctueTambém, com enfoque na solidariedade e inclusão de sobreviventes de agressões.

Ainda na África do Sul, Guirra e Mlambo-Ngcuka vão se reunir com mais de 200 jovens mulheres negras da Academia Africana de Liderança para debater desafios e experiências das ativistas na instituição.

É do Brasil

Quem também deu passo importante na trajetória foi Marta. A jogadora de futebol é mais uma das embaixadoras da Boa Vontade pela ONU Mulheres.

Marta, atualmente com 32 anos, vai dedicar seus esforços para incentivar a luta pela igualdade de gênero e empoderamento em todo mundo. A ideia é inspirar mulheres e meninas a romper estereótipos para que elas consigam seguir em busca de seus sonhos. Inclusive no esporte.

Garantir que mulheres e meninas em todo o mundo tenham as mesmas oportunidades que homens e meninos têm para realizar seu potencial. Eu sei, a partir da minha experiência de vida, que o esporte é uma ferramenta fantástica para o empoderamento”, declarou a atleta. (Com informações do Hypeness).

Historiadora lista as influências da cultura africana em Pantera Negra


(Foto: Reprodução/ Amigos do Forum).

Pantera Negra, o mais importante filme feito pela Marvel, segue quebrando tudo nos cinemas, com quase US$ 500 milhões arrecadados mundialmente em menos de uma semana. E se você ficou maravilhado com tanta diversidade e cores, uma historiadora somali chamada Waris Duale resolveu detalhar todas as influências da cultura africana no figurino, maquiagem e cabelo de Pantera Negra.  A informação é do site Amigos do Fórum.

Waris fez uma thread no twitter. Aqui você pode acompanhar as postagens originais.


 A fanpage “Um Filme Me Disse” traduziu os tuites.:




Os pratos de lábios das tribos Mursi e Surma. Os pratos ou discos de lábios são uma forma de modificação cerimonial do corpo. Enquanto muitas culturas os usam, eles são mais conhecidos pelas tribos Surma e Mursi na Etiópia.


Chapéu Zulu. A rainha Ramonda usa uma touca distinta. É uma lembrança dos chapéus Zulu ou "Isicholos". Os chapéus Zulu são tradicionalmente usados por mulheres casadas para celebrações cerimoniais.


Muitos dos trajes têm ornamentação única e futurista, cheios de detalhes. Estes foram feitos homenageando estilos do povo Maasai. O povo Maasai da África Oriental vive no sul do Quênia e norte da Tanzânia.



Máscara Ibo. Em uma cena, Erik Killmonger usa uma máscara. As máscaras, conhecidas como Mgbedike, são distinguidas pelo tamanho grande e traços masculinos realçados. Elas são usados nos rituais dos Igbos e são projetadas para contrastar com as dançarinas mulheres, que levam traços mais femininos.





Anéis de pescoço dos Ndebele. Shuri e a Dora Milaje têm roupas com um colar proeminente. O povo Ndebele do Zimbábue e da África do Sul usam anéis de pescoço como parte de sua vestimenta tradicional e como um sinal de riqueza e status.




Muitos dos trajes têm um tom de terra vermelho distinto. Isto foi feito estudando as cores usadas pelo povo Himba do noroeste da Namíbia. O povo de Himba é conhecido por aplicar uma pasta ocre vermelha, conhecida como "otjize", para sua pele e cabelo.




Forest Whitaker interpreta Shaman Zuri, o líder espiritual de Wakanda. Ele usa mantos ornamentais conhecidos como Agbada. Este é um dos nomes do manto de manga larga usado por homens e mulheres em grande parte da África Ocidental e no Norte da África.




Houve muita inspiração do povo Dogon. Eles vivem na região do planalto central do Mali, na África Ocidental.




Lenço do povo Tuareg. Vários personagens do filme usam lenços grandes cobrindo suas cabeças e rostos. Estes são semelhantes aos usados pelo povo Tuareg, que habita uma área no Norte e no Oeste da África.




Outra tribo que inspirou o filme foi a do povo Turkana, que habita o território do Quênia.




