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Presidente que promove aglomeração deveria bancar oxigênio do próprio bolso

 

Jair Bolsonaro mostra caixa de cloroquina a Emas no Palácio da Alvorada. (FOTO/ Reuters/ Adriano Machado).

Bolsonaro disse que governador que fechar seu Estado para evitar mortes por covid-19 deve bancar o auxílio emergencial. Na verdade, presidente que promove aglomeração em uma pandemia que já matou 253 mil é que deveria bancar o oxigênio cuja falta sufoca nos hospitais. Do próprio bolso.

Brasil resgata 942 pessoas do trabalho escravo no primeiro ano da covid-19

 

Operação de fiscalização resgata trabalhadores da escravidão em fazenda de gada no sul do Pará. (FOTO/ Leonardo Sakamoto).

Foram resgatados da escravidão contemporânea 942 trabalhadores em 2020, de acordo com informações atualizadas, nesta quarta (27), pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.

Bolsonaro vai sendo descascado na mesma cozinha em que frita Mandetta


O ministro da Saúde,, Luiz Henrique Mandetta durante coletiva de imprensa sobre o coronavirus.
(FOTO/ Ueslei Marcelino/ Reueters).

Desde que percebeu que sua exoneração seria inevitável, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, resolveu dar o troco. Com isso, a autoridade, a competência e a sanidade do presidente da República vêm sendo abertamente questionadas por um subordinado com mais aprovação que ele. Uma novidade para um Jair Bolsonaro que se acostumou a fritar e humilhar ministros em público.

Bolsonaro adota um discurso para cada público como estratégia para a crise


O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante pronunciamento e rede nacional de rádio e televisão.
(FOTO/ Carolina Antunes/ Presidência da República).

Jair Bolsonaro voltou a falar em cadeia nacional de rádio e TV, na noite desta quarta (8), sobre a pandemia de coronavírus. Defendeu o uso da cloroquina nos estágios iniciais da infecção e o fim do isolamento social, além de listar medidas que seu governo vem tomando. Ao final, citou sua passagem bíblica preferida, o Evangelho de João 8:32 - "conhecereis a verdade, e ela vos libertará".

Cristo da Mangueira: Quando absurdo é cotidiano, a verdade está no Carnaval, por Leonardo Sakamoto


Desfile da escola Mangueira, no primeiro dia do grupo especial na Sapucai. (FOTO/ Ricardo Moraes/ Reuters).

A Estação Primeira de Mangueira trouxe um dos mais contundentes carros alegóricos da história do Carnaval carioca, na noite deste domingo (23). Um Jesus Cristo negro e jovem, com cabelo platinado, crucificado e crivado de balas. Ao seu lado, um negro, um indígena, uma mulher e um representante da população LGBTQI.

Cruzada de Bolsonaro por um Brasil medieval completa 100 dias, por Leonardo Sakamoto


Bolsonaro. (FOTO/Divulgação).

Bolsonaro acredita que foi eleito para empreender uma Cruzada, no significado medieval da palavra. Quer libertar o país tanto de um comunismo inexistente quanto de comportamentos e costumes progressistas – que, em sua opinião, são a origem do mal. Por isso, dedicou boa parte de seus 100 primeiros dias de governo para travar, através das redes sociais, épicos combates contra malignas golden showers e perversas cartilhas de saúde para adolescentes com ilustrações de órgão sexuais.

Da "tchutchuca" ao "não houve golpe", o debate público regride no Brasil


(FOTO/ Pedro Ladeira/Folhapress).
A oposição teve um momento "Bolsonaro" com o pastelão causado pelo deputado Zeca Dirceu (PT-SP) – que disse em audiência na Comissão de Constituição e Justiça, nesta quarta (3), que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é "tigrão" com os trabalhadores e "tchutchuca" com o poder econômico. Não é necessário conhecer o funk do Bonde do Tigrão para entender o que significa a comparação. Enfurecido, Guedes respondeu que "tchutchuca é a mãe, tchutchuca é a avó!", exigiu respeito e o tempo fechou e, com ele, a audiência. A quinta série foi ao delírio.

General chama torturador de “herói”. Defender a tortura seria mais honesto



Em seu discurso de aposentadoria, nesta quarta (28), o general Antonio Hamilton Mourão chamou de ''herói'' o açougueiro Carlos Brilhante Ustra, falecido coronel e ex-chefe de um dos principais centros de repressão da ditadura, em São Paulo, acusado de desaparecimentos e mortes de presos políticos.

Chegou a ser declarado pela Justiça como responsável por casos de tortura e também condenado a pagar indenização por conta da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino. O passamento de Ustra, em liberdade no ano de 2015, é um atestado de nossa incompetência por não termos conseguido levar esse arauto do retrocesso a ser punido legalmente por tudo aquilo que fez.

Mourão, agora na reserva, não foi o primeiro. Políticos, como o deputado federal Jair Bolsonaro e o então vereador Agnaldo Timóteo, já prestaram homenagens públicas a Brilhante Ustra.

