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Campanha de Lula será uma avalanche, afirma Emir Sader

 

Lula em Alagoas. (FOTO | Ricardo Stuckert)

Em entrevista ao Fórum Onze e Meia nesta sexta-feira (24), o cientista político Emir Sader afirmou que Lula (PT) está preparado para a campanha eleitoral, que deve ser "uma avalanche".

"A campanha dele vai ser uma avalanche. Não só de adesões, mas acho que de mobilizações de massa", disse Sader, ressaltando que "a tendência da campanha é muito favorável ao Lula".

"O que Bolsonaro vai fazer com campanha eleitoral? Ao contrário, ele foi para o Nordeste e foi vaiado. Então, acho que o Lula está muito bem para a campanha", afirmou o cientista social, que ressalta que a a principal força do petista é na "relação com as massas".

Sader, no entanto, afirma que a maior dificuldade de Lula está num horizonte próximo, caso as pesquisas se confirmem e ele seja eleito.

Falta muito para governar, para ter um projeto constituído. Ele acenou que vai começar com uma reforma tributária, mas é preciso ver que maioria terá no Congresso para começar por uma reforma tributária. [...] Vamos pensar que tem muitos interesses em jogo. Quando entrar em outros projetos - democratização dos meios de comunicação, democratização do judiciário - vamos ver como o Congresso vai se comportar. Vai ser um limite importante", diz.

Para ele, Lula dificilmente terá maioria no Congresso - citando a máxima do petista, que não se governa sem maioria no povo e no parlamento - "para aprovar os projetos que sejam antineoliberais, como é o projeto do PT: democracia por um lado e superação do neoliberalismo por outro".

Além disso, Sader prevê uma herança muito pesada diante dos desmonte promovido por Michel Temer (MDB) e, depois, por Jair Bolsonaro.

"A herança será muito pesada. Não só na economia, mas nas questões sociais. Primeira coisa a fazer é formalizar as relações de trabalho da maioria dos brasileiros que está na precariedade. Para isso, precisa de recursos, que está na reforma tributária, que precisa de alianças [para ser aprovada]".

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Com informações da Revista Fórum.

A esquerda pode ganhar de novo no Brasil, diz sociólogo Emir Sader



O tal do mercado e seus porta-vozes – da GV, da PUC e de outras instituições – bradam pelo medo de que se repita o resultado eleitoral de 2002. Naquele momento, depois de dirigir o país durante mais de uma década, a direita foi incapaz de impedir a vitória da esquerda. Teve que conviver então não com o fracasso da esquerda e do país, mas com o período de maior sucesso econômico, social e político do Brasil.

Emir Sader. (Foto: Reprodução/247).
Agora voltam a cacarejar com o medo de uma nova vitória da esquerda. Não é regra na história do Brasil a vitória da esquerda, porque ela se enfrenta a uma imensa quantidade de estruturas que jogam contra ela. Mas ela demonstrou não apenas que pode ganhar, como que pode governar muito melhor, ganhar sucessivamente eleições e só pode terminar seus governos com rupturas institucionais.

A esquerda pode voltar a ganhar. Em primeiro lugar, porque seu programa anti-neoliberal representa os interesses da grande maioria da população, afetada de forma direta e brutal pelas políticas neoliberais, impostas contra a vontade da grande maioria da população pelo golpe de 2016. As pesquisas indicam que o maior responsável pela falta absoluta de apoio popular do governo atual é sua política econômica, que destrói direitos dos trabalhadores, liquida com as políticas sociais que atendiam a toda a população, que joga a autoestima dos brasileiros pra baixo.

Um governo que represente a retomada do projeto que mais sucesso e apoio teve na história do Brasil, que obteve mais consenso em toda a população, que diminuiu as desigualdades sociais, que terminou com a fome e o abandono da população mais pobre, tem todas as condições de triunfar de novo. Na era neoliberal, a esquerda tem a obrigação de galvanizar o apoio da grande maioria da população e governar para todos.

As enormes dificuldades da direita de conseguir ter candidatos que possam competir com a esquerda confirma que todos os nomes que se identificam com o governo atual e sua política econômica não conseguem apoio popular. O cenário é favorável a uma nova vitória da esquerda em termos de capacidade de representar a grande maioria dos brasileiros.