As marcas tribais ritualísticas de Michael B. Jordan, em seu peito e torso, assemelham-se a cicatrizes de tatuagens das tribos Mursi e Surma na Etiópia.




O cachecol Kente de T’Challa. Kente é um tipo de tecido de seda e algodão feito de tiras de pano entrelaçados e é nativo do povo de Akan, de Gana.




Essas são as mulheres negras que passaram meses pesquisando e fazendo Wakanda ganhar vida. Ruth Carter, figurinista, e Hannah Beachler, designer de produção.

O filme Pantera Negra e a questão da ancestralidade africana



Pela primeira vez um filme norte-americano coloca o tema da ancestralidade africana no contexto de discussão crítica ao colonialismo e de roubo e exploração das riquezas do solo africano. Dirigido por Ryan Coolger, um jovem negro formado pela Universidade da Califórnia, o filme Pantera Negra estreia no cinema brasileiro produzindo entusiasmo e contentamento entre ativistas negros(as) de diferentes matizes ideológicas, não apenas por apresentar referências positivas de identidade negra, mas também por colocar o continente africano fora da lógica da pobreza e do subdesenvolvimento estruturais. É importante destacar que Pantera negra também se coloca em uma perspectiva de resposta para uma indústria cinematográfica que tem sido contestada pelo seu racismo e machismo nas principais premiações, que ano após ano sequer indicavam negros aos prêmios.

Ao vincular altíssimo desenvolvimento tecnológico com rituais e saberes tradicionais, evidenciando o poder das mulheres no reino fictício de Wakanda, o diretor coloca em discussão não apenas a relação entre magia e tecnologia, como substrato de subordinação e exploração do mundo capitalista, mas como expressão de afirmação de alteridade e poder que se desenvolvem de forma autônoma e solidária. Neste contexto, o protagonismo e o poder feminino trazem à tona as sociedades matriarcais africanas, revelando a capacidade, a força e autonomia na gestão da vida e também o compromisso com interesses do bem-estar coletivo. Com um exército totalmente composto por mulheres, Wakanda revela o lugar de estrategista, defesa, resistência e de lealdade ocupado por muitas mulheres em sociedades matrilineares e matriarcais africanas.

Enquanto o mundo capitalista, usurpador das riquezas minerais africanas continua olhando a África como um lugar de muita miséria, magia e superstição, o reino de Wakanda se desenvolve em termos de relações políticas, étnicas e produção de riqueza, a partir de sua base material e espiritual. Todo o desenvolvimento se dá em razão de uma busca inteligente e respeitosa das forças que emanam dos reinos minerais, animal e vegetal.

Em torno do vibranium, um mineral raro e fictício; da pantera negra, um animal que representa um clã ancestral; e da erva do coração, um vegetal que permite o acesso ao mundo ancestral; o reino de Wakanda recoloca novos e velhos sentidos e significados de ritual e ancestralidade para pesquisadores, ativistas e religiosos envolvidos com a África e suas diásporas.  Em razão de sua complexidade e dos interesses que estão em jogo e em disputa no mundo capitalista, aqui vou deixar de lado duas questões fundamentais colocadas no filme: 1- a discussão e a forma de exploração de metais raros e preciosos no subsolo africano; 2- o debate sobre a necessidade de transferência tecnológica para que os africanos se apropriem de suas riquezas. Seguindo uma linha de argumento possibilitada pelo trabalho do diretor, tomo a direção do diálogo com as forças do mundo ancestral, cuja mediação se dá por meio de ritual.

Embora a Pantera como representação de divindade ancestral seja praticamente desconhecida da maioria dos adeptos das religiões brasileiras de matrizes africanas, não se pode negar sua existência e seu culto no candomblé Jêje, através do vodun Kpòsú. O seu desconhecimento decorre tanto da predominância dos estudos e da difusão da tradição ioruba quanto da diminuição e dificuldade de expansão do candomblé Jêje. Na tradição do candomblé Jêje, Kpòsú é um vodun de luta, poder e força que funda o clã filhos da pantera. No filme, a pantera negra é a divindade ancestral que além de ter permitido o acesso e o conhecimento sobre os poderes do vibranium, utilizado inclusive para curar ferimentos mortais, também indicou a necessidade do cultivo da erva do coração, cujo preparo e administração por meio ritual permite o acesso a verdades existentes no mundo ancestral.