Certamente o finado chefe do DOI-Codi não é incensado por seus belos olhos ou pela forma pela qual fazia um guizado de frango ou jogava tranca. Mas por usar a violência como instrumento de ação estatal.

O elogio a um notório torturador como Brilhante Ustra acaba sendo uma forma de defender em público a tortura que ele próprio cometia sem o risco de ser acusado legalmente de apologia ao crimes. Contudo, seria mais honesto e transparente se o general tivesse a defendido abertamente, como já fez o próprio deputado.

Durante as sessões de tortura realizadas no 36o Distrito Policial (local que abrigou a Oban e, posteriormente, o DOI-Codi), na capital paulista, durante a ditadura militar, os vizinhos do bairro residencial do Paraíso reclamavam dos gritos de dor e desespero que brotavam de lá. As reclamações cessavam com rajadas de metralhadora disparadas para o alto, no pátio, deixando claro que aquilo continuaria até que o sistema decidisse parar. Mas o sistema nunca para por conta própria.

A tortura firmava-se como arma da disputa ideológica. Era necessário ''quebrar'' a pessoa, mentalmente e fisicamente, pelo que ela era, pelo que representava e pelo que defendia. Não era apenas um ser humano que morria a cada pancada. Era também uma visão de mundo. Dizem que os carrascos não podem pensar muito no que fazem sob o risco de enlouquecerem. Mas também dizem que os melhores carrascos são os psicopatas que gostam do que fazem. E se dedicam com afinco a descobrir novas formas de garantir o sofrimento humano. Muitos dos que fizeram o serviço sujo para a ditadura e passaram por aquele prédio amavam sua ''profissão''.

O Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) era integrado por membros do Exército, Marinha, Aeronáutica e policiais. E a metodologia desenvolvida durante esse período, junto à certeza do ''tudo pode'', continua provocando vítimas pelas mãos do Estado nas periferias das grandes cidades, nos grotões das regiões rural, onde a vida vale muito pouco.

A justificativa para tanto é a mesma usada dos Anos de Chumbo brasileiros ou nas prisões no Iraque e em Guantánamo, em Cuba: estamos em guerra. Ninguém explicou, contudo, que sob a justificativa de lutar contra o ''mal'', parte daqueles que se autointitulam ''mocinhos'' tem adotado os mesmos métodos dos bandidos. E passando a agira como facção criminosa, uma parcela do Estado deixa de ter legitimidade de zelar por nossa segurança.

Chegamos em um momento em que eufemismos não cabem mais. Não há meio termo entre defender um futuro de respeito à democracia e um país autoritário, que mata e esfola seu próprio povo. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).

Cena de tortura do filme "Corte Seco", com o ator Gabriel Miziara. (Foto: Reprodução/ Blog do Sakamoto).


Quem pariu o clima de loucura na política não pode reclamar de Luciano Huck


Não acredito que Luciano Huck esteja preparado para governar o país. Mas como (ainda) vivemos em uma democracia, ele tem todo o direito de disputar o cargo mais alto da República se assim quiser e se cumprir os trâmites legais para tanto.

Tem sido interessante, contudo, a quantidade de políticos do PSDB nacional que vêm reclamando de sua intenção de competir.  Com já disse aqui, uma parte do partido, ao forçar um impeachment com provas frágeis (lembrando que a razão da cassação de Dilma Rousseff não foi a corrupção, mas os decretos de crédito suplementar e pedaladas fiscais) ao invés de esperar por um julgamento do caixa 2 de campanha (que contava com evidências concretas), ajudou a esgarçar instituições.

Depois, ao apoiar o grupo fisiológico e corrupto ligado a Michel Temer em nome de reformas que interessavam ao mercado financeiro e a grandes empresas e imaginando uma transição política que possibilitasse sua própria eleição à Presidência, o PSDB ajudou a construir o clima de vale-tudo. A publicização dos casos de corrupção, que jogaram para baixo a popularidade de Temer e a de Aécio Neves, levaram ambos a se abraçarem em nome da sobrevivência como parte do processo.

A percepção de perda de representatividade, de corrosão das instituições e de descrédito com a política continua crescendo. Esse clima abre caminho para algo novo. Que pode ser bom ou ruim. Esse ''novo'' irá governar com um Congresso Nacional que tende a ser mais sinistro do que esse que está aí, provando que Tiririca estava errado: pior do que está, fica. E, juntos, nos levar a algum lugar nunca antes visto, inclusive para longe da democracia. Afinal de contas, no fundo do poço, há sempre um alçapão.

Há uma disputa inútil nas redes sociais para saber quem seria o responsável por colocar Michel Temer em nossas vidas. Afinal, o desejo por governabilidade fez com que o PT acolhesse ele e seu grupo, com carinho, na chapa presidencial. E o desejo por retornar ao poder fez com que o PSDB conspirasse ao seu lado e, depois, lhe desse arrimo. O PT, de certa forma, ainda está pagando o preço. Agora, o PSDB também ajoelha no milho. Como é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um tucano ser enviado à cadeia, a resposta será eleitoral. Os baixos índices de intenção de votos em Geraldo Alckmin têm mostrado isso.

