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Paulino Cardoso pauta 2016 como marcos para atuação do Movimento Negro no Brasil



O ano de 2015 foi terrível para a causa democrática em nosso país. De um lado, uma Casa Grande sem votos que se cansou de perder eleições e resolveu com visível concertação externa, produzir uma crise institucional sem precedentes, destruindo a estabilidade econômica e disseminando um ódio político poucas vezes visto na História brasileira. De outro lado, ferido gravemente pelo envolvimento/conivência com casos de corrupção, o Partido dos Trabalhadores e a coalizão governista, parecem com dificuldades de unir o campo democrático e travar o debate no parlamento e nas ruas, na defesa de um legado de mudanças importantes para o Brasil e de aprofundamento do processos de inserção social e política da Senzala.

Prof. Dr. Paulino de Jesus Francisco Cardoso.
Sob a batuta de Dilma Roussef, o Governo Federal parece perdido, deixando-se muitas vezes pautar por uma agenda conservadora, na esperança de agradar a Casa Grande. Como disse o Presidente Lula, não agradou e perdeu a nossa gente. As políticas de austeridade fiscal com a finalidade de produção de uma poupança, encheu as burras dos rentistas com mais quinhentos bilhões de reais, sufocou o crédito para o mercado interno, produziu desemprego, conteve a política de distribuição de renda.Ao retirar bilhões da Educação, restringiu ações de sucesso, símbolos de um governo que se preocupa com os grupos subalternos.

Do ponto de vista da diáspora africana organizada, o Movimento Negro, tal postura significou redução, bloqueios, não execução de políticas duramente pactuadas no interior dos espaços de controle social do Governo Federal. Para nós foi um ano de derrotas, refletida na não indicação de um negro/negra para ministro do Supremo Tribunal Federal, na subrepresentação da população negra nos lugares de comando do poder executivo, em especial, a perda de status da SEPPIR. De fato é um governo para nós, mas não conosco.

Entretanto, o que parecia ruim pode ser lido como uma oportunidade histórica para o movimento negro. Dilma Rousseff, nos deu a possibilidade de quebrarmos a subordinação política e ideológica com os partidos da esquerda branca e de questionarmos o longo processo de cooptação de lideranças e entidades negras, tornando-as ONGS, responsáveis pela execução de políticas públicas não prioritárias para o governo. Estratégia, verdade seja dita, construída nos anos 1990, sob orientação do Banco Mundial. A presidenta com um canetaço apontou o fracasso de uma estratégia de luta institucional sem o suporte e envolvimentos dos grupos populares.

Todos nós, brasileiros e brasileiras continuaremos apoiando o respeito as instituições democráticas, representada na continuidade de um governo legitimamente eleito. No entanto, nós negros precisamos repensar nossa ação. Refletirmos onde nós contribuímos para a nossa fragilidade política e pouca legitimação, que torna possível que questões importantes sobre nossas vidas sejam tomada por outras pessoas sem nos consultar.

Pode parecer acadêmico demais para alguns, mas a melhor forma de construir uma unidade é debatendo visões de mundo, as análises de conjuntura e as posturas ideológicas. Afinal, a opção pela luta institucional também está embasada numa perspectiva ideológica.

Está mais do que na hora de compreendermos o momento vivido a partir de um balanço de trinta anos de experiência democrática e mais uma década de um governo social-democrata, representado por Lula e Dilma Roussef.

Gostaria de acrescentar um termo que falta: colonialismo. Nosso país nunca passou a limpo sua herança colonial, o que faz com que os privilégios dos colonos e seus descendentes expresso no exercício de uma branquitude só agora começam a ser questionados. Neste mundo, nossa inserção se dá de forma individual e na medida que dominamos os códigos da cultura ocidental. Leia-se, na medida em que nos tornamos assimilados. Assim, nossa própria resistência se dá nos quadros desse modo de apreensão e expressão do real, no controle de sua linguagem. Sem perceber nos tornamos para além de eurófonos, eurófilos e, parafraseando Kwame Appiah, herdamos determinados antolhos intelectuais que nos impedem de ver qualquer virtude nas massas negras, sua violência como código de honra, sua cultura do baixo ventre, sua paixão pelo pagode, pagode baiano e funk, como me lembrou Ivy Guedes . A maior evidência disto, como todo assimilado é o gosto de uma parte significativa da liderança negra por homens e mulheres brancas para constituir suas famílias e a aceitação tácita dos brancos de esquerda como direção e orientação da ação política.

Avançar na direção contrária exigirá capacidade de articulação e coordenação do Movimento Negro, de modo a termos nossas próprias agendas e não sermos pautados pela esquerda branca. Neste sentido, as reuniões da Convergência Nacional Anti-Racista, reunindo as principais entidades do movimento negro (Salvador, dezembro de 2015, Porto Alegre, janeiro de 2016), constituem a oportunidade, por meio do exercício da paciência, de estabelecer laços de confiança que nos possibilite pactuar agendas e dirimir controvérsias. Por outro lado, o Fórum de Promoção de Igualdade Racial (FOPIR), reunindo as principais organizações não governamentais anti-racistas, em especial, as feministas negras, com sua vasta experiência internacional, de diálogo com agenciais multilaterais, de clareza estratégica da comunicação e capacidade de advocacy, pode-se constituir numa plataforma chave para o debate com a opinião pública e a qualificação da ação do Movimento Negro.