Do ponto de vista religioso, na perspectiva das religiões tradicionais, a erva do coração da Pantera Negra relativiza o poder do sacerdote e das sacerdotisas como responsáveis pela manutenção de uma tradição e coloca no sujeito do culto a responsabilidade de acessar, pelo coração, as verdades do mundo ancestral. Não há em Wakanda um sacerdote ou uma sacerdotisa responsável por um oráculo que determine o caminho a seguir. Esse tipo de determinação, por um lado, pertence ao campo da pesquisa científica e tecnológica e, por outro lado, ao conselho de anciãos, lideranças políticas e militares. O acesso ao mundo ancestral através de rituais tradicionais se faz necessário toda vez que um novo rei se torna responsável pela condução dos destinos do povo. Neste momento, entra em cena o trabalho de sacerdotes e sacerdotisas, como responsáveis em preparar e proporcionar a experiência.

O filme mostra que o ritual realizado com erva do coração, embora permita o acesso a verdades que estão guardadas no mundo ancestral, não tem poder de mudar escolhas e condutas dos sujeitos. Aliás, o acatamento e a vivência do ritual dependem do efetivo compromisso em preservar uma tradição em seu significado mais amplo, como lócus de autoconhecimento e cura de traumas e paranoias.  O acesso ao sagrado ancestral se dá pelo uso ritual da erva do coração. Isto não é uma metáfora cinematográfica, mas uma verdade religiosa que deveria fazer sentido para todas as pessoas que racionalizam a experiência religiosa individual, sobretudo para desqualificar e rejeitar a experiência do outro.  Essa perspectiva se inscreve no bojo da filosofia de Blaise Pascal(1623-1662) para quem  É o coração que sente Deus, e não a razão.”

O filme apresenta experiências rituais de dois reis que assumem o trono de Wakanda. O primeiro conhece bem e valoriza o sentido do ritual, o segundo rei se submete ao ritual; porém, por não aceitar aquilo que acessa como verdade, manda destruir a sua base de realização. A tentativa de destruir o ritual e a plantação da erva do coração é protagonizada por um descendente direto da família real de Wakanda, um príncipe abandonado pelo tio que matou o próprio irmão. Trata-se Erik Killmonger, personagem vivida pelo ator Michael Bakari Jordan, que consegue chegar ao reino de Wakanda, após estudar muito e fazer parte do grupo de elite da espionagem norte-americana. Seu instinto de vingança por ter sido abandonado pela família e seu conhecimento das relações de opressão capitalista e dominação colonial fizeram dele não apenas um estrategista de guerra de destruição, mas também alguém obstinado por um projeto de poder que além de não transigir com saberes tradicionais, pretende assumir a mesma lógica do opressor.  Ao acessar a verdade de sua história através do ritual, Killmonger retorna indignado, porque descobre que o pai também sofre a experiência do abandono,  não se encontra em um lugar de honra no mundo dos ancestrais. Afinal ele traiu seu povo repassando o segredo e os poderes do metal precioso. Após ser informado que a tradição estabelece a obrigatoriedade de passagem por aquele ritual aos sucessores do trono de Wakanda, ele ordena a destruição da plantação da erva do coração.

Como o antagonista ao projeto político e humanitário de Wakanda, Killmonger nos apresenta como um corpo pode ser apropriado e totalmente desumanizado pelo racismo e pela violência do Estado. É o personagem que coloca o dilema da representação identitária negra atrelada ao desconhecimento absoluto da história ancestral. Que reflete o vazio que o povo negro carrega por tudo o que o ocidente tomou e todo o desenvolvimento social tecnológico que nunca lhe foi creditado.

