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Filme "Medida Provisória": obra produzida pela negritude ocupa 150 salas de cinema

 

Seu Jorge e Alfred Enoch em cena do filme "Medida Provisória" - Medida Provisória / Divulgação. 

O filme Medida Provisória, do diretor Lázaro Ramos, que chega nesta quinta-feira aos cinemas de todo o Brasil, já chamou a atenção antes mesmo do público assisti-lo. Essa é a “primeira vez que um filme feito pela negritude ocupa 150 salas de cinema”, afirma o ator Aldri Anunciação, que interpreta o personagem Ivan na trama.

Anunciação, para além de ator, é também roteirista, dramaturgo, escritor e produtor. Baiano, foi forjado na mesma escola de Teatro de Wagner Moura. Foi descoberto por seu vizinho: ninguém mais, ninguém menos que o escritor Jorge Amado, que teve papel fundamental para que ele entrasse para o mundo das artes.

Em 2011 Aldri começou a produção do livro Namíbia Não!, que veio dar origem ao filme que estreia nesta semana. Em 2012 o livro foi lançado e no ano seguinte ganhou o Prêmio Jabuti. Porém, a obra, que foi pensado com uma perspectiva distópica, acabou se revelando algo próximo da realidade.

Na hora que foi feito o livro eu tava muito certo de que era uma distopia. De que era algo praticamente impossível de acontecer. Acontece que as obras de arte vão sofrendo mutações ao longo do tempo, a obra de arte é uma conexão com a realidade. Ela existe por conta de uma realidade que tá ali.”

Em entrevista ao Brasil de Fato, Aldri Anunciação falou tanto sobre sua trajetória artística e sobre como foi aliar suas ideias a outros roteiristas para fazer nascer Medida Provisória. Ele fala sobre racismo estrutural e os impactos que espera que o filme tenha tanto para a negritude, quanto para a branquitude que se propõe a ser antirracista.

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Confira a entrevista na íntegra aqui.

‘A tentativa de silenciar as pessoas ajuda o caos e não um projeto de nação’, diz Lázaro Ramos

Lázaro Ramos. (FOTO|Napolinario/Divulgação).

Antes mesmo da estreia de hoje, em 188 salas do país, “Medida Provisória”, primeiro longa dirigido por Lázaro Ramos, tem rendido cenas de conflito. O ex-secretário de Cultura Mario Frias rebateu uma declaração em que Taís Araujo, casada com Lázaro e no elenco do filme, exaltava, referindo-se à atualidade, que “A mudança está nas nossas mãos. Não foram quatro anos difíceis. Foram infernais”. Em seu perfil no Instagram, Frias postou: “4 anos infernais para quem? Certos artistas vivem em uma realidade muito paralela…”. Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), criticando a verba pública usada na produção, foram no mesmo tom. Já Lázaro disse que tudo não passa de campanha política e cortina de fumaça para desviar as atenções de temas como a inflação.

Na tela o conflito de “Medida Provisória” é uma adaptação da peça “Namíbia, não!”, de Aldri Anunciação, dirigida por Lázaro Ramos em 2011. Na trama, dois primos ficam confinados no apartamento que dividem após o governo decretar uma medida obrigando que todas as pessoas negras sejam deportadas para a África como uma forma de reparação pelo período de escravidão.

Seu Jorge e Alfred Enoch. (FOTO |Mariana Vianna |Divulgação).


Thank you for watching

Na versão para os cinemas, o ator anglo-brasileiro Alfred Enoch e Seu Jorge interpretam os primos Antônio e André. Enquanto a peça trazia só duas pessoas em cena, o longa conta com elenco de 77 atores, em sua maioria negros, incluindo ícones de diferentes gerações como Emicida. Taís interpreta Capitu, companheira de Antônio que também divide o apartamento. Adriana Esteves, Renata Sorrah, Mariana Xavier e Flávio Bauraqui são outros destaques.

“Namíbia, não!” foi a primeira experiência de Lázaro como diretor teatral, mas ele não tinha interesse em conduzir a versão cinematográfica e chegou a procurar nomes como Sérgio Machado e Joel Zito Araújo para o projeto.

— Fui dirigindo e pensando que passaria o bastão para outra pessoa. Só que essa pessoa não chegou e comecei a me apaixonar pela possibilidade de fazer um filme que falasse do que é você não perceber que uma tragédia está se aproximando. Você ri, faz memes, aí o tempo passa e percebe que a tragédia se instalou — diz Lázaro.