Segundo, nós, militantes antirracistas, necessitamos nos apropriar do patrimônio cultural produzidos autonomamente pelos afrodescendentes: samba, escolas de samba, terreiros, congás, maracatús, cacumbís, cordões, jongos, congadas, sociedade recreativas, irmandades, territórios e outros lugares de vivência cultural onde estes inventam e reinventam modos de ser e estar no mundo, baseados em nossas memórias, nossas linguagens, nossas cosmovisão e cosmogonia. Lugares furtivos, onde, na falta de um outro termo, nos movemos baseadas em estruturas civilizatórias africanas.

Por fim, como já disse alguém, nós precisamos estar presentes no cotidiano de nossas gente, no momentos de suas dificuldades e sofrimentos, de modo a construir uma empatia entre o MN e os afros. O que aprendi com Mandela, Angela Davis, ML King e Malcon X, é a que legitimação institucional se dá com o povo na rua sustentando a liderança. Vamos avançar e consolidar estas conquistas quando os afros entenderem que só é possível transformar suas vidas por meio da luta do movimento Negro.

Para ONU é preciso ‘dar um passo à frente na luta pelos direitos dos povos afrodescendentes’


Do  ONUBR

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, pediu que a região da América Latina e do Caribe aproveite as oportunidades e iniciativas previstas na Década Internacional de Afrodescendentes para promover uma melhoria concreta na vida das pessoas de ascendência africana.

Participantes reunidos  ao final do encontro. Foto: Mariana Tavares.
 Dez anos para reverter cinco séculos de discriminação estrutural? A discriminação racial tem profundas raízes cultivadas no colonialismo e na escravidão, e se nutre diariamente com o medo, a pobreza e a violência. São raízes que se infiltram de forma agressiva em cada aspecto da vida – desde o acesso à educação e alimentos até a integridade física e a participação nas decisões que afetam fundamentalmente a vida de cada pessoa. Uma década é muito pouco”, disse Zeid.

Zeid participou do encerramento, na última sexta-feira (4), da Reunião Regional para a América Latina e Caribe da Década Internacional de Afrodescendentes da ONU, realizada em Brasília nos dias 3 e 4 de dezembro.

O encontro contou com a participação de mais de 150 representantes de Estados nacionais da região, organizações regionais, instituições nacionais de direitos humanos, organismos para a igualdade e representantes da sociedade civil, em particular as pessoas de ascendência africana e agências especializadas das Nações Unidas e mecanismos da região. Ao final da reunião, foi aprovada a Declaração da Conferência Regional da Década Internacional de Afrodescendentes – ou “Declaração de Brasília” –, disponível ao final da matéria.

O alto comissário lembrou que, com a abolição da escravatura, veio liberdade – mas grande parte da estrutura social profundamente discriminatória nunca foi derrubada e permanece até hoje.

Atualmente, existem mais de 150 milhões de pessoas de ascendência africana na América Latina e no Caribe – cerca de 30% da população. Mesmo assim, os afrodescendentes em grande parte da região são quase invisíveis nos corredores do poder – econômicos, acadêmicos, profissionais ou políticos, a nível local ou nacional. As altas taxas de desigualdade persistem”, disse o chefe de direitos humanos da ONU.

Historicamente e na atualidade, as pessoas de ascendência africana têm sido os principais contribuintes para o desenvolvimento e a prosperidade de suas sociedades e nações, mas a elas foi negada sua parte justa dos dividendos. Pelo contrário, os seus direitos humanos foram violados para que outros pudessem prosperar.”

Zeid pediu aos Estados que respeitem os seus compromissos e obrigações nos termos do direito internacional dos direitos humanos e usem todas as ferramentas à sua disposição para promover progressos concretos na promoção dos direitos dos afrodescendentes. Estas ferramentas incluem a Declaração e o Programa de Ação de Durban e o quadro fornecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas para a Década Internacional, bem como tratados internacionais de direitos humanos. Os temas para a Década – que teve início em 2015 e segue até 2024 – são Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento.

O reconhecimento trata de se reconhecer e compreender, concretamente, a extensão e profundidade do racismo e da discriminação racial enfrentados por pessoas de ascendência africana. Trata-se de fazer os afrodescendentes e sua história, sua cultura e suas realizações visíveis nos currículos da educação, em livros didáticos e na arena cultural. O reconhecimento também significa sensibilizar funcionários do Estado, inclusive nos domínios da aplicação da lei e da justiça, para evitar a discriminação racial e a brutalidade policial. E isso significa garantir justa e adequada reparação e satisfação por qualquer dano como resultado de tal discriminação, tal como exigido pela Declaração e Programa de Ação de Durban”, disse ele.