Já disse isso aqui antes, mas achei que valia a pena retomar à medida em que cresce a possibilidade de candidaturas outsiders à política se consolidarem. A democracia representativa falhou em garantir o respeito aos anseios de sociedades plurais e complexas. Isso não significa, por outro lado, que a solução seja negar a política e suas instituições. Que podem não ser perfeitas, mas é o que temos neste momento.

A alternativa a isso, historicamente, passou por saídas rápidas, vazias, populistas e, não raro, autoritárias e enganosas. Porque não há nada mais político do que algo que se diz não-político. E temos vários exemplos de não-políticos, quase-políticos, mais-do-que-políticos e não-sou-nem-deixo-de-ser-político, na fila de espera.

Pior do que saber que haverá uma tempestade no horizonte é não conseguir nem enxerga-lo. E os que reclamam da fumaça que turva a vista foram os mesmos que atearam fogo em tudo. Três vezes loucura. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).

(Foto: Leonardo Benassato/ Reuters).

Condenação pode afundar Lula. Ou transformá-lo em uma ideia poderosa


A condenação em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro joga o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no colo da Lei da Ficha Limpa, o que pode barrar sua candidatura à Presidência da República. Mas a decisão, tomada pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região, nesta quarta (24), não é o fim de uma novela. Pelo contrário, ela pode estar apenas começando.

Segue uma avaliação do contexto e das possibilidades, caso ele queira concorrer – tudo sujeito à alteração, claro. É sempre bom avisar, em tempos de internet, que isso não é uma torcida, mas uma análise. Muitos confundem as coisas... Os advogados de defesa de Lula vão entrar com embargos de declaração junto à própria segunda instância, ou seja, o TRF-4. O atual entendimento do Supremo Tribunal Federal afirma que o cumprimento da pena ''pode'' começar após a confirmação da decisão em segunda instância. ''Pode'', não necessariamente ''deve''. Esse posicionamento, inclusive, pode mudar em breve se os ministros do STF resolverem rediscutir o assunto.

Nesse período, que poder levar algumas semanas, Lula deve ser lançado pré-candidato pelo PT e rodar o país vendendo a lembrança da boa situação econômica e do emprego durante seu governo. Como os indicadores melhoraram em 2017, mas a economia ainda não deslanchou, principalmente no tocante à geração de vagas com carteira assinada, a recorrência da memória de seu mandato será um cabo eleitoral.

Repetirá à exaustão que outros políticos que foram envolvidos em casos de corrupção não passaram por julgamento por conta de seu foro privilegiado, mesmo ostentando indícios de corrupção grosseiros. Citará o pedido amigo de empréstimo de Aécio Neves a Joesley Batista, da JBS, ou o conjunto da obra de Michel Temer. E, certamente, não falará de Renan Calheiros, pois é seu aliado.

Ao mesmo tempo, continuará comparando a si mesmo com Mandela (que ficou preso 27 anos por lutar contra o racismo) e Tiradentes (enforcado e esquartejado por conspirar pela independência), como fez no discurso para uma multidão na Praça da República, na noite desta quarta, após o resultado do julgamento. São imagens fortes que ele irá construir com a população, preparando-se para uma possível prisão ou uma provável interdição de candidatura.

Confirmado o acórdão da segunda instância, seus advogados pedirão ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal que suspendam os efeitos da condenação, via decisão liminar, enquanto não julguem o mérito do caso. Mas, antes, entrarão com pedidos de habeas corpus para impedir a prisão do ex-presidente. Enquanto algum recurso de Lula ainda estiver tramitando, ele estará apto a concorrer.

Preso ou solto, Lula continuará fazendo campanha. PT e aliados irão escolher alguém para colar na imagem dele, feito tatuagem, pensando em uma futura transferência de votos. Hoje, sabe-se que ele transfere menos do que no passado, mas também menos do que poderá vir a transferir se conseguir manter a candidatura até setembro, quando a política estará em franca ebulição.

Nesse contexto, Fernando Haddad, Jaques Wagner ou um terceiro continente à sua escolha podem ser chamado para ir à guerra. Seria difícil Lula apoiar Ciro Gomes (PDT) – ele acredita que seu ex-ministro não defenderia o seu legado. Guilherme Boulos (possivelmente PSOL) ou Manoela D'Ávila (PC do B) dificilmente receberiam apoio do PT, apesar da proximidade. Afinal, um partido que foi dono de fazenda teria problemas para dividir a horta comunitária.

Ninguém acredita em uma candidatura competitiva à esquerda tendo Lula como adversário. Mas são poucos no campo próximo a ele que teriam coragem de vir a público, neste momento, para propor nomes a fim de tentar conquistar, ao menos o patamar de votos que, historicamente, é dado ao petista. E que, de acordo com as pesquisas de opinião, não parece ter se dissolvido. Com a condenação, é duro imaginar o PT dando as costas a seu líder. Pelo contrário, ela pode ser o elemento de identidade reativa na esquerda que eles estavam esperando.