Como aconteceu com “Marighella”, do amigo Wagner Moura, ele viu seu filme sofrer diante de exigências burocráticas da Ancine que atrasaram em meses o lançamento da obra nas telas.

Emicida e Taís Araujo Foto: Mariana Vianna.(FOTO|Divulgação).


Cinema de força e afeto

Lázaro conta que se preocupou em oferecer também momentos de humor. Alfred Enoch, conhecido pelo trabalho na saga “Harry Potter” e na série “How to get away with murder”, reforça:

— A trama é pesada, mas traz momentos de afeto, leveza. E a vida é assim. Às vezes, é difícil encontrar a leveza, mas é fundamental, é o que nos dá a vontade de seguir em frente.

Filho de mãe carioca, ele comemora o primeiro trabalho no Brasil e a oportunidade de atuar em português, além da possibilidade de debater temas como racismo e desigualdade “sem deixar de oferecer uma ponta de esperança”.

“Esperança” também é a palavra-chave para Adriana Esteves. A atriz interpreta Isabel, a integrante do governo responsável por garantir a aplicação da medida, surgindo em cena como uma das principais antagonistas. Ela descreve Isabel como uma mulher alienada que segue ordens cegamente.

— Mas é um filme que nos faz acreditar no ser humano e acreditar na luta para afastar coisas que não queremos que aconteça em nossa sociedade — diz Adriana.

Lázaro enfatiza que são várias lutas.

— Vimos como a vida foi tratada no Brasil durante a pandemia. Por isso este é um ano muito decisivo para entendermos o caminho que queremos seguir. Falar, não ser censurado, rebater, é peça fundamental do processo. A tentativa de silenciar as pessoas ajuda o caos e não um projeto de nação.

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Com informações do Geledés.

“O Topo da Montanha” será estreado por Lázaro Ramos e Taís Araújo



O espetáculo O Topo da Montanha, adaptação do texto de Katori Hall, dirigida por Lázaro Ramos, produzida e protagonizada por ele e Taís Araújo, faz sua estréia na cidade do Rio de Janeiro neste próximo dia 20 de Janeiro, feriado de aniversario da cidade, no Teatro do Sesc.


Como águas turbulentas ante a calmaria de um riacho; como um debate entre a sagaz sede de justiça e a paciência histórica, própria dos grandes sábios, assim é o encontro entre o imponente líder Martin Luther King e a humilde camareira Camae, num texto incrível e surpreendente, brilhantemente interpretado pelo casal mais emblemático do empoderamento negro atual.

Você é negra? Você é negro? Então deve assistir!

Sim, brancos de boa de vontade devem assistir também. Mas é certo que para negras e negros que lotaram as apresentações em São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Bahia, o significado de estar ali em comunidade e experimentar este texto e esta interpretação é algo diferente, revelador e profético. Uma experiência magistralmente descrita pela jornalista e militante do movimento negro Ana Flávia Magalhães Pinto, em suas Notas a partir do lugar de público negro, já publicado por este Blog e que recupero abaixo. Vale a pena ler. Vale a pena assistir.

Depois nos diga se aceita o bastão.

Notas a partir do lugar de público negro

Por Ana Flávia Magalhães Pinto*

Longe de ser uma crítica de arte, escrevo a partir tão somente do lugar de público. Mas não apenas público, substantivo carente de materialidade. Falo como integrante do público negro, um conjunto de espectadores/as comumente subestimado ou até muito sonhado, porém tido como distanciado das salas de teatro, cinema, galerias, etc., por razões que dialogam com as violentas e sofisticadas práticas de exclusão sociorracial.

Faço isso porque acredito sinceramente que, afora autoras/es, obras e críticos/as especializados/as, o público é também fundamental para que a arte exista. E nós, público negro, não só existimos, mas também, tal como aconteceu na noite do último sábado (10), podemos nos fazer presentes em quantidade e qualidade!

Estou me referindo à experiência de assistir à peça O Topo da Montanha, uma adaptação do texto de Katori Hall, dirigida por Lázaro Ramos, produzida e protagonizada por ele e Taís Araújo, que estreou no Teatro Faap, São Paulo.

Eu e um casal de amigos nos dirigimos a essa casa localizada no elegante bairro de Higienópolis bem achando que seríamos a famigerada limitada cota negra entre uma maioria de espectadores brancos. Diferentemente do previsto e como chegamos cedo, pudemos nos deliciar ao ver a entrada de seguidos pequenos grupos de amigos, famílias, casais e homens e mulheres solitárias de pele escura, cabelo crespo e com umas caras de contentamento indisfarçável! As pessoas estavam gostando de se ver ocupando aquele lugar!

