O
Conselho Federal de Psicologia (CFP) vai entrar ainda esta semana com pedido de
agravo contra a decisão liminar do juiz federal da 14ª Câmara do Distrito
Federal Waldemar Cláudio de Carvalho, que abre brecha para a “cura gay”. Na
última sexta-feira, o magistrado concedeu liminar a uma ação movida pela
psicóloga evangélica Rozangela Justino, que pretendia suspender a resolução do
CFP 01/1999, que estabelece normas para atuação de psicólogos em relação à
questão da orientação sexual.
Da
RBA - Em sua decisão, Carvalho mantém
a resolução, mas determina que o CFP interprete a resolução de modo a não
proibir que os profissionais façam atendimento buscando reorientação sexual.
Ressalta, ainda, o caráter reservado do atendimento e veda a propaganda e a
publicidade.
"O magistrado argumenta que a resolução está
mantida, mas que o Conselho deve interpretar de maneira a permitir aos
psicólogos a utilização de técnicas de reorientação da sexualidade – o que é o
âmago da resolução", disse o presidente do CFP, Rogério Giannini.
Giannini
avalia que a decisão, que enfraquece a resolução, está baseada em argumentos
equivocados. E que desconsidera a diretriz ética que embasa o documento ao
reconhecer como legítimas as orientações sexuais não heteronormativas, que
portanto não podem ser criminalizadas ou mesmo patologizadas. "Valendo-se
dos manuais psiquiátricos, a decisão do juiz reintroduz a perspectiva
patologizante", disse.
Retrocessos
Giannini
está confiante de que o desembargador que vier a analisar o caso acolha o
recurso do Conselho Federal de Psicologia. “Pelos
argumentos que temos e o histórico de vitórias na Justiça, nosso jurídico
avalia que temos uma tese sólida, uma defesa embasada e suficiente para ganhar
em primeira instância. Se não, recorreremos a todas as instâncias”, disse.
No
entanto, entende que o momento exige toda cautela. Ele lembra que avançam
propostas que sinalizam retrocessos também na saúde mental. É o caso do
Ministério da Saúde, que tem defendido o retorno do modelo manicomial e a expansão
do número de leitos em hospitais psiquiátricos – o que vai na contramão de pelo
menos três décadas de lutas e conquistas por um cuidado em liberdade.
Para
ele, a decisão engrossa o caldo da cultura de arbitrariedade. “Se a orientação sexual torna-se uma doença
comportamental, então se caminha para o risco de muitas famílias pressionarem
pelo tratamento mental, e até chegar a pedir a interdição de pessoas, que
passam a ser consideradas não-aptas para exercer a cidadania. Não me
surpreenderia se, a longo prazo, viesse a defesa da internação compulsória
dessas pessoas.”
Segundo
lembrou Rogério, as técnicas terapêuticas utilizadas na chamada reversão
consistem em recursos como a lobotomia, choques, tratamento hormonal, todas
elas invasivas, agressivas e violentas. "Não é coisa de sentar para se desabafar. Para mudar a orientação sexual
do sujeito, você tem que mudar seus desejos, sua vida sexual ativa. Não é como
mudar a alimentação, são técnicas agressivas e invasivas."
Essas
terapias, conforme lembrou, são inócuas e causam mais sofrimento. Há
percentuais que apontam aumento do quadro de angústia, depressão e tentativas
de suicídio que muitas vezes se concretizam. "Fazer isso faz as pessoas serem submetidas a uma terapia que não é
reconhecida pelo Conselho, ou seja, não pode ser exercida."
Além
disso, ao permitir as terapias de reversão, a liminar contraria determinações
da Organização Mundial da Saúde (OMS), que excluiu a homossexualidade do rol de
doenças.
“A maior violência é oferecer a pessoa uma interpretação
de sua vida como uma doença. Aquilo que te dá prazer, o relacionamento, passa a
ser chamado de doença. Isso é grave, porque desqualifica essa pessoa."
De
acordo com Giannini, pessoas que sofrem podem procurar a Psicologia como
recurso para o alívio do sofrimento. E o psicólogo tem que atendê-lo. "Às
vezes, o sofrimento tem a ver com a sua sexualidade, porque ele sofre pressões
sociais. Esses profissionais devem atender o sofrimento, não utilizar o
sofrimento para oferecer uma reversão de sexualidade", destacou.
Repúdio
Ontem
(20), o Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (Sinpsi) publicou nota de repúdio
à liminar. O sindicato relembra que a questão da “cura gay” não é novidade no
campo da prática profissional da Psicologia.
A
última batalha foi travada há cinco anos, quando a categoria foi convocada a se
unir para barrar o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 234, que tinha o mesmo
propósito. À época, a questão estava embasada em interesses de grupos
religiosos em busca de legitimar sua visão de mundo e de homem, de influenciar
diretamente o funcionamento da sociedade, avançando sobre outras instituições,
o que provocava uma investida contra a laicidade do estado.
Para
o Sinpsi, princípios religiosos não devem se misturar a princípios científicos.
"E que orientação sexual não é algo
a ser revertido ou curado, simplesmente porque homossexualidade não é doença."
O
sindicato reiterou que o psicólogo e a psicóloga devem entender e acolher o
sofrimento do paciente que se reconhece homossexual. A informação, se levada a
consultório como causadora de sofrimento, deve ser tratada sem qualquer
proposta de “cura”. "É preciso
intervir sobre as condições que geram o sofrimento. Patologizar uma condição do
ser humano só aumenta o ódio e o risco para a comunidade LGBT."