Solto, Lula terá a vantagem de rodar o país anunciando que, muito em breve, vão tirá-lo da jogada por terem medo que ganhe e governe novamente. Vai alimentando o mito. Como estará com a faca no pescoço, pode ser franco-atirador. Mas, ao contrário do que espera uma parte da esquerda, é bem provável que se reconcilie com parte do mercado e do setor produtivo. Um vice empresário, como Josué Gomes da Silva, filho de seu ex-vice, José de Alencar, seria mais uma pitada de simbolismo do retorno ao passado vitorioso.

Preso, Lula terá a vantagem de reforçar o discurso da construção do mártir que voltará para redimir o país. Em uma sociedade cristolaica como a nossa, essa imagem tem força. Imaginem um vídeo de trabalhadores lendo uma carta escrita por ele na cadeia, como num jogral, pedindo para que o povo não perca a fé. ''Eles não podem prender um sonho de liberdade, não podem prender as ideias, não podem prender a esperança. Podem prender o Lula, mas a ideia está colocada na cabeça da sociedade brasileira.'' Não inventei este trecho. Peguei do discurso dele realizado na Praça da República.

Em 15 de agosto, o PT registra sua candidatura. Ele pode estar preso e condenado, não importa, o protocolo tem que aceitar o registro.

O horário eleitoral em rádio e TV começa no dia 31 de agosto. Vai ser um bombardeio de imagens e declarações de que Lula está preso e/ou condenado porque quis defender o povo. A propaganda tem o objetivo de transformar o mártir e o mito na já citada ideia. Que será exaustivamente utilizada por seu partido político no processo eleitoral.

De acordo com Fernando Neisser, advogado especialista em direito eleitoral e um dos coordenadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o prazo máximo para uma decisão da Justiça Eleitoral para julgamento de registros é 17 de setembro. Na prática, esse é o deadline para substituir candidatos em chapas. Porque, logo em seguida, as urnas são carregadas com as informações de todos os concorrentes.

Para Neisser, o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral sobre uma possível candidatura Lula, caso seja antecipado, pode ser realizado em algum momento entre 7 e 11 de setembro. A corte estará sendo presidida por Rosa Weber, mas com presença de Luís Roberto Barroso e Edson Fachin – um trio que certamente não será simpático à demanda do ex-presidente.
Se Lula não tiver conseguido uma liminar que suspenda a condenação criminal, o TSE vai negar a ele o registro.

Ele pode recorrer ao próprio TSE com embargos de declaração. Depois disso há uma série de meandros jurídicos para fazer subir um recurso extraordinário ao Supremo, que não seria julgado em definitivo antes do final do segundo turno. Daí, Lula e o PT têm duas opções: pegam a pessoa que estava como sua tatuagem e a colocam em seu lugar para disputar o primeiro turno ou continuam apostando em Lula.

Se a primeira opção for a escolhida, é provável que ele consiga empurrar seu candidato ou candidata ao segundo turno transferindo os votos. Afinal, o tempo é curto e a comoção será grande. Seu apoio ainda vai contar pontos, mas dai a tatuagem estará por conta própria – podendo inclusive perder. De qualquer forma, terá cumprido outra função importante: ajudar o PT a garantir sua bancada no Congresso Nacional. Sem um nome forte puxando votos, haverá uma óbvia redução do número de cadeiras do partido como resultado das denúncias de corrupção.

Se a segunda opção for a escolhida, a partir da abertura das urnas na noite do primeiro turno, no dia 7 de outubro, Lula aparecerá com zero votos pois teve a candidatura negada pelo TSE, mesmo com o recurso extraordinário em trâmite. O TSE até pode autorizar que ele dispute o segundo turno sob a justificativa de que está recorrendo, como já aconteceu em algumas cidades. Mas essa decisão não está clara na lei. Portanto, mesmo com o recurso, o TSE pode não colocá-lo no segundo turno. Ou seja, é um tiro que pode dar na água.

E se sua presença no segundo turno for negada, passam os outros dois mais votados.

Caso participe do segundo turno e perca para Geraldo Alckmin, Luciano Huck, Jair Bolsonaro, Marina Silva ou alguém como J.Pinto Fernandes, que não estava na história, acabou.

Se tiver conseguido uma (difícil) liminar que suspenda a condenação, ganhar a eleição e, antes da posse, o pleno do STF confirmar a decisão de segunda instância, novas eleições são convocadas. Sim, segundo Fernando Neisser, o mandato não é do segundo colocado automaticamente. Nesse caso, começamos tudo de novo, com eleições em dois turnos para presidente.

Se ganhar e tiver conseguido uma (difícil) liminar que suspende sua condenação criminal ou tiver sido absolvido por um tribunal superior até lá, daí ele vai ser empossado. Caso tenha obtido apenas a liminar, ele toma posse e seu processo congela até o final de seu mandato.
Enfim, Lula pode reduzir de tamanho ou sair maior do que entrou nessa história. Mesmo que não seja eleito. Depende de tantos fatores que é impossível saber a resposta.

Cansou? Imagine, então, para jornalistas, advogados e assessores políticos. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).

(Foto: Jorge William/ Agência O Globo).