Para concluir, é importante ressaltar o tipo de tratamento dado pelo sistema escravista, a opressão colonial e capitalista aos saberes tradicionais dos africanos, como expressão de atraso cultural e político e de entrave ao desenvolvimento científico e econômico. Embora Killmonger releve em seu posicionamento uma crítica política ao colonialismo e também a dominação capitalista, a sua formação reflete as cisões produzidas pelo positivismo científico, que é o sustentáculo da razão instrumental.  Essa razão, além de ter contribuído para o desaparecimento de vários sistemas de crença e de saberes no solo africano, continua reverberando no campo educacional, impedindo a afirmação de referências positivas de identidades africanas. Diante disso, ativistas negros(as) têm muito a comemorar tanto do ponto de vista político-científico quanto do ponto de vista religioso: a ficção mostra um ancestral africano divinizado (kposu = Pantera homem) que legou ao seu povo força, coragem e sabedoria para erguer um reino com valores diferentes da ordem capitalista mundial. Wakanda enche os olhos e emociona, porque é a afirmação da unidade africana que não ficou restrita apenas à esfera da representação cultural! Wakanda forever!  (Por Erisvaldo Pereira dos Santos[1], no Portal Geledés).
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[1] Black Panter – 2018, 2h15,   Diretor: Ryan Coolger, Marvel Studios.

[2] Doutor em Educação pela UFMG, professor Associado da Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP e Babalorixá no Ilê Axé Ogunfunmilayo em Contagem-MG  Agradecimentos especiais para Elisa Belém e Iris Pacheco pelas contribuições dadas a este texto.

** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.



Conheça a professora Angela Davis – A Pantera Negra



Angela Davis é uma mulher muito digna, e também muito bonita, uma mulher de 70 anos. É professora de filosofia na Universidade de Santa Cruz, que fica entre São Francisco e Monterey, na Califórnia. Está tranquila. Ensina a seus estudantes as teorias de Karl Marx, Herbert Marcuse, Mikhail Bakunin. Quando substituímos o penteado comportado de hoje pelo black power, que se parece com uma formidável auréola negra no meio da qual estava encaixado um rosto bastante puro, então lembramo-nos de seu nome. Essa professora já idosa de Santa Cruz chama-se Angela Davis. Há 40 anos, ela foi uma das pessoas mais célebres do mundo. Uma das mais detestadas. Uma das mais admiradas.

Ela adotou o penteado dos rebelados no Quênia e fez do penteado Afro um simbolo do orgulho negro. Foto: Melloul/Corbis/Latinstock.
Deus ou Diabo

O mundo se dilacerava em torno de Angela. Em Paris, 100 mil pessoas desfilavam na rua gritando seu nome, atrás de Jean-Paul Sartre e do poeta Louis Aragon. Na Inglaterra, os Beatles e os Stones entusiasmavam as multidões cantando "a pantera negra". Na mesma época, nos Estados Unidos, o presidente Richard Nixon a amaldiçoava. Ronald Reagan, governador da Califórnia, tentou expulsá-la para sempre de qualquer universidade do estado. O chefe do FBI, Edgar J. Hoover, lançava suas tropas para caçá-la e jogá-la em uma prisão de isolamento absoluto. Essa era Angela Davis: um Diabo ou um Bom Deus. Hoje, quase meio século depois, ela não renegou nada. Está intacta.

Ela nasceu em 1944, em Birmingham, no Alabama. Não é um bom lugar para nascer quando se é negra. A América daquela época, pelo menos o sul, odiava os negros: rixas, linchamentos, Ku Klux Klan. Os pais de Angela faziam parte da pequena burguesia - o pai era professor de história na escola secundária, mas recebia tão pouco que pediu demissão para abrir um posto de gasolina; a mãe ensinava na escola primária. Eram comunistas. Moravam no bairro de Dynamite Hill. Por que esse nome? Os brancos não aceitavam que negros se instalassem próximos a eles. De tempos em tempos, as casas explodiam.

Aos 12 anos, Angela participa do boicote a um ônibus que praticava segregação. Dois anos mais tarde, graças a uma bolsa, ela vai para Nova York e continua seus estudos em um liceu de esquerda chamado Little Red School House. A moça é brilhante. Radicaliza-se. Entra na Universidade de San Diego, na Califórnia, e ali começa a militar contra a Guerra do Vietnã. Primeira prisão.