O medo da direita retoma as condições da sua derrota em 2002 e se dá conta que o cenário é similar: profunda recessão provocada por suas políticas, o maior nível de desemprego que o país já viveu, a miséria, o abandono dos mais pobres, a quantidade de gente morando nas ruas, a profunda exclusão social. A diferença vem das conquistas dos governos da esquerda: a quantidade de reservas que o país dispõe.

O país, a grande maioria da população, não tem por que ter medo de uma nova vitória da esquerda. Suas condições de vida melhoraram muito com a esquerda governando o país e pioraram muito quando a direita voltou a governar. Mentiras de que os investimentos estão sendo feitos e programados e poderiam deixar de sê-lo, caso a esquerda volte ao governo. A recessão indica como os empresários não estão fazendo investimentos produtivos, mas apenas jogando suas fortunas na especulação financeira, que não gera nem bens, nem empregos.

É de novo, como foi em 2002, totalmente artificial a tentativa de gerar medo na população por uma nova vitória da esquerda. Nada pior do que o país vive atualmente, nunca viveu uma situação de totalmente abandono do poder público em relação às necessidades do Brasil e da sua população. Temos que ter medo de todo tipo de manipulações que pudessem permitir a continuidade do que o país vive nestes anos, sob o governo ilegítimo instaurado pelo golpe.

Não é natural que a esquerda triunfe. Se, apesar de todas essas condições sociais favoráveis, ela não é capaz de convencer a grande maioria da população de que é capaz de voltar a governar, mostrando como seu governo atendeu às necessidades da grande maioria dos brasileiros, não voltará a triunfar e a governar o país. Se ela não é capaz de construir uma força política, que agregue a todas as forças interessadas em superar a crise atual com a retomada do modelo econômico de crescimento com distribuição de renda, apresentando um nome que personifique o período mais virtuoso da história do Brasil, pode não triunfar.

E precisamos e merecemos triunfar. (Por Emir Sader, colunista do 247).

Emir Sader: Contra a democracia, a exclusão social que o capital exige



O neoliberalismo nasceu para buscar superar a incompatibilidade entre a soberania popular da democracia e os interesses do grande capital. Para destravar os obstáculos à livre circulação do capital, entre os quais os governos que se resistem à sua centralidade .

Da RBA - O neoliberalismo exige governos fracos, sem legitimidade, sem poder de ação e sem disposição de se opor aos ditames do grande capital. Vem daí a franca crise em que se encontra a democracia tradicional, a democracia liberal, conforme o neoliberalismo foi se impondo como modelo global.

Nos EUA, na Europa, na América Latina, em países como a África do Sul e Índia, há uma perda clara de legitimidade desses regimes políticos, afetados pelo poder do capital financeiro de definir as regras da vida econômica, pela fraqueza de governos incapazes de avançar na solução dos problemas criados pelos mecanismos de mercado, que cada vez mais controlam o poder político.

Lutar contra o neoliberalismo é, ao mesmo tempo, lutar pela democracia. E vice-versa.

No Brasil, avançam juntos o golpe contra a democracia e a restauração do modelo neoliberal. A ruptura de uma se deu para reinstaurar o outro. A sobrevivência do governo golpista se dá como forma de preservação de seu verdadeiro núcleo fundamental – a equipe econômica, dirigida sem intermediações por banqueiros.

A associação indissolúvel do golpe com o neoliberalismo se faz pela ruptura dos direitos democráticos do povo de escolher seus governantes. Da expropriação dos direitos sociais da massa da população.

A recessão e o desemprego intensificados pela política econômica do governo Temer representam ataque aos direitos da população e contra a democracia, que deveria proteger os cidadãos das ações do chamado mercado.

O neoliberalismo começou a ser implementado na América Latina mediante uma ditadura – a de Pinochet, no Chile. Mas seu auge foi quando conseguiu se realizar mediante governos eleitos, como os de Menem, FHC, Fujimori, Carlos Andres Peres, Carlos Salinas de Gortari, entre outros.

Porém esses governos, depois de conseguirem, vários deles, se reeleger, fracassaram, sobretudo por conta do caráter antipopular de suas políticas neoliberais. A partir do momento em que as questões sociais passaram a ser consideradas predominantes pela população, em vários países os candidatos neoliberais foram sendo sucessivamente derrotados.