Ao comentar pesquisa, Sakamoto diz que redução da maioridade é a prova de que desistimos do futuro


O colunista Leonardo Sakamoto comenta a pesquisa que mostra que 84% da população quer a redução da maioridade penal para crimes graves. “A medida encontra menos respaldo entre os ateus (65%) do que entre aqueles que se declaram religiosos. Ela alcança 86% junto aos católicos, 84% com evangélicos e espíritas e 91% com os adeptos de outra religião.

De acordo com Sakamoto, “nosso país se entrega ao autoengano das soluções rápidas e ineficazes para o medo da violência cotidiana”. Para ele, é interessante constatar que a proposta seja mais aceita justamente pelas pessoas mais crentes em Deus. O colunista relembra que o Novo Testamento critica a vingança como uma forma de fazer justiça.

Sakamoto questiona quem ganha com essas medidas e diz que precisamos de soluções estruturais para acabar com a violência. “A redução vai apenas alimentar o ódio de quem já sente que foi abandonado pelo resto da sociedade à sua própria sorte. Não é simplesmente punindo o jovem em desacordo com a lei, mas também criando condições para que ele não caia nas mãos de alguma facção criminosa”, diz Sakamoto.

O colunista diz que podemos mudar as convenções e instituir a maioridade aos 16 anos. “Pois o problema não é a idade, mas como preparamos as novas gerações para viverem em sociedade. E como cuidamos delas. Se jovens de 14 começarem a roubar e matar, mudamos tudo novamente?”, questiona o jornalista.

Para Sakamoto, a “vingança institucionalizada representada pela redução da maioridade penal significa, de certa forma, uma declaração da falência do Estado, de inviabilidade do futuro e de incapacidade da sociedade de encontrar saídas racionais”. (Com informações do Brasil 247).

Confira a íntegra do artigo aqui

(Foto: Moacyr Lopes Júnior/ Folha).

Por que muitos jovens se apaixonam pelas ideias violentas de Bolsonaro?


Políticos misóginos, comediantes homofóbicos, religiosos fundamentalistas e celebridades violentas têm se tornado exemplos para grupos de rapazes que, acreditando serem revolucionários e contestadores, na verdade agem de forma conservadora e reacionária.

Acreditam que estão sendo subversivos lutando contra a “ditadura do politicamente correto” – que se tornou uma forma pejorativa de se referir aos direitos humanos.

Essa ditadura, claro, é uma ficção. Qualquer ostra saudável sabe que se os direitos humanos fossem minimamente respeitados por aqui não haveria fome, crianças trabalhando, idosos deixados para morrer à própria sorte, pessoas vivendo sem um teto. Não teríamos essa taxa pornográfica de homicídios, nem exploração sexual de crianças e adolescentes, muito menos trabalho escravo. Aos migrantes pobres seria garantida a mesma dignidade conferida a migrantes ricos. Todas as crenças seriam respeitadas, tendo Jeová como deus ou não. A liberdade de expressão seria defendida, mas não a custo da dignidade e da vida humanas. Se direitos humanos fossem efetivados, não teríamos mulheres sendo estupradas, negros ganhando menos do que brancos e pessoas morrendo por amar alguém do mesmo sexo. O que temos, em verdade, é um statuo quo sendo contestado, o que provoca pânico em muita gente.
Parte desses jovens também abraça discursos ultraconservadores como reação às tentativas de inclusão de grupos historicamente excluídos. Como já escrevi aqui antes, ela viu que a luta por direitos iguais por parte de suas colegas de classe ou de coletivos feministas em suas escolas significará, para eles, uma perda de privilégios que hoje os homens têm. Nesse contexto, influenciadores digitais, formadores de opinião e guias religiosos ajudam a fomentar, com seus discursos violentos e irresponsáveis, uma resposta negativa dos rapazes à luta das moças pelo direito básico a não sofrerem violência.

E não apenas jovens. Há políticos, como Jair Bolsonaro, que ocupam um espaço de porta-voz de um público insatisfeito que se vê acuado diante do discurso de que muito do que lhes foi ensinado no que diz respeito aos seus direitos, deveres e limites agora precisa ser revisto para incorporar mudanças. Pessoas comuns que veem seus preconceitos serem atacados, chamados de coisa do passado. Imagine uma pessoa, que sente que seu mundo está mudando mais rápido do que pode compreender, quando aparece uma liderança dizendo que não precisa se sentir dessa forma, nem se adaptar. Apenas lutar para manter tudo como está. Não admira, portanto, que Bolsonaro esteja bem colocado entre os mais ricos nas pesquisas de opinião.

Independentemente do que aconteça daqui em diante na política brasileira, temos visto o resgate de uma narrativa (que imaginávamos morta e enterrada) que justifica o ataque aos direitos humanos sob o argumento insano de que são ”coisa de comunista”. Ou seja, o pacote de direitos, que em sua formulação contemporânea se deu sob clara inspiração liberal, ganha outra conotação na mente de gente mal informada ou mal intencionada. A efetivação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais vem sendo julgada em praça pública com o argumento de que ”criam discórdia onde antes havia paz” ou ”geram divisões onde tudo funcionava bem”. Funcionava bem para quem?