Mas é um pouco solitária. Mesmo nos movimentos negros não encontra seu lugar. Eram duas as tendências dominantes: uns sonhavam com revoltas negras hiperviolentas, como as de Watts ou as de Detroit. Do outro lado, Martin Luther King, personagem suave e brilhante, preferia "o integracionismo". Angela rejeita as duas posições. A única saída que ela vê é o marxismo, a luta política cujo horizonte apenas o socialismo ilumina. Mas a maioria de seus amigos negros rejeita o marxismo, tido como "doutrina de homem branco". Além do mais, ainda que Angela Davis seja marxista, ela não deseja aderir ao comunismo oficial.


Black Panther

Finalmente, ela adere ao Black Panther Party, organização revolucionária que rejeita tanto o integracionismo quanto o separatismo. Criado em 1966 por Bobby Seale e Huey P. Newton, dois estudantes de Oakland, era para ser pacífico. No início, se chamavam de "os pombos". Mas o pombo, delicado e arrulhador, não estava dando certo. Influenciados por outro líder negro ilustre, Malcolm X, eles endurecem. Para responder com violência à violência dos brancos, adotam o símbolo da pantera negra.


Caçada

Em 1970, um pantera negra perigoso, George Jackson, estava encarcerado na prisão Soledad, na Califórnia, onde formava, com dois outros detentos, os "Irmãos de Soledad". Eram acusados de matar um guarda penitenciário branco em retaliação à execução de outros três detentos negros. Em agosto daquele ano, na alegada luta para denunciar os maus-tratos a negros nos presídios americanos, o irmão de 17 anos de George, Jonathan, invadiu o tribunal de Marin County e tomou o juiz Harold Haley como refém. Há luta. Quatro são mortos, inclusive Jackson e Haley. A polícia examina a arma. O relatório acusa: o fuzil de cano cortado cuja bala atingiu a cabeça do juiz pertencia a Angela Davis.

Estupor. O diretor do FBI, Edgar Hoover, lança seus exércitos à procura de Angela e a inscreve na lista das dez pessoas mais procuradas nos Estados Unidos, a famosa Lost Wanted List. Ela foge. Por quê? "Teria sido morta", diz ela hoje. Hoover manda prender centenas de mulheres que se parecem com ela. Sua foto está em todo lugar com a seguinte legenda de western: Armada e perigosa. Ela se disfarça. A polícia revista as comunidades negras. No sul do país, milhares de casas mostram este cartaz: Angela, nossa irmã, você é bem-vinda nesta casa. Mas o FBI tem mãos de ferro. Angela é presa em outubro em Nova York.


Reclusão

No exterior, um enorme movimento se ergue em seu favor, com as pessoas nas ruas. O poeta surrealista Jacques Prévert publica um texto belo com um choro: Angela em sua prisão escuta sem poder ouvi-las, e talvez sorrindo, as canções de seus irmãos de fé, de riso e de dor, e os refrões engraçados das crianças do gueto. Aqueles que enclausuram os outros sentem o enclausurado. Aqueles que estão enclausurados sentem a liberdade. (...) É preciso libertar Angela - enquanto não chega o dia em que serão condenadas todas as portas atrás das quais a vida negra está enclausurada.

Em Londres, Mick Jagger e Keith Richards cantam: Tem um doce anjo negro /Tem uma pin-up,/ Tem um doce anjo negro,/ Pregado na minha parede/ Bem, ela não é nenhuma cantora, ela não é nenhuma estrela/ Mas com certeza ela fala bem, com certeza ela se move rápido/ Mas essa garota está em perigo, ela está acorrentada (...) Não existe ninguém para libertá-la?/ Libertem a doce escrava negra/ Libertem a doce escrava negra.

Em Londres, outro canto é retomado por milhares de vozes. Este foi escrito por Yoko Ono: Irmã, você ainda é a professora do povo,/ Irmã, sua palavra chega longe/ Irmã, existem um milhão de raças diferentes,/ Mas todos nós dividiremos o mesmo futuro no mundo./ Eles te deram a luz do sol,/ Te deram o mar/ Te deram tudo menos a chave desta prisão,/ Sim, te deram café,/ Te deram chá/ Eles te deram tudo menos a igualdade.