O único país em que o modelo neoliberal foi retomado mediante eleições – após ter passado por governos populares – foi a Argentina, mas isso se deu também porque o candidato que personifica essa restauração – Mauricio Macri – negou enfaticamente nos debates eleitorais que faria tudo o que está fazendo, caso contrário não teria conseguido triunfar.

No Brasil, foi mediante um golpe que o modelo neoliberal está sendo retomado. Derrotado quatro vezes sucessivamente, ficou claro que a maioria da população prefere um modelo de desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

O golpe deixou claro que seu objetivo estratégico é a retomada do modelo neoliberal, a promoção da hegemonia inquestionada do capital financeiro, a intensificação da exploração dos trabalhadores, o corte drástico das políticas sociais e a privatização do patrimônio público. Um programa com essas características só se faz pela ruptura da democracia.

Daí o pânico pela convocação de novas eleições que têm as elites, cujos interesses estão representados pelo governo golpista. Seja por eleições diretas já, seja mesmo em 2018 – para o quê necessitam castrar o processo eleitoral, com eliminação da candidatura de Lula, e com modalidades eleitorais que impeçam a expressão democrática da vontade da maioria da população.

Por isso a luta pela democracia no Brasil hoje está indissoluvelmente ligada à luta pela superação do modelo neoliberal, que retomou intensamente a dinâmica de concentração de renda, de exclusão social, de reprodução da pobreza e da miséria.


O resgate da democracia é o resgate do direito do povo de eleger livremente seus governantes, ao mesmo tempo em que é o resgate dos direitos formais dos trabalhadores, os direitos sociais da massa da população, a proteção e o fortalecimento dos bancos públicos, como indutores do crescimento econômico com inclusão social, e do patrimônio público do país.

Corte drástico das políticas sociais, concentração de renda e exclusão social. Um programa com essas características só se faz pela ruptura da democracia. Foto: CC Wikimedia/ O Financista.


Questões de Classe, direitos ameaçados e a trincheira dos trabalhadores




O Brasil começou a se democratizar com a Consolidação das Leis de Trabalho. No período que antecedeu a chegada de Getúlio Vargas ao poder, o presidente até hoje venerado pela elite paulista, Washington Luis (1926-1930), se notabilizou por frequentemente afirmar que "a questão social é questão de polícia".
Por Emir Sader, na RBA

A passagem para o período sob gestão de Getúlio foi notável, não apenas pelo começo do reconhecimento dos direitos da classe trabalhadora, mas também na forma de se dirigir aos brasileiros, chamando-os de "trabalhadores do Brasil".

Concomitantemente o Estado foi assumindo responsabilidades para garantir os direitos da classe trabalhadora, como a criação de ministérios como o do Trabalho e da Saúde, além de instituir a Previdência Social e a Justiça do Trabalho.

Naquele momento, o mercado deixava de ser o encarregado, junto com a polícia, de tratar das questões sociais.

Getúlio nunca foi perdoado por isso. Mesmo desenvolvendo uma política que promoveu a projeção da burguesia industrial como setor hegemônico na economia, nunca foi aceito por esta.

Um líder que encontrava sua legitimidade e as sucessivas vitórias eleitorais no apoio dos trabalhadores organizados em sindicatos, era visto por essa elite como seu maior adversário, a quem sempre combateu, desde o seu surgimento, em 1930, até sua morte, em 1954.

E essa elite seguiu combatendo o getulismo até o golpe de 1964, que interveio e destruiu a estrutura sindical para promover o arrocho salarial, o santo do "milagre econômico" da ditadura.

Mas a Consolidação das Leis do Trabalho sobreviveu a tudo isso, como conjunto de leis que garantem um mínimo de respeito e observância dos direitos da classe trabalhadora.

FHC pregou fortemente contra a CLT, estigmatizada como responsável por níveis de investimento empresarial abaixo do potencial, que se daria pelo suposto alto custo da força de trabalho.

O governo Lula e os que o seguiram até este ano provaram que nada disso é verdade. Que é perfeitamente possível promover um ritmo alto de crescimento economico com garantia dos direitos dos trabalhadores, a criação de dezenas de milhões de empregos com carteira assinada e a elevação do salario mínimo com ganhos reais em torno de 70% acima da inflação. Desmoralização cabal das mentiras sobre a CLT.