Como os principais partidos políticos não se esforçaram para garantir mais participação popular, o governo e a oposição derrapam em dar respostas para a retomada do crescimento econômico e a vida do brasileiro (principalmente o mais pobre) vai piorando a olhos vistos, além de um esgarçamento institucional para salvar envolvidos em corrupção, vamos assistindo ao crescimento de discursos que bradam que a política é desnecessária. E que a própria democracia é questionável.

Políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro não são idiotas, pelo contrário. Falam o que falam porque sabem que muita gente irá aplaudi-los por isso. Embrulham sua narrativa em uma falso frescor de novidade que cativa muitos jovens quando, na verdade, ela é a mesma que está no poder desde que os primeiros brancos chegaram ao continente americano.

Sabem conversar com um público que quer saídas rápidas para a falta de emprego e para a segurança pública e que precisam de alguém que lhes entregue uma narrativa consistente para poderem tocar suas vidas – narrativa que os partidos tradicionais solapam em oferecer. A esquerda, com louváveis exceções, parece não querer fazer isso na área da segurança pública. Jovens estão morrendo na periferia aos milhares e policiais honestos, às dezenas. Portanto, são necessárias soluções de curto prazo, que passem por garantir qualidade de vida dessas populações de ”matáveis”, e não apenas ações estruturais que levam anos.

Mas, como já disse aqui, a mesma insatisfação com a política tradicional e a mesma crise das narrativas que elegeram Donald Trump, também produziram Bernie Sanders. Mesmo que não tenha sido escolhido por conta de intensa campanha do establishment do próprio Partido Democrata, sua disputa nas primárias provocou debate sobre um projeto mais progressista para os Estados Unidos. Papel semelhante desempenha Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, no Reino Unido – que perdeu a eleição para Theresa May. Ele cresce em popularidade, com seu discurso mais à esquerda, em uma nação que tenta entender o que significa sua saída da União Europeia. Os dois são chamados de populistas e irresponsáveis por quem acredita na divindade do mercado. Mas ajudam a arejar o debate com novas propostas, cativando os mais jovens.

A esquerda no Brasil conseguirá se organizar e disputar um novo projeto de país? Um que não tenha vergonha de reconhecer seus erros e atuar em campos que lhe são espinhentos, como a violência urbana? Poderá construir uma nova narrativa que desperte o sonho e o engajamento dos mais novos?

Muitos desses jovens estão descontentes, mas não sabem o que querem. Sabem o que não querem. Neste momento, por mais agressivos que sejam, boa parte deles está em êxtase, alucinada com a rua e com o poder que acreditam ter nas mãos. Mas ao mesmo tempo com medo. Pois cobrados de uma resposta sobre sua insatisfação, no fundo, no fundo, conseguem perceber apenas um grande vazio. Pode-se continuar dando às costas a eles, chamando-os de fascistas, ou abrir o diálogo – muitas vezes difícil, mas necessário.

Há um déficit de democracia participativa que vai ter que ser resolvido. Só votar e esperar quatro anos não adianta mais para esse grupo, pois muitos jovens reivindicam participar ativamente da política. Querem mais formas de interferir diretamente nos rumos da ação política de sua cidade, estado ou país. Não da mesma forma que as gerações de seus pais e avós, claro. Porque, naquela época, ninguém em sã consciência poderia supor que criaríamos outra camada de relacionamento social, que ignorasse distância e catalisasse processos.

Precisamos, urgentemente, ouvir os mais novos e construir com eles um projeto para a sociedade em que vivemos. Negar isso e buscar, novamente, saídas de cima para baixo, seja através da esquerda democrática ou da direita liberal, não dará certo. Não admira que quem sugere adotar as soluções de sempre são as mesmas pessoas que não entenderam o significado das manifestações de junho de 2013. Ou que nada aprenderam com elas.

Se não abrirmos esse debate, teremos uma década de um sombrio macarthismo, repaginado e adaptado, que se desenha adiante. Década puxada por velhos políticos fantasiados com o novo e suas milícias digitais. (Por Leonardo Sakamoto, em seu Blog).

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil.

Leonardo Sakamoto: “Submundo da internet já se tornou formador de opinião”



A enxurrada de notícias falsas na internet, que é motivo de preocupação de observadores e agentes da comunicação, mistura descuido, interesses e más intenções. Em debate realizado na manhã de ontem (5), o jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto, diretor da ONG Repórter Brasil, disse que os divulgadores das chamadas fake news, que ele chamou de "submundo", já se tornaram fontes de informação. "A parte invisível da internet, os sites anônimos, que não têm expediente, que não tem quem assina, já formam opinião tanto quanto a parte visível", afirmou.

RBA - O evento foi promovido pela Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Alvares Penteado (Facom/Faap). Foi a primeira edição de uma parceria com o jornal espanhol El País – outras duas já estão programadas para este ano. "A gente está vivendo um momento tão complicado no Brasil que qualquer motivo é motivo para virar fake news", comentou a editora-executiva do El País Brasil, Carla Jimenez, citando caso ocorrido ainda ontem, sobre uma informação a respeito de emenda para prorrogar o mandato do atual governo.