Black is beautiful

Enquanto as multidões do mundo gritam seu nome, Angela permanece presa, em isolamento absoluto, durante 16 meses. "Eles queriam me quebrar, ela diria mais tarde. Me enlouquecer. Eu escrevi, refleti. Aprendi ioga nos livros. Vivi momentos muito duros, de angústia, de claustrofobia. E momentos de graça. Eu não podia desabar." Em 5 de janeiro de 1971, ela é acusada de assassinato, sequestro e conspiração pelo caso Marin County. Em 1972, é absolvida e, mais livre que nunca, se torna uma celebridade mundial. Em toda parte, aparece a longa silhueta da combatente, seu rosto de porcelana, a imensa cabeleira afro. Black is beautiful.

Às vezes imaginamos que Angela inventou esse penteado. Nada disso. O penteado afro lhe foi dado pela história. Ele vem das colônias italianas do Quênia, quando os negros rebelados rejeitam o cabelo liso europeu e criam o estilo afro, que, mais tarde, dará a volta ao mundo como um símbolo de orgulho negro, com o pente afro acabando em black fist colocado nos cabelos.

A prisão, o terror, o isolamento não destruíram Angela. Ela martela sua pregação mantendo-se distante tanto dos comunistas, que ela acha "psicorrígidos", quanto dos que defendiam o nacionalismo negro, com combates, criação de uma nação afro-americana ou mesmo a volta para a África.


Mulher e negra

A voz de Angela é quase única também por associar em uma mesma profecia a luta pela dignidade dos negros e a emancipação feminina. "Havia um machismo maciço, ela se lembra, tanto entre os comunistas quanto no nacionalismo negro. As mulheres não eram consideradas capazes de carregar a causa, de serem líderes." Seria não conhecer bem Angela acreditar que ela iria se limitar, nas organizações negras, à tarefa de passar o pano no chão ou preparar a marmita dos senhores.

Então será que ela vai adotar o combate das feministas americanas da década de 70? Meu Deus! "Mas essas mulheres eram burguesas demais para mim. Elas eram brancas e lutavam pelo direito ao trabalho e ao aborto. Mas as negras já tinham uma profissão. Elas eram domésticas. Minha concepção do feminismo é a de uma emancipação que vai além das fronteiras estabelecidas. As questões de sexualidade, de raça, de classe e de gênero estão intimamente ligadas."

E ela oferece esta bela fórmula: "Meu objetivo sempre foi encontrar pontos entre as ideias e derrubar os muros. E os muros derrubados se transformam em pontes". Inimigo, o raivoso Louis Farrakhan, chefe da Nação do Islã que organizou a Marcha do 1 Milhão em 1995, acusou Angela de ser lésbica. Por isso não. Em 1997, na revista Out, ela declara: "Sim, sou lésbica".


Longo caminho

A América mudou muito desde o tempo em que a menina de 12 anos boicotava um ônibus porque os negros não tinham o direito de andar ao lado dos brancos nos transportes públicos. Ângela reconhece os progressos. Em sua juventude, raros eram os negros no ensino superior. Hoje, eles são milhões. Mas a estrada é longa ainda, ela repete. Diante da observação de que uma coisa inacreditável aconteceu, a eleição de um negro para a Presidência dos Estados Unidos, ela modera o entusiasmo. "Hoje, ninguém na Casa Branca parece se preocupar com o fato de que 1 milhão de negros estão nas prisões americanas."

É assim que fala a mulher de Santa Cruz, em uma universidade dessa Califórnia que Nixon e Reagan juraram lhe proibir para sempre. Ela ensina Kant e Hegel, Platão, Merleau-Ponty e Theodore Adorno, Herbert Marcuse. Ela não usa mais o cabelo afro. Às vezes ela tem dreadlocks, essas mechas misturadas que se formam sozinhas quando os cabelos crescem naturalmente ou quando são antes trançados. Ela está ali, tranquila, resoluta, intratável. Ela foi um momento trágico da história dos Estados Unidos. Ela permanece um momento da história do mundo.