Atualmente porém, o governo Temer, surgido do golpe e pautado pela revanche contra os direitos adquiridos e consolidados nos governos do PT, retoma a mesma cantilena para criminalizar a CLT, os sindicatos e a luta dos trabalhadores. Como se os gastos com salário tivessem algum peso importante no preço final das mercadorias.

Volta-se aos tempos do ícone da elite paulista, Washington Luis – "a questão social é questão de polícia" –, de desreconhecimento dos direitos dos trabalhadores, de tentativa de enfraquecer a CLT, de promover semanalmente novas iniciativas que atentam contra as condições mínimas de dignidade das jornadas de trabalho. Diminuir a hora de trabalho de almoço, sob a alegação de que seria excessiva e dizendo que os trabalhadores podem comer um sanduíche com uma mão, enquanto operam a máquina com a outra.

Enquanto isso, na região da Avenida Paulista, nas proximidades da Fiesp, de onde é diretor o autor dessa barbaridade, eles almoçam lautamente, todos os dias, por duas horas e meia.

Como em todo regime que rompe com a democracia, os direitos dos trabalhadores são vítimas preferenciais. Busca-se criar as condições mais favoráveis à super exploração do trabalhador e à degradação das condições de trabalho. Expulsam milhões de trabalhadores da esfera dos contratos formais, protegidos pela CLT, para que sobrevivam em condições precárias, na informalidade e sem direitos. Formas cada vez mais selvagens do tal banco de horas, em que o trabalhador ficaria totalmente à disposição dos empresários, para trabalhar jornadas extenuantes, se o capital precisar, para depois ficar tempo longo sem trabalho.

Em torno da defesa da CLT, das condições básicas de trabalho, da luta contra o desemprego, se joga, em grande parte, o sucesso ou o fracasso do governo do golpe e do próprio golpe.

É hora de convencer setores cada vez mais amplos de trabalhadores de que sua trincheira indispensável de luta é o sindicato, para se defender da ofensiva diária contra a sua dignidade, para derrotar o governo golpista e sua tentativa de vingança contra o direito dos trabalhadores.

Precarização e informalidade são os resultados das ofensivas do governo
Temer sobre a proteção aos direitos dos trabalhadores e demanda união
para a luta por sua defesa.

Os golpistas nunca se fazem chamar de golpistas, por Emir Sader



Os golpes nunca se dizem golpes, os golpistas nunca se fazem chamar de golpistas. Há sempre vários tipos de nomes, pelos quais os golpistas tentam disfarçar seu golpe.


Aqui mesmo o golpe de 1964 pretendeu se chamar "Revolução", que iria acabar com a subversão e com a corrupção no Brasil. "Revolução", para justificar o uso da força. Mas diziam que iriam salvar a democracia, que estaria em perigo. Os jornais imediatamente reproduziram essa versão, tanto O Globo, quanto O Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo e os outros: a democracia foi salva pelo movimento dos militares. Isso justificaria os "excessos" que seriam cometidos.

O golpe de 1964 também disse que era um movimento legal, que defendia a Constituição, contra os planos subversivos do presidente da República. O presidente da Câmara, Ranieri Mazilli, assumiu, empossado pelo presidente do Senado, Áureo de Moura Andrade, pelo "vazio de poder", já que o presidente da República havia abandonado o palácio presidencial em Brasília.

Acontece que tropas militares tinham se sublevado em Minas Gerais contra o presidente legal do Brasil na noite anterior e deram inicio a um plano golpista planejado há tempos, de tal forma que esse movimento foi sucedido imediatamente por pronunciamentos dos chefes das várias regiões militares do país de adesão ao golpe. João Goulart tentou apoio no sul do pais, da mesma forma que o havia logrado em 1961, porque estava deposto pelos militares golpistas.

Na sequência, os laranjas da época (Mazzilli e Moura Andrade, como agora seriam Michel Temer e Eduardo Cunha) cederam o poder a quem havia dado efetivamente dado o golpe – os militares. E desapareceram na poeira da história, como estes de agora também desapareceriam, caso lograssem dar o golpe.

Ser golpista, assim como ser de direita, é feio. Ninguém é golpista, mesmo que planeje e dê um golpe, interrompa o processo democrático e imponha uma ditadura. Ele sempre se pretende imbuído de uma missão nobre: limpeza ética do país, combate à subversão, resgate da economia dos riscos do estatismo.