Sakamoto; Há estruturas armadas pra isso (propagar mentiras), e também tem muita gente que é paga.
Foto; Abraji/ Via Isso É Notícia.

"Antes do desmentido, já tinha ido pros blogs de esquerda e essa notícia pegou fogo. Essa ansiedade, a insatisfação e o estado emocional do país favorecem também essa disseminação de informações." Carla contou ter se assustado quando um jornalista catalão disse a ela estar espantado com o grau de polarização no Brasil. "A Catalunha (região da Espanha) vive esse dilema da separação há muitas décadas, e ouvir isso dele me chocou."

Autor de livro com título autoexplicativo (O que aprendi sendo xingado na internet), Sakamoto citou três casos em que foi envolvido em divulgação de falsas notícias. Contou que foi xingado e agredido na rua, além de alvo de uma cuspida (que não o acertou). "Na internet, o ônus da prova é do acusado. Você tem de provar que você não fez alguma coisa que alguém acabou colocando."

Há também aqueles que ajudam a espalhar essas notícias por identificação. "Pouco importa pra muita gente se aquilo é verdade ou mentira, o que importa é que aquilo pode ser usado como munição na guerra virtual. Você começa a usar aquilo à exaustão. Mesmo portais verdadeiros acabam caindo também nesse processo", diz Sakamoto, para quem a preocupação principal deve ser "qualificar o debate público".

Como se faz isso? Por exemplo, não dando likes (a imagem em que o polegar aparece levantado, sinal de que gostou da publicação) para coisas absurdas que se espalham na redes. "A partir daí, você tem a construção de uma verdade", afirma o jornalista, para quem a trollagem "é uma ciência".

O caso da figurinista Su Tonani, que recentemente denunciou o ator José Mayer por assédio, também levou a uma notícia falsa, de que eles teriam sido amantes. Isso a motivou a novamente se pronunciar, em um texto publicado hoje no blog #AgoraÉQueSãoElas, no portal UOL.

Moradia: Governo acena à classe média e deixa os mais pobres ao relento, por Sakamoto



Ninguém em sã consciência é contra ampliar crédito habitacional para a classe média poder adquirir sua casa própria. O problema é quando isso é feito em detrimento à execução de programas de habitação para os mais pobres, que são os que mais sofrem com a falta de moradias decentes.

Quando o Conselho Monetário Nacional decide aumentar, temporariamente até o final do ano, o teto do imóvel financiado com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para R$ 1,5 milhão e quando o Palácio do Planalto divulga que o financiamento do ''Minha Casa, Minha Vida'' passa a beneficiar quem ganha até R$ 9 mil mensais, não é apenas a construção civil que eles querem reativar, mas também conquistar a simpatia da classe média que anda enjoada com a quantidade de denúncias de corrupção de membros do governo federal. Hoje, o teto é entre R$ 800 e 950 mil dependendo do Estado.

Ao mesmo tempo, o governo Temer vai reduzindo o foco na política de moradia que beneficia os mais pobres. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) está acampado em frente ao prédio que abriga o escritório da Presidência da República, na avenida Paulista, em São Paulo, exatamente para protestar contra essa mudança de prioridades.

Afirma que o governo não contratado novas moradias para a faixa 1 do ''Minha Casa, Minha Vida'', voltada a quem possui renda até R$ 1800,00 mensais. Essa categoria conta com um patamar elevado de subsídios e critérios mais simples para adesão – devido ao alto grau de informalidade entre os mais pobres, muitos não conseguem comprovar renda, nem dar garantias para ter um crédito bancário convencional.

Famílias que ganham até três salários mínimos representam mais de 70% do déficit habitacional, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Ou seja, a política habitacional tem sido substituída pelo crédito imobiliário, com o Estado abandonando a opção de gastar dinheiro com programas de moradia aos mais pobres para concentrar esforços em ser um grande banco para a classe média e um grande amigo das empreiteiras. Lembrando que o Estado não tem que dar lucro, mas garantir dignidade.

Por que um acampamento do MTST na avenida Paulista, exigindo recursos para programas de moradia aos mais pobres, é uma violência à cidade e um acampamento na mesma avenida, exigindo o impeachment de uma presidente é uma manifestação da democracia?

A resposta talvez passe pelo fato de terem conseguido treinar tão bem parte da classe trabalhadora para ser cão de guarda de quem a oprime que, quando se discute a necessidade de radicalizar os programas de moradia popular, alguém grita no fundo de sua ignorância a expressão que demonstra que a incapacidade de sentir empatia: ''Tá com dó? Leva pra casa''.

Tratam de forma individual e pessoal algo que deveria ser encarado como função do poder público. Afinal de contas, para além de créditos, subsídios e financiamentos, o déficit qualitativo e quantitativo de habitação poderia ser drasticamente reduzido se imóveis e terrenos vazios em nome da especulação imobiliária, muitos acumulando gigantescas dívidas em impostos, pudessem ser desapropriados e destinados a quem precisa – gratuitamente ou a juros abaixo do mercado, dependendo do nível de pobreza em questão.