De todo modo, é preciso dizer que essa não foi a primeira vez que vi isso acontecer. Na verdade, observo esse fenômeno se repetir cada vez com mais frequência e intensidade nos últimos anos. Considero que eu mesma sou prova disso. Ouso até especular se a incorporação das cotas raciais ao debate público já não está servindo para catalisar a expansão dos limites da participação negra em outros espaços… É, pode ser, mas isso é assunto para outro texto.

Por ora, é melhor continuar no Topo da Montanha. Aliás, a escolha desse texto é, por si, um grande presente, sobretudo para nós, público negro. Em tempos de marchas em defesa da vida da população negra no Brasil , o que inclui aproximações e conflitos de natureza variada , recuperar a trajetória de Martin Luther King a partir do registro de múltiplas dimensões da vida humana serve como uma boa oportunidade para se refletir como temos encaminhado nossas práticas de resistência ao que nos oprime. O reconhecimento da confluência entre medo e esperança, egoísmo e altruísmo, vaidade e humildade num sujeito emblemático como King é, de fato, uma das várias qualidades da escrita de Katori Hall.

Natural de Memphis, Tennessee, ela é uma jovem escritora negra, de 34 anos, formada em instituições de renome como Columbia e Harvard, tendo sido a primeira mulher negra a receber o prêmio Laurence Olivier de melhor peça estreante, em março de 2010, por The Mountaintop, título original em inglês. Para além dos títulos acadêmicos e prêmios, vale mesmo a pena acompanhar a trajetória de Katori por sua capacidade criativa. Atualmente, ela está trabalhando em seu primeiro filme de curta metragem, Arkabutla, que fala sobre relações familiares e racismo.

Outras escolhas feitas para o espetáculo também nos convidam a reconhecer e destacar mais um punhado de talentos negros do teatro. A consultoria dramática e cênica é assinada por Ângelo Flávio. Ator, dramaturgo e diretor, ele é um dos expoentes do teatro negro brasileiro, fundador da Cia Teatral Abdias Nascimento (CAN) na UFBA, em 2002, e responsável, entre outras, pela montagem da peça A casa dos espectros (2006), a partir da obra Funnyhouse of a Negro (1964), de Adrienne Kennedy, outra escritora afro-estadunidense.

O figurino é de Tereza Nabuco, artista que há anos atua em produções da Rede Globo. O desenho de luz, recurso fundamental para a garantia da dramaticidade do espetáculo, está sob os cuidados do experiente iluminador cênico Valmyr Ferreira. Afora diversos trabalhos no teatro, Ferreira assinou a iluminação da exposição “Abdias Nascimentos 90 anos Memória Viva”, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 2004. Por sua vez, o cantor, ator, pianista, compositor e arranjador Wladimir Pinheiro assina a Trilha Original. Até bem recentemente, Wladimir esteve em cartaz com a peça Ataulfo Alves – O Bom Crioulo, dirigida por Luiz Antonio Pilar, no Teatro Dulcina do Rio. Bem que essa também poderia circular por outras cidades.

Somado a tudo isso, a interpretação da dupla Taís Araújo e Lázaro Ramos é capaz de emocionar ainda mais. Além de sustentarem muito bem o dinamismo das falas e do encaminhamento dado ao toque de inusitado fantástico da narrativa (tem que ir para entender!), os atores são capazes de garantir muito sentido até para os momentos de silêncio.

A performance de Taís, em especial, está digna de todos os aplausos de pé ao final. Vendo a maturidade de sua interpretação, foi impossível não lembrar do discurso de Viola Davis ao receber o Emmy 2015 de Melhor Atriz: “A única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode vencer o Emmy por papeis que não existem”. E mais uma vez livre de sabotagens, Taís Araújo se mostra uma gigante no palco. A atuação de Lázaro Ramos não deixa por menos. O brinde extra é perceber que o homem está jogando tão bem em tantas áreas!

Apagam-se as luzes, vem aquela sensação de quero mais! E, assim, ir ao teatro firma-se como algo que faz muito sentido para a vida, mesmo que isso implique reorganizar as finanças da semana ou do mês! É isso, o teatro também é nosso lugar, público negro!


* Ana Flávia é Doutora e mestre em História, jornalista, ativista do Movimento Negro, autora do livro “Imprensa negra no Brasil do século XIX” (Selo Negro, 2010).

Foto: Juliana Hilal.