As Marchas que ajudaram à desestabilização do governo assumiam os valores que estariam em perigo: "Deus, família, propriedade". O direito à crença religiosa e a existência mesmo de escolas religiosas, a existência da família (com os fantasmas da guerra fria de que as crianças seriam retiradas da família e mandadas estudar na URSS), a propriedade, pelo riscos do Estado se apropriar de todos os bens das pessoas.

Mesmo com a repressão imediatamente desatada – lembremos da imagem de Gregório Bezerra, negro, nordestino, comunista, arrastado pelas ruas do Recife amarrado a um jipe do exercito, para mostrar a sorte que correriam os que ousassem enfrentar os golpistas -, a mídia não chamou o golpe de golpe. A democracia foi destruída, instalou-se um regime de ditadura militar, o Estado tornou-se o quartel general das FFAA para controlar o país e reprimir tudo o que caracterizassem como subversivo. O Legislativo e o Judiciário foram depurados sucessivamente dos seus membros, o poder foi controlado completamente pelos altos mandos das FFAA. Todo tipo de violência e de arbitrariedade foi cometido pelo regime militar.

Mais tarde o nome de golpe militar foi se generalizando no lugar do de "Revolução" e a palavra "golpe" ganhou conotações claramente negativas. A ponto que O Globo, na parodia de autocritica, e A Falha, quando tentou passar a ideia de que o que teria havido seria uma "ditabranda", usaram explicitamente a palavra golpe.

Golpe é a ruptura do processo democrático por vias não previstas pela Constituição. A ditadura de 1964 passou a decretar atos institucionais, que se sobrepunham à Constituição. A democratização demandou uma nova Constituição para o país.

O movimento golpista atual pretende interromper o processo democrático, tirando do governo a uma presidenta eleita pelo voto popular, sem nenhum crime de responsabilidade. Uma ação abertamente golpista. Mas, como todo golpe, ele não gosta de ser chamado de golpe, os golpistas não querem ser chamados de golpistas.

Os golpistas de 1964 tampouco queriam ser chamados de golpistas, o golpe de 1964 não seria um golpe.

Aquele, como este, tem tudo de golpe: cara, jeito, ação, projeto. Só não aceita o seu verdadeiro nome: golpe. Não querem aparecer e oposição ao que querem destruir: a democracia.

Defesa da democracia é o único caminho para sair da crise de governabilidade, por Emir Sader



Os elementos da crise atual foram sendo gestados ao longo do primeiro mandato de Dilma Rousseff, estiveram presentes no processo eleitoral e no seu resultado, mas foram fortalecidos por graves erros do governo tanto na política econômica, como na coordenação política.

Lula tinha conseguido montar uma arquitetura política que permitiu que, mesmo não sendo majoritária, a esquerda conseguisse impor seu programa antineoliberal, com prioridade das políticas sociais, dos projetos de integração regional e de intercâmbio sul-sul, e de resgate do Estado. O governo se apoiou em alianças políticas com setores do centro e do empresariado, em torno de um programa de recuperação do crescimento econômico, com forte peso da expansão do mercado interno de consumo popular, fortalecido pelas políticas de distribuição de renda. Esse projeto se valia também de situação internacional favorável, que possibilitou, como Lula sempre destacou, que “nunca os ricos ganhassem tanto e os pobres melhorassem tanto de vida”.

Esse projeto tornou-se hegemônico no país, apesar da hostilidade aberta da mídia. Lula saiu do governo com 84% de apoio, apesar da maioria esmagadora das referências a ele na mídia serem negativas. Parecia que bastaria dar continuidade ao modelo, para que as mesmas condições se reproduzissem.

Mas a mudança de conjuntura nacional e internacional não foi percebida pelo governo Dilma, que tentou, de forma artificial e frágil, mediante subsídios e isenções, retomar o ritmo de crescimento da economia. Sem exigir contrapartidas do empresariado que se beneficiava dessas medidas e revertendo a baixa da taxa de juros, o governo começou a perder o controle da situação. Durante o primeiro governo Dilma houve praticamente estagnação econômica, embora o governo mantivesse a expansão das políticas sociais. Produziram-se desarranjos nas finanças públicas e, ao mesmo tempo, a inabilidade do governo para manter as alianças políticas gestou as condições da crise atual.