Poderia. Mas não será. Porque a política habitacional no Brasil não é feita para resolver esses déficits, mas para alguém ganhar dinheiro e alguém manter poder.


Primeiro, o governo levou os direitos dos pobres. Mas não me importei…



Primeiro foram uns manifestantes.

A Polícia Militar de São Paulo deteve 26 jovens antes de uma manifestação contra o governo Michel Temer na capital paulista no dia 6 de setembro. De acordo com o governo estadual, os adultos foram indiciados por associação criminosa, formação de quadrilha e corrupção de menores. Um juiz mandou soltar a todos, dizendo que não estamos mais em uma ditadura para prender alguém com o objetivo de simples averiguação.

Por Leonardo Sakamoto em seu blog

Mas não me importei com isso. Eu não era manifestante.

Depois atacaram alguns jornalistas.

Irritado ao ter sua decisão criticada, o desembargador Ivan Sartori – um dos responsáveis por anular o júri do Massacre do Carandiru, que defendeu a absolvição dos policiais por acreditar que a morte de 111 presos ocorreu em ''legítima defesa'' – sugeriu que a imprensa de São Paulo recebe dinheiro do crime organizado. Isso ocorre pouco depois do fotógrafo Sérgio Silva ter sido considerado pela Justiça do Estado de São Paulo o único culpado por ser atingido por uma bala de borracha e perdido o olho esquerdo. O disparo partiu da Polícia Militar, cuja repressão a um protesto pela redução na tarifa dos transportes públicos, no dia 13 de junho de 2013, deixou um rastro de manifestantes e jornalistas feridos.

Mas não me importei com isso. Eu também não era jornalista.

Então, foram os direitos dos mais pobres.

O governo Temer, com o apoio de empresários, está tentando mudar a Constituição para impedir que investimentos públicos cresçam além da inflação. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que conta com apoio no Congresso Nacional, causará impactos em áreas como educação e saúde. Afinal, para tornar o ensino digno e acabar com as filas nos hospitais será necessário muito mais dinheiro. O governo federal tem apresentado medidas para combater a crise econômica que afetam a qualidade de vida dos mais pobres, mas não inclui ações como o aumento dos impostos dos mais ricos ou a taxação de dividendos vindos de empresas.

Mas não me importei com isso. Eu também não era pobre.

Leonardo Sakomoto é jornalista e doutor em Ciências
Política pela USP.
Aí, calaram alguns estudantes.

O Ministério da Educação vai implementar uma reforma do Ensino Médio por meio de uma Medida Provisória e não por um processo que deveria congregar Congresso Nacional e a sociedade. Com isso, ignora milhões de profissionais de educação, militantes que participam dos inúmeros fóruns e instâncias de educação no país e alunos que ocupam escolas em busca de uma voz. Ninguém nega que debater essa etapa de ensino é urgente, pois o desempenho é sofrível, o currículo é desinteressante e a evasão, monstruosa. Mas o governo preferiu silenciar o debate, baixando um “cumpra-se”, aplicando um novo modelo questionável e fora da realidade.

Mas não me importei com isso. Eu também não sou mais estudante.

Em seguida levaram alguns cortadores de cana e pedreiros.

O governo federal propôs uma Reforma da Previdência que estabelece uma idade mínima de até 65 anos para se aposentar, apontando que isso é a única saída para evitar que o país quebre. Com a mudança na expectativa de vida e na estrutura do mercado de trabalho do país é natural que se discutam mudanças na Previdência. Mas a mudança na lei está sendo conduzida a toque de caixa e sem o devido debate público. De acordo com alguns sindicatos, quem mais vai sofrer são os que começam a trabalhar muito cedo e atuam em atividades braçais, usando força física, e que, por isso, morrem antes do resto da população.

Mas não me importei com isso. Eu também não era cortador de cana, nem pedreiro.

Depois ignoraram a Constituição.

A maioria do Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quarta (5), que réus condenados pela Justiça podem ser presos a partir de sentença em segunda instância. Contudo, a Constituição Federal prevê o princípio da presunção da inocência, portanto, o direito à liberdade enquanto houver direito a recurso. Ou seja, quem não contar com uma boa banca de advogados para levar e garantir vitórias nos tribunais superiores, fica na cadeia. No final do ano passado, o STF havia decidido que é permitida a invasão de domicílio à noite para a realização de busca e apreensão se a autoridade policial tiver ''fundadas razões'' para suspeitar da prática de um crime. A Constituição Federal demanda ordem judicial prévia para a invasão de domicílio. Como afirmou Eloísa Machado, professora da FGV Direito SP, arrombar a porta de um barraco continuará a ser bem mais fácil do que arrombar a porta de uma mansão.

Mas não me importei com isso. Porque não preciso da Constituição.

Agora estão me levando.

Mas já é tarde. Porque não me preocupei com ninguém.


(Brecht, Maiakovski e Niemöller. E John Donne, poeta e pregador inglês, citado em ''Por Quem os Sinos Dobram'', de Ernest Hemingway. Ao defender que a morte de qualquer homem nos diminui, pois somos parte da humanidade, ele afirmou: nunca procure saber por quem os sinos dobram. Pois eles dobram por ti.)