Na esfera da justiça, os afrodescendentes têm relatado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, mesmo quando eles são vítimas de crimes, não apresentam queixas formais à polícia porque simplesmente não confiam nas instituições estatais e temem sofrerem nova violência. Isso é terrivelmente infeliz, mas não surpreendente, dado o uso desproporcional da força contra as pessoas de ascendência africana, particularmente homens jovens; sua sobre-representação entre a população prisional; e a discriminação racial endêmica e discriminação que enfrentam no contato com oficiais da lei. A justiça trata do combate à impunidade, ao aplicar a lei prontamente e de forma transparente contra os policiais que usam a força letal injustificada e violência desproporcional”, acrescentou Zeid.

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos pediu aos Estados que garantam que mulheres e homens afrodescendentes sejam parceiros ativos na concepção de iniciativas de desenvolvimento.

Tem havido uma negligência histórica e falta de investimentos públicos em bairros e regiões que são predominantemente afrodescendentes. Isso precisa ser revertido em parceria com as comunidades”, disse ele.

No final da reunião, os delegados adotaram uma declaração que relembra o Programa de Atividades da Década Internacional e reafirma seu compromisso com a plena implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban a nível nacional, regional e global. Além disso, reafirma o apoio à criação do Fórum de Pessoas Afrodescendentes e apoia a elaboração de um projeto de Declaração das Nações Unidas, destacando a importância de iniciar o trabalho o mais rapidamente possível. Estados-membros da ONU também se comprometeram a adotar políticas de ação afirmativa de modo a atenuar e corrigir desigualdades no exercício dos direitos humanos no acesso à educação e ao emprego, de acordo com as particularidades de cada país.

Entramos na Década Internacional de Afrodescendentes com uma imensa carga de injustiças históricas e contemporâneas de tal forma que é difícil não se curvar sob o peso de desespero”, disse Zeid. “No entanto, nós temos aqui uma oportunidade para ajudar a fortalecer as comunidades de ascendência africana e, com elas, reforçar a estabilidade, a democracia, o Estado de Direito, a governança, a segurança e o desenvolvimento de toda a região da América Latina e do Caribe. Devemos aproveitar esta oportunidade para explorar o potencial inexplorado destas comunidades até então invisíveis. Que nos comprometamos a usar esses 10 anos para dar um passo à frente.”

O encontro debateu, entre outros temas, o apoio à negociação de um projeto de declaração das Nações Unidas sobre a promoção e o pleno respeito dos direitos humanos das pessoas afrodescendentes e à convocação da IV Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância.

Reconhecimento, justiça e desenvolvimento será tema da Década Internacional de Afrodescendentes



A Assembleia Geral da ONU proclamou o período entre 2015 e 2024 como a Década Internacional de Afrodescendentes (resolução 68/237) citando a necessidade de reforçar a cooperação nacional, regional e internacional em relação ao pleno aproveitamento dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos de pessoas de afrodescendentes, bem como sua participação plena e igualitária em todos os aspectos da sociedade.


Tal como foi proclamada pela Assembleia Geral, o tema para a Década Internacional de Afrodescendentes é “reconhecimento, justiça e desenvolvimento”.

Objetivos da Década

Os principais objetivos da Década Internacional são:

Promover o respeito, proteção e cumprimento de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas afrodescendentes, como reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos;

Promover um maior conhecimento e respeito pelo patrimônio diversificado, a cultura e a contribuição de afrodescendentes para o desenvolvimento das sociedades;

Adotar e reforçar os quadros jurídicos nacionais, regionais e internacionais de acordo com a Declaração e Programa de Ação de Durban e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, bem como assegurar a sua plena e efetiva implementação.

Implementação do Programa de Atividades

A implementação do Programa de Atividades da Década Internacional de Afrodescendentes, que foi aprovado pela Assembleia Geral, deve ser implementado em vários níveis.

Em nível nacional, os Estados devem tomar medidas concretas e práticas por meio da adoção e efetiva implementação, nacional e internacional, de quadros jurídicos, políticas e programas de combate ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata enfrentados por afrodescendentes, tendo em conta a situação particular das mulheres, meninas e jovens do sexo masculino nas seguintes atividades:

Reconhecimento
Justiça
Desenvolvimento
Discriminação múltipla ou agravada

Nos níveis regional e internacional, a comunidade internacional e as organizações internacionais e regionais são chamadas para, entre outras coisas, sensibilizar e disseminar a Declaração e Programa de Ação de Durban e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ajudar os Estados na implementação plena e efetiva de seus compromissos no âmbito da Declaração e Programa de Ação de Durban, recolher dados estatísticos, incorporar os direitos humanos nos programas de desenvolvimento e honrar e preservar a memória histórica de pessoas afrodescendentes.

Há também uma série de passos e medidas a serem tomadas pela Assembleia Geral da ONU, incluindo a nomeação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) para atuar como coordenador da Década, a criação de um fórum para servir como um mecanismo de consulta, a convocação de uma avaliação final da década, bem como garantir a conclusão da construção e da inauguração, antes da revisão intercalar em 2020, de um memorial permanente na sede da ONU em homenagem à memória das vítimas da escravidão e do tráfico transatlântico de escravos.

Acesse o texto completo do Programa de Atividades (PDF)