A falta de democratização dos meios de comunicação, neutralizada pelo sucesso econômico e social do governo Lula e por sua capacidade de liderança política, recaiu duramente sobre o governo e quase levou à derrota da Dilma nas eleições de 2014, em que ela teve contra si não apenas praticamente todos os grandes meios de comunicação, como todo o grande empresariado e até mesmo parte dos aliados políticos do governo. O candidato da oposição obteve 51 milhões de votos, provavelmente a maioria de setores populares beneficiários das políticas sociais do governo. Estava instalada uma crise de governabilidade, reflexo da crise hegemônica, da incapacidade do governo e de todas as forças de esquerda – partidos, movimentos sociais – de traduzir as políticas sociais do governo em consciência social das imensas massas da população beneficiarias dessas políticas. Estava instaurada a ingovernabilidade quando a isso se somou o Congresso mais conservador que o país teve, com uma derrota grave da esquerda, que se enfraqueceu e, com manobras políticas desastradas, permitiu que o pior da direita brasileira se apropriasse do Congresso e cercasse o governo.

Um Executivo fraco, acuado, piorou sua situação, implementando um desastrado ajuste fiscal, que lhe fez perder rapidamente o apoio popular e não conseguiu reativar a economia e nem controlar a inflação. Diante do governo fraco, tanto o Legislativo, quanto o Judiciário e até mesmo a Polícia Federal, apertaram o cerco sobre o governo e o levaram a uma situação praticamente de asfixia, de ingovernabilidade. Uma situação de empate catastrófico, em que nenhuma das partes, em enfrentamento aberto, tem demonstrado capacidade de triunfar sobre a outra.

A oposição conta com toda a grande mídia, com setores do Judiciário e da PF, além da mobilização agressiva de amplos setores da classe média e da burguesia. O governo conta com o apoio de toda a esquerda e dos movimentos sociais, que mostram capacidade cada vez maior de mobilização de amplos setores do povo, além da liderança do Lula e do apoio de setores do Judiciário. O próprio governo não tem ajudado à resistência democrática, não lançando um grande programa de reativação econômica, centrado na defesa do emprego e, ao contrário, mantendo a proposta de medidas antipopulares e recessivas.

Não parece possível nenhum tipo de acordo entre os dois blocos em disputa. Dilma não renuncia e a direita não abre mão das suas tentativas de derrubá-la. Ou se mantém a continuidade democrática com a derrota da direita, ou esta consegue derrubar a Dilma, mediante um golpe, rompendo com a democracia e jogando o país numa situação de instabilidade nunca vista, que pode desembocar em alguma forma de governo autoritário ou diretamente ditatorial. Há quem levante o sacrifício de Lula 2018 como se pudesse obter concessões da direita. Seria uma capitulação – como a que a oposição queria de Lula em 2005 –, prévia à queda da Dilma e renúncia suicida da única alternativa de solução democrática da crise.

O único caminho democrático agora é a derrota da direita – via Parlamento ou via STF –, sustentada com mobilizações cada vez maiores da cidadania, dirigida a seus inimigos mais visíveis – Globo e setores da mídia, entre outros. Essa derrota, uma vez conseguida, permitiria superar o empate catastrófico atual. Empate de forças que se anulam, catastrófico para o pais.

Seria a possibilidade de convocação de uma Assembleia Constituinte que promova a reforma democrática não apenas do sistema político esgotado, mas também de toda a estrutura do Estado, incluindo Legislativo, Executivo e Judiciário. Precedida de um grande debate político nacional, que desemboque nas eleições em 2018 com uma Assembleia Constituinte. Que ao mesmo tempo permita a renovação radical da vida política, com a participação direta e massiva de jovens, mulheres e representantes de movimentos sociais.

E que crie as condições de uma nova hegemonia, de caráter democrático e popular, com a formação democrática da opinião pública e a eleição de Congressos com a cara da sociedade e não dos seus lobbies.

Um momento de que tem de fazer parte indispensável o lançamento e a colocação em prática de um programa de reanimação da economia, com distribuição de renda e proteção do emprego, para que o governo recupere as bases populares que perdeu e que o tem apoiado firmemente na luta contra